maio 10, 2009

Comida: Omelete de amoras



Eu costumo contar esta antiga história àqueles que gostariam de fazer uma experiência com figos ou com vinho de Falerno, com uma sopa de borscht ou com um pranzo caprese. Era uma vez um rei, que se dizia todo-poderoso e dono de todos os tesouros da Terra, mas que, mesmo assim, não era feliz e ficava cada vez mais triste, de ano para ano. Um dia mandou chamar seu cozinheiro e lhe disse: "Tens me servido fielmente todo esse tempo, e coberto minha mesa com as mais apetitosas iguarias e, por isso, te tenho apreço. Mas agora desejo uma última prova de tua arte. Prepara-me a omelete de amoras, tal como a que saboreei há cinqüenta anos, em minha tenra mocidade. Naquela ocasião, meu pai estava em guerra contra seu terrível inimigo do Leste. Este venceu, e nós precisamos fugir. E, assim, fugimos dia e noite, meu pai e eu, até chegarmos a uma floresta sombria. Nós erramos por ela, e estávamos prestes a sucumbir de fome e cansaço quando, finalmente, nos depararmos com uma cabana. Lá morava uma velhinha, que amavelmente nos convidou para descansar, pondo-se a preparar alguma coisa no fogão. Pouco tempo depois, lá estava a omelete de amoras diante de nós. Porém, mal tinha eu levado à boca o primeiro pedaço e já me senti maravilhosamente reconfortado, e com renovada esperança no coração. Naquela ocasião, eu ainda era muito jovem, e por muito tempo não pensei mais nos benefícios daquela iguaria deliciosa. Mais tarde, porém, quando mandei procurá-la por todo o reino, não se encontrou nem a velha nem ninguém que soubesse preparar a omelete de amoras. Se atenderes a este meu último desejo, farei de ti meu genro e herdeiro do reino. Se, porém, não me satisfizeres, deverás morrer." E o cozinheiro respondeu: "Senhor, chamai imediatamente o carrasco. Pois mesmo conhecendo o segredo da omelete de amoras e todos os seus ingredientes, do simples agrião ao nobre tomilho; mesmo sabendo qual o verso que se deve dizer ao mexer a panela, e de que modo o molinilho de madeira de buxo deve ser girado, sempre para a direita, para que afinal não ponha a perder todo o nosso esforço — mesmo assim, Ó Majestade, terei de morrer. Pois, não obstante, minha omelete não agradará ao Vosso paladar. Pois como poderia eu temperá-la com tudo aquilo que Vós saboreastes naquela ocasião: o perigo da batalha e a cautela do perseguido, o calor do fogo e o aconchego do repouso, o presente desconhecido e o negro futuro." Assim falou o cozinheiro. O rei, porém, silenciou por um instante e, ao que consta, pouco depois desobrigou-o de seus serviços, regiamente carregado de presentes. 
1930


in Essen: Maulbeer-Omelette; Benjamin, Walter in G. S., IV, pp. 380-81

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