outubro 31, 2008
Os gatos não são assim tão maos
Ainda que se persigam os gatos por motivos hygienicos, não impede, isso, que elles tenham tido grandes amizades entre os homens mais illustres das letras.
Victor Hugo tinha o seu "Conego" favorito, um gato roçagante e bonito, possuidor de longos bigodes, de olhos verdes e pello que parecia seda. Era immodesto, manso se o acariciavam, fugidio e até aggressivo se não faziam grande caso delle. Occupava o melhor divan do gabinete do poeta e nínguem se atrevia a tiral-o dali.
Richelieu tinha varios gatos favoritos, distrahindo-o muito os seus saltos e cabriolas, que enchiam os seus momentos de descanso.
Baudelaire era muito acanhado e quando visitava pessoas com quem não tinha grande confiança quasi perdia o uso da palavra. Entretanto, bastava que tivesse um gato sobre os joelhos para que se transformasse em amavel conversador.
Chateaubriand tambem era grande amigo dos gatos e ao ser nomeado secretario da Embaixada Franceza em Roma, o pontifice Leão XII presenteou-o com o seu proprio gato favorito, chamado "Micetto".
Durante o seu desterro, em Londres viveu em casa de uma tia éxcentrica irlandeza senhorita O' Larry, da qual dizia em carta um amigo: "É uma pessoa muito sympathica e com a qual me dou muito bem. Unidos ambos pelo affecto dos gato choramos actualmente a perda de dua gatinhas preciosas, brancas, como o arminho, á excepção da extremidade da cauda, que era negra."
O humorista americano Mark Twain, teve dois gatos chamados Satanaz e Peccado, aos quaes queria como á menina dos seus olhos, e a sra. Janotha, pianista da Corte Britannica, tinha um chamado "Marquez de Haddock", baptizado pelo kaiser Guilherme II, com a alcunha de Othello por motivo do seu pello retinto.
in Revista Popular Brasileira; Moraes, J. da Silva e Gimeno, Francisco; nº 43, pag. 44; Rio de Janeiro, 09-05-1925
Ilustração: Cat and Bird; Klee, Paul, 1928 (MOMA)
outubro 30, 2008
Transgentes
Primeira edição
Ópio de cor¹
— Não tem mais papel de seda em nenhuma venda. Já fui no seu Domingos e no seu Fernando. Só se a gente for na Avenida.
Todas as operárias se pintam. Estragam a cara esfregando papel vermelho e cuspe.
— Vamos para Avenida! Anda gente!
— Vou botar pó-de-arroz na cabeça…
— Quer fazer uma vaca pra comprar uma lança-perfume?
— Eu não. O meu bigodinho me dá.
Cadeiras na rua. Caixotes. Italianas gordas. Comadres escancaradas nas sarjetas. Os colos de aventais azuis de pintas e babados com amendoins. Meninos grandes chupam as mamas de quilos.
O confeti vai da cabeça pro chão. Do chão pra cabeça.
— Olha o bando! Olha o bando! Chiquita!
As meninas atiram-se como gatas pegando os rolos das serpentinas. Os sexos estão ardendo. Os grilos estrilam nos sinais. Os burgueses passam nos carros concordando que o Brás é bom no Carnaval.
No Colombo, as damas brancas, pretas ou mulatas como as meninas fugidas de casa, não pagam entrada.
— Alerta, rapaziada maxixeira!
Um urso vende serpentinas nos estribos dos carros em movimento. Mocinhas urram histericamente com medo do bicho.
Todas as meninas bonitas estão sendo bolinadas. Os irmãozinhos seguram as velas a troco de balas. A burguesia procura no Brás carne fresca e nova.
— Que pedaço de italianinha!
— Só figura! Vá falar com ela. Uma analfabeta.
— Pruma noite, ninguém precisa saber ler.
— Passei um bilhete praquela tipa.
No fordinho novo, Eleonora ao lado de Alfredo, se empertiga numa fantasia cara de boneca Lenci e sacode todas as pulseiras do braço, querendo voltar para o Esplanada.
— Aqui só tem barbeirinhos!
As filas de automóveis se misturam, engrossam, lavando a promessa das meninas pobres, cheias de venta rolas e rolos catados. Pierrôs vermelhos. Arlequins. Dominós. Fantasias irreconhecíveis.
— Ah! Se eu pudesse fazer o corso!
Chinesinhas barulhentas tomam guaraná na garrafa, afogando e tossindo.
As orquestras sádicas incitam:– Dá né-la! Dá né-la!
Aquele pierrô feminino está cheirando éter. Aprendeu. Uma baiana imensa ronca num degrau.
— Não olhe praquele sujeito da baratinha!
— Vê lá se eu vou deixar aquere batuta por causa de você!
— Vem embora! Anda!
— Não vou. Me deixa!
Uma facada. Um grito. Viúva alegre. Um lençol. Desaparecem as rodelas vermelhas de carmim dentro do carro branco de sinos.
A borboleta de lentejoulas, caída de um cabelo frouxo, espeta as antenas duras na poça de sangue.
O carnaval continua. Abafa e engana a revolta dos explorados. Dos miseráveis. O último quinhentos réis no último copo.
— Moço, me dá um rolo?
A rua Bresser está iluminada. Os garotos de bigode de rolha catam confeti no chão.
— Mas cara-do! Cu ras-gado!
¹Este subtítulo identifica o capítulo de que foi extraído os trechos de Parque Industrial (1933).
in PAGU Patrícia Galvão VIDA-OBRA; Campos, Augusto de – Brasiliense – São Paulo, 1982
Ilustração: Foto de Patrícia. Data e local não identificados. 1926? (Coleção de Adelaide de Andrade)
outubro 29, 2008
O objeto-paixão
.
"O gosto pela coleção", diz Maurice Rheims, "é uma espécie de jogo passional" (La Vie étrange des objects, p. 28). Com a criança é o modo mais rudimentar de domínio do mundo exterior: arranjo, classificação, manipulação. A fase ativa de colecionamento parece situar-se entre sete e doze anos, no período de latência entre a pré-puberdade e a puberdade. O gosto pela coleção tende a desaparecer com a eclosão pubertária para ressurgir algumas vezes logo depois. Mais tarde, são os homens de mais de quarenta anos que freqüentemente são tomados por esta paixão. Enfim, uma relação com a conjuntura sexual é visível por toda a parte; a coleção aparece como uma compensação poderosa por ocasião das fases críticas da evolução sexual. É sempre própria de uma sexualidade genital ativa mas não a substitui pura e simplesmente. Constitui, em relação a esta, uma regressão ao estado anal que se traduz por condutas de acumulação, ordem, retenção agressiva etc. A conduta de colecionamento não equivale a uma prática sexual, não visa a uma satisfação pulsional (como o fetichismo), contudo pode chegar a uma satisfação reacional igualmente intensa. No caso o objeto toma inteiramente o sentido do objeto amado. "A paixão pelo objeto leva a considerá-lo como algo criado por Deus: um colecionador de ovos de porcelana acha que Deus jamais criou forma tão bela nem mais singular e que a imaginou unicamente para alegria dos colecionadores…" (M. Rheims, p. 33.) "Sou louco por este objeto", declaram e todos, sem exceção, ainda que não intervenha a perversão fetichista, conservam à volta de sua coleção um ambiente de clandestinidade, de seqüestro, de segredo e de mentira que apresenta todas as características de uma relação culposa. É este jogo apaixonado que constitui o sublime desta conduta regressiva e justifica a opinião segundo a qual todo indivíduo que não coleciona alguma coisa não passa de um cretino e um pobre destroço humano."¹
O colecionador não é sublime portanto pela natureza dos objetos que coleciona (variando este com a idade, a profissão, o meio social), mas pelo seu fanatismo. Fanatismo idêntico tanto no rico amador de miniaturas persas como no colecionador de caixas de fósforos. Nesta qualidade, a distinção que se faz entre o amador e o colecionador, o último amando os objetos em função de sua ordem em uma série, e o outro por seu encanto diverso e singular, não é decisiva. O prazer, tanto em um como no outro, vem do fato de a posse jogar, de um lado com a singularidade absoluta de cada elemento, que nela representa o equivalente de um ser e no fundo do próprio indivíduo — de outro, com a possibilidade da série, e portanto da substituição indefinida e do jogo. Quintessência qualitativa, manipulação quantitativa. Se a posse é feita da confusão dos sentidos (mão, olho), de intimidade com um objeto privilegiado, é igualmente toda feita de procura, de ordem, de jogo e de agrupamento. Para se falar claro, existe aí um perfume de harém em que todo o encanto é o da série na intimidade (todavia com um termo privilegiado) e o da intimidade na série.
Dono de um serralho secreto, o homem é por excelência senhor no seio de seus objetos. Nunca a relação humana, que é o campo do único e do conflituoso, permite esta fusão da singularidade absoluta e da série indefinida: daí ser ela fonte contínua de angústia. O campo dos objetos, ao contrário, que é o dos termos sucessivos e homólogos, é tranqüilizador. A preço, bem entendido, de uma astúcia irreal, de abstração e regressão, mas que interessa. "O objeto, diz Maurice Rheims, é para o homem como uma espécie de cachorro insensível que recebe as carícias e as restitui à sua maneira, ou antes as devolve como espelho fiel, não às imagens reais, mas às desejadas" (p. 50).
¹ M. Fauron, presidente dos colecionadores de anéis de charutos (revista Liens do Clube francês do Livro, maio de 1964).
in O sistema dos objetos; Baudrillard, Jean – Perspectiva – São Paulo, 1968
Itustração: Sammekull, Mattias; The Collector – 2008 – Oil on canvas, 90x75cm
outubro 28, 2008
&
ÉGIDE — amparo, defesa, proteção.
Do grego aigis, o escudo que Minerva usava e que era coberto com couro de cabra. Com o tempo o sentido evoluiu para o de proteção: estar sob a égide das leis.
ELETRICIDADE — do grego elektron, âmbar amarelo.
O âmbar fricionado produz fenômenos elétricos e essa propriedade fôra descoberta por Tales, 700 anos, antes de Cristo.
EMBORA — contração de em boa hora.
Usava-se a princípio com qualquer verbo; hoje o seu emprêgo está restringido aos verbos ir e vir. Nos velhos tempos,seu oposto era aramá, por hora má.
EMBOSCADA — cilada, traição.
Particípio passado substantivado do verbo emboscar, esconder-se num bosque, para armar cilada.
EMÉRITO — insigne.
Do latim emeritu, de emerere, merecer, e aplicava-se, sobretudo, ao soldado veterano, quando êste se retirava da vida ativa do exército. O sentido evoluiu, em seguida para distinto, valoroso.
EMOLUMENTO — retribuição paga.
Da velha raiz mol, moer, Originàriamente, a paga do moleiro, pela moagem do trigo.
EMPÍREO — morada dos deuses mitológicos.
Do grego empyreos, inflamado, ígneo. Segundo a mitologia, era nessa esfera celeste, habitada pelo deuses, que estava reunido o elemento ígneo.
ENTUSIASMO — do grego entousiasmos.
Espécie de furor de inspiracão divina que se apossa da alma; de enthous, inspirado por um deus e asthma, sôpro.
EPICURIST A — aquêle que segue os princípios do epicurismo.
Baseados na doutrina de Epicuro, filósofo grego, cuja doutrina substitui o bem pelo prazer e o mal pela dor, e segundo a qual, a felicidade está em assegurar-se o máximo de prazeres, com o mínimo de dores.
ESCÂNDALO — do grego skandalon, passou ao latim scandalum.
Êste significado passou, depois, por metonímia, a significar as ocasiões que provocam a queda; em seguida por uma progressão da idéia, a indignação que por ela se sente, ou a repercussão de atos ou palavras de mau exemplo.
ESCOLA — do grego schole, descanso, ou ainda o que se faz na hora do descanso.
Na antiguidade, o estudo era reservado aos que não precisavam de trabalhar.
in Dicionário da Origem e da Vida das Palavras; Victória, Luiz A. P. – Livraria Império – Rio de Janeiro, 1958
Ilustração: Steinberg, Saul
outubro 27, 2008
Basil(i/o)
.
outubro 26, 2008
Infecções estafilocócicas
Original: Card, E. Leslie – Poutry Production – Filadélfia, 1961
outubro 25, 2008
Dia de Jorge
Pacaembu — bairro de S. Paulo, onde se ergue o famoso estádio do mesmo nome.
Considerações sobre o meio do caminho
outubro 24, 2008
outubro 20, 2008
Não é o Tarzan
Primeiro ato
Preocupações de uma Velhinha
.
Foto: Guinigui