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Paul Laurent Assoun
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Nosso escopo é definir a relação de Freud com a mística, segundo os diversos pontos de vista que essa relação comporta. Tal projeto requer uma espécie de modelização dos níveis onde a coisa analítica encontra o fenômeno místico. Seria, nos parece, um erro definir, de imediato, um conceito geral de "misticismo" para confrontá-lo, em seguida, com o que Freud diz a respeito. É mais importante permanecer ao nível da "démarche" propriamente freudiana, assinalando os lugares onde o fenômeno místico se manifesta em seu horizonte. Nesse sentido, é a postura de Freud perante o fenômeno místico que examinaremos.
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Como não evitaremos a complexidade das variáveis implicadas na relação freudiana com a mística, a dificuldade consiste em discemir os pontos de focalização dessa relação. Sendo o nosso objetivo a reconstituição do cenário do encontro entre Freud e as místicas, convém escalonar os planos do encontro. A noção de "mística" remete, com efeito, a diversos aspectos conotativos que criam muitos pontos de cristalização do discurso analítico, à medida que este a tome em consideração. Na falta de qualquer definição, que seria limitativa por sua generalidade, distinguiremos, de início, as dimensões desse fenômeno, considerando os tipos de problemática que envolve.
Como não evitaremos a complexidade das variáveis implicadas na relação freudiana com a mística, a dificuldade consiste em discemir os pontos de focalização dessa relação. Sendo o nosso objetivo a reconstituição do cenário do encontro entre Freud e as místicas, convém escalonar os planos do encontro. A noção de "mística" remete, com efeito, a diversos aspectos conotativos que criam muitos pontos de cristalização do discurso analítico, à medida que este a tome em consideração. Na falta de qualquer definição, que seria limitativa por sua generalidade, distinguiremos, de início, as dimensões desse fenômeno, considerando os tipos de problemática que envolve.
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Para balizar nosso campo, recorreremos ao Vocabulário da filosofia de Lalande, cujo rigor na definição léxica nos fornecerá os marcos do espaço a circunscrever, para melhor explorá-lo. No artigo Misticismo (substantivo equivalente ao alemão Mystik), são enunciadas várias definições.
Para balizar nosso campo, recorreremos ao Vocabulário da filosofia de Lalande, cujo rigor na definição léxica nos fornecerá os marcos do espaço a circunscrever, para melhor explorá-lo. No artigo Misticismo (substantivo equivalente ao alemão Mystik), são enunciadas várias definições.
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O sentido próprio é formulado da seguinte maneira: "Crença na possibilidade de uma união íntima e direta do espírito humano ao princípIo fundamental do ser, união que constitui, a um só tempo, um modo de existência e um modo de conhecimento alheios e superiores à existência e ao conhecimento normais."1
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Observa-se que a mística é, de imediato, referida à esfera da crença, e que o misticismo constitui, antes de tudo, uma certa tese, que se pode qualificar de "unionista", a qual finalmente remete à teoria do conhecimento. Configura-se uma posição mística havendo adesão subjetiva (crença) à possibilidade de uma união do espírito ou do sujeito com o princípio fundamental do ser. Essa definição tem o mérito de não definir a mística pela religião, ou como modalidade de experiência religiosa: é antes pelo viés do problema primordial da crença que o problema da mística reencontra o da religião. Pela mesma razão, o termo Deus é omitido nessa definição primeira, que menciona o princípio fundamental do ser como termo objetal da união mística.
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Em compensação, a definição mistura o que é de nosso interesse distinguir mais rigorosamente: o plano do conhecimento e da vivência, que figura na fórmula precedente sob a forma implícita de "experiência" ou modo de existência e, em razão do contexto da época, do ponto de vista da patologia (tornando-se "mística" o contrário de "norma!", termo fortemente normativo). Por outro lado, a definIção B de Lalande reagrupa num tipo de experiência sui generis o que se pode designar como mística: "Conjunto das disposições afetivas, intelectuais e morais que se vinculam a essa crença" (definida acima). Nesse segundo aspecto, a "mística" remete a um tipo de processo finalizado e estruturado por um "conjunto de práticas", que conduzem a um "estado" determinado,2 codificado depois por "'doutrinas exprimindo os conhecimentos que são considerados como o seu fruto".
Em compensação, a definição mistura o que é de nosso interesse distinguir mais rigorosamente: o plano do conhecimento e da vivência, que figura na fórmula precedente sob a forma implícita de "experiência" ou modo de existência e, em razão do contexto da época, do ponto de vista da patologia (tornando-se "mística" o contrário de "norma!", termo fortemente normativo). Por outro lado, a definIção B de Lalande reagrupa num tipo de experiência sui generis o que se pode designar como mística: "Conjunto das disposições afetivas, intelectuais e morais que se vinculam a essa crença" (definida acima). Nesse segundo aspecto, a "mística" remete a um tipo de processo finalizado e estruturado por um "conjunto de práticas", que conduzem a um "estado" determinado,2 codificado depois por "'doutrinas exprimindo os conhecimentos que são considerados como o seu fruto".
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Fala-se de "mística", nesse segundo sentido, quando se acham reunidos os fenômenos apresentados como as finalidades da "experiência" vivida e construída: "A aspiração ao absoluto, o esforço de purificação e a ascese, o êxtase, o regresso à vida anterior e a orientação nova do juízo e da conduta, a realização... da vida perfeita".3 É por esse viés axiológico que a mística encontra a ambição própria à experiência religiosa, mas por caminhos profundamente originais.
Fala-se de "mística", nesse segundo sentido, quando se acham reunidos os fenômenos apresentados como as finalidades da "experiência" vivida e construída: "A aspiração ao absoluto, o esforço de purificação e a ascese, o êxtase, o regresso à vida anterior e a orientação nova do juízo e da conduta, a realização... da vida perfeita".3 É por esse viés axiológico que a mística encontra a ambição própria à experiência religiosa, mas por caminhos profundamente originais.
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Considerada como forma especial de religião, a mística remete a um culto mistagógico, "conjunto de práticas, ritos e doutrinas... de natureza secreta, e reservadas a iniciados".4 O que supõe um mecanismo de transmissão especial, de tipo iniciático.
Considerada como forma especial de religião, a mística remete a um culto mistagógico, "conjunto de práticas, ritos e doutrinas... de natureza secreta, e reservadas a iniciados".4 O que supõe um mecanismo de transmissão especial, de tipo iniciático.
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Esse apanhado da questão nos basta5 para instruir nossa confrontação, munidos de um instrumento de investigação metódico, cuja funcionalidade nos colocará a salvo de qualquer redução quanto à interpretação das injunções do encontro. A mística implica:
Esse apanhado da questão nos basta5 para instruir nossa confrontação, munidos de um instrumento de investigação metódico, cuja funcionalidade nos colocará a salvo de qualquer redução quanto à interpretação das injunções do encontro. A mística implica:
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1 — Uma certa concepção do conhecimento, isto é, das relações entre subjetividade e objetividade — de tipo "unionista", cujas modalidades cabe ainda precisar: em certa medida, aí mesmo reside o aspecto determinante do problema da mística, no sentido que a posição mística baseia-se, em última instância, num certo modo de relacionalidade sujeito-objeto, o qual remete à Teoria do Conhecimento (Erkenntnistheorie). Por falta de um neologismo mais elegante para traduzir o adjetivo germânico correspondente, falaremos em dimensão gnoseológica para designar este aspecto primordial do problema místico.
1 — Uma certa concepção do conhecimento, isto é, das relações entre subjetividade e objetividade — de tipo "unionista", cujas modalidades cabe ainda precisar: em certa medida, aí mesmo reside o aspecto determinante do problema da mística, no sentido que a posição mística baseia-se, em última instância, num certo modo de relacionalidade sujeito-objeto, o qual remete à Teoria do Conhecimento (Erkenntnistheorie). Por falta de um neologismo mais elegante para traduzir o adjetivo germânico correspondente, falaremos em dimensão gnoseológica para designar este aspecto primordial do problema místico.
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2 — Um certo tipo de experiência (Erkfahren) ou de vivência (Erleben), caracterizado pela apreensão, no plano da afeição do próprio sujeito vivo, do que justamente se supõe resolvido no plano po conhecimento — ou seja, as "núpcias espirituais"6 do sujeito e do objeto.
2 — Um certo tipo de experiência (Erkfahren) ou de vivência (Erleben), caracterizado pela apreensão, no plano da afeição do próprio sujeito vivo, do que justamente se supõe resolvido no plano po conhecimento — ou seja, as "núpcias espirituais"6 do sujeito e do objeto.
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Experiência ao mesmo tempo múltipla — afetiva, intelectual e moral, usando-se as categorias de Lalande — mas unitária, à medida que é pura e simplesmente de gozo, pois a união de sujeito e objeto é vivida como prazer simultaneamente espiritualizado e concreto. Por isso, o misticismo se presta tanto à descrição de "estados" como à sofisticada elaboração de "doutrinas"; vale-se de uma imediaticidade sem, contudo, renunciar a "escolasticar" para elevar tais estados à dignidade de "conhecimentos".
Experiência ao mesmo tempo múltipla — afetiva, intelectual e moral, usando-se as categorias de Lalande — mas unitária, à medida que é pura e simplesmente de gozo, pois a união de sujeito e objeto é vivida como prazer simultaneamente espiritualizado e concreto. Por isso, o misticismo se presta tanto à descrição de "estados" como à sofisticada elaboração de "doutrinas"; vale-se de uma imediaticidade sem, contudo, renunciar a "escolasticar" para elevar tais estados à dignidade de "conhecimentos".
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1 Vocabulaire technique et critique de Ia philosophie, ed. Felix Alcan, (1926), tomo I, p.496.
2 Op. cit., p. 497.
3 O Vocabulaire retoma aí a caracterização de Emile Boutroux (Le mysticisme, Bulletin de l'Institut psychologique, 1902), que participou do grande movimento de reflexão sobre o misticismo no início do século (ver adiante no presente artigo).
4 Ver Vocabulaire, artigo Mystère, sentido A, ibid., p. 496.
5 Convém observar, porém, que o artigo Misticismo do Vocabulaire postula também a definição como sistema filosófico (no âmbito da história da filosofia eclética e a acepção pejorativa, da qual nos valeremos mais adiante.
6 Expressão reveladora do místico Ruysbroek.
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* "Freud et la mystique", publicado originalmente em Nouvelle Revue de Psychanalise – Resurgences et derivés de Ia mystique, n. 22, automne 1980 {Paris, Ed. Gallimard}.
Tradução: Jayme Benchimol. Revisão técnica: Joel Birman.
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in Religião e Sociedade; 11/2; Outubro, 1984 – Editora Campus – Rio de Janeiro
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