outubro 30, 2008

Primeira edição



Ópio de cor¹

— Não tem mais papel de seda em nenhuma venda. Já fui no seu Domingos e no seu Fernando. Só se a gente for na Avenida.

Todas as operárias se pintam. Estragam a cara esfregando papel vermelho e cuspe.

— Vamos para Avenida! Anda gente!

— Vou botar pó-de-arroz na cabeça…

— Quer fazer uma vaca pra comprar uma lança-perfume?

— Eu não. O meu bigodinho me dá.

Cadeiras na rua. Caixotes. Italianas gordas. Comadres escancaradas nas sarjetas. Os colos de aventais azuis de pintas e babados com amendoins. Meninos grandes chupam as mamas de quilos.

O confeti vai da cabeça pro chão. Do chão pra cabeça.

— Olha o bando! Olha o bando! Chiquita!

As meninas atiram-se como gatas pegando os rolos das serpentinas. Os sexos estão ardendo. Os grilos estrilam nos sinais. Os burgueses passam nos carros concordando que o Brás é bom no Carnaval.

No Colombo, as damas brancas, pretas ou mulatas como as meninas fugidas de casa, não pagam entrada.

— Alerta, rapaziada maxixeira!

Um urso vende serpentinas nos estribos dos carros em movimento. Mocinhas urram histericamente com medo do bicho.

Todas as meninas bonitas estão sendo bolinadas. Os irmãozinhos seguram as velas a troco de balas. A burguesia procura no Brás carne fresca e nova.

— Que pedaço de italianinha!

— Só figura! Vá falar com ela. Uma analfabeta.

— Pruma noite, ninguém precisa saber ler.

— Passei um bilhete praquela tipa.

No fordinho novo, Eleonora ao lado de Alfredo, se empertiga numa fantasia cara de boneca Lenci e sacode todas as pulseiras do braço, querendo voltar para o Esplanada.

— Aqui só tem barbeirinhos!

As filas de automóveis se misturam, engrossam, lavando a promessa das meninas pobres, cheias de venta rolas e rolos catados. Pierrôs vermelhos. Arlequins. Dominós. Fantasias irreconhecíveis.

— Ah! Se eu pudesse fazer o corso!

Chinesinhas barulhentas tomam guaraná na garrafa, afogando e tossindo.


As orquestras sádicas incitam:– Dá né-la! Dá né-la!

Aquele pierrô feminino está cheirando éter. Aprendeu. Uma baiana imensa ronca num degrau.


— Não olhe praquele sujeito da baratinha!

— Vê lá se eu vou deixar aquere batuta por causa de você!

— Vem embora! Anda!

— Não vou. Me deixa!

Uma facada. Um grito. Viúva alegre. Um lençol. Desaparecem as rodelas vermelhas de carmim dentro do carro branco de sinos.

A borboleta de lentejoulas, caída de um cabelo frouxo, espeta as antenas duras na poça de sangue.

O carnaval continua. Abafa e engana a revolta dos explorados. Dos miseráveis. O último quinhentos réis no último copo.


— Moço, me dá um rolo?


A rua Bresser está iluminada. Os garotos de bigode de rolha catam confeti no chão.

— Mas cara-do! Cu ras-gado!

¹Este subtítulo identifica o capítulo de que foi extraído os trechos de Parque Industrial (1933).


in PAGU Patrícia Galvão VIDA-OBRA; Campos, Augusto de – Brasiliense – São Paulo, 1982
Ilustração: Foto de Patrícia. Data e local não identificados. 1926? (Coleção de Adelaide de Andrade)

Um comentário:

Adriana Gragnani disse...

O livro Parque Industrial foi escrito por Pagu. Todavia, por questões de ordem política, ela usou o pseudônimo de Mara Lobo.
Augusto de Campos cita um artigo de Patrícia Galvão, veiculado no Homem do Povo, de título muito sugestivo: "Liga de Trompas Católicas", numa crítica 'a Liga das Senhoras Católicas.