maio 30, 2019

De noite, na cama



E agora? Qual é o sentido de toda essa escuridão ao meu redor? Será que fui enterrada assim que pisquei o olho? Imagine se eles fariam uma coisa destas! Claro que não. Sei o que é. Estou acordada. É isto. Acordei de madrugada. Não é ótimo? Era tudo o que eu queria. Quatro e vinte da manhã e aqui está esta garota, com dois olhos acesos como um par de girassóis. Formidável. Justamente na hora em que todas as pessoas decentes vão dormir, tenho eu que acordar. Nunca vi maior sacanagem em toda a minha vida. É o que torna as pessoas furiosas e com vontade de matar, sabiam?
E sabem o que me levou a isto? Ter ido para a cama às dez da noite. Ir para a cama às dez da noite! É um desastre. D-e-z-espaço-d-a-espaço-n-o-i-t-e: desastre. Cedo na cama e você se dana. Vá dormir com as galinhas e você se aporrinha. Deitada antes do nascer do sol, só lhe restará um lençol. Dez da noite, depois de ler por algumas horas! Ler, ah, ah. Ora, eu acenderia a luz neste exato momento e voltaria a ler meu livro, se não tivesse sido ele o causador desta insônia. Puxa, o estrago que a leitura provoca neste mundo. Todo mundo sabe disto - todo mundo que é alguém. Todas as boas cabeças pararam de ler há anos. Vejam o equívoco de La Rochefoucauld sobre isto: ele disse que se ninguém tivesse aprendido a ler, poucas pessoas teriam se apaixonado. Pelo menos, era o que ele pensava. Está bem, La Rochefoucauld. Como eu gostaria de nunca ter aprendido a ler. Gostaria de nunca ter aprendido a tirar a roupa. Pelo menos não estaria nesta entalada às quatro e meia da manhã. Se ninguém jamais tivesse aprendido a tirar a roupa, pouquíssimas pessoas teriam se apaixonado. Não, a frase dele é melhor. Ah. tudo bem, o mundo é mesmo dos homens. 









Parker,Dorothy, 1893-1967.
Big loira e outras histórias / Dorothy Parker;
tradução de Ruy Castro – São Paulo Companhia das Letras, 1987

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