Pesquisadores
identificam planta que neutraliza os efeitos do veneno da surucucu
Elena
Mandarim
Divulgação/UFF
Planta
utilizada no estudo, o Barbatimão está presente em áreas de
cerrado, do Pará ao Paraná.
Pesquisa
realizada na Universidade Federal Fluminense (UFF) identificou um
extrato vegetal capaz de neutralizar completamente o veneno da cobra
surucucu, a mais letal encontrada em território brasileiro. A
notícia da descoberta, que ganhou amplo destaque na mídia na
segunda quinzena de julho, é resultado do projeto coordenado por
André Lopes Fuly, Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ. O
estudo, que incluiu o trabalho de mestrado de Rafael Cisne de Paula,
teve como objetivo investigar a ação de 12 plantas nativas sobre
diferentes alterações biológicas provocadas pelo envenenamento
decorrente do ataque da surucucu. “Os exemplares apresentaram
diferentes graus de eficácia, sendo que o extrato de Barbatimão se
mostrou 100% eficiente para reverter os efeitos do veneno da
surucucu”, diz Fuly.
A
planta Stryphnodendron barbatiman é conhecida por barbatimão,
barbatiman, casca da virgindade, entre outros. É encontrada em
regiões de cerrado, desde o Pará até o Paraná. À árvore, que
pode alcançar três metros de altura, já era atribuída, de acordo
com a sabedoria popular, benefícios cicatrizantes, anti-hemorrágicos
e anticoagulantes, além de ser usada no tratamento da diarreia. Por
essas propriedades farmacológicas, ganhou registro na Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como agente fitoterápico
e como cicatrizante. Condição que, para o pesquisador, poderá
facilitar seu uso como terapia antiofídica.
Segundo
Fuly, a serpente Lachesis muta, popularmente conhecida como surucucu,
foi escolhida justamente por ser a cobra mais venenosa das Américas.
Sua letalidade elevada pode ser atribuída à quantidade de peçonha
inoculada e à variação de componentes tóxicos presentes na
secreção. No Brasil, ela é encontrada em áreas de floresta, como
a região amazônica e a Mata Atlântica. Seu comprimento pode chegar
a quatro metros e seus hábitos são, preferencialmente, noturnos.
Fuly,
que é professor do Departamento de Biologia Celular e Molecular, do
Instituto de Biologia, da UFF, estuda as propriedades do veneno de
animais peçonhentos, em busca de novos agentes, de origem natural e
sintética, para sua inibição. A parte prática da pesquisa –
análise dos efeitos dos extratos de plantas em reverter as
alterações biológicas provocadas pelo veneno da surucucu – foi
realizada no Laboratório de Venenos e Toxinas de Animais e Avaliação
de Inibidores (Lavenotoxi).
O
pesquisador explica que, in vivo, utilizando-se camundongos, foi
observada atividade hemorrágica após a inoculação do veneno. Já
in vitro, foram estudadas mais três reações: hemolítica –
destruição de hemácias; proteolítica – alteração da função
de proteínas, que pode levar a quadros hemorrágicos, necrose,
edema, inchaço, falência renal; e coagulante – coagulação de
sangue, que pode levar à obstrução de veias e artérias, causando
distúrbios hemostáticos e hemorrágicos. “Das plantas avaliadas,
o extrato de barbatimão foi capaz de inibir 100% todas as atividades
testadas, seja in vivo ou in vitro”, conta o pesquisador.
De
acordo com Fuly, o tratamento poderá ser feito por meio de
emplastros, um tipo de curativo que adere à pele e mantém o
medicamento em contato com a ferida, ou na forma de chá. Neste caso,
testes comprovaram que mesmo após ser submetido a 30 minutos de
aquecimento a 80oC, o extrato de barbatimão manteve seu efeito
neutralizante contra o veneno da surucucu. “Outro aspecto muito
positivo é o fato de não precisar ser armazenado sob refrigeração,
já que regiões ribeirinhas ou distantes dos grandes centros, onde
os casos de envenenamento por picada de cobra costumam acontecer,
muitas vezes carecem de energia elétrica”, diz.
Motivações
do estudo
Fuly
diz que a motivação para realizar o estudo foi ter percebido que os
altos índices de acidentes ofídicos oneram muito os cofres
públicos. “Além do elevado custo de produção de soroterapia,
sua eficácia contra o veneno da surucucu é menos evidente. E,
muitas vezes, algumas das vítimas ficam com sequelas, tornando-se
incapacitadas para o sistema produtivo. Trata-se, portanto, de um
grave problema de saúde pública", diz. Para o pesquisador, a
gravidade da situação está na origem da necessidade de se buscar
alternativas viáveis à administração intravenosa do soro
antiofídico, que é o tratamento atualmente preconizado pelo
Ministério da Saúde.
Divulgação/IVB
Serpente
Lachesi muta, a Surucucu: no topo da lista dos ataques mais letais de
cobras
O
soro antiofídico é feito em três grandes centros do país: no
Instituto Vital Brazil, em Niterói (RJ); no Instituto Butantã, em
São Paulo; e na Fundação Ezequiel Dias, em Belo Horizonte. É
produzido segundo o método descrito por Vital Brazil, em 1900, que
consiste em inocular o veneno no sangue de cavalos para obter a
produção de anticorpos. De produção cara, ele precisa ser
armazenado em baixas temperaturas, o que dificulta sua distribuição
e conservação, já que a maioria dos casos ocorre nos meses quentes
e chuvosos, e na zona rural – onde há inúmeros locais sem energia
elétrica.
Fuly
explica que outra desvantagem é que o tratamento com soro reverte
somente os efeitos sistêmicos, que resultam em alterações
cardiorrespiratórias, distúrbios de coagulação, hemorragia,
hipotensão e óbito. E por ser ineficaz contra as lesões locais,
como edemas, necrose de tecidos, hemorragia local, reações
inflamatórias, podem deixar sequelas, como amputação e atrofia de
membros. O pesquisador ressalta que alguns pacientes podem apresentar
reações alérgicas ao soro e, em alguns casos, evoluir a choque
anafilático e, consequentemente, ao óbito.
Diversidade
cultural e biológica
A
proposta do estudo surgiu da observação de práticas da medicina
popular, na qual nativos, caboclos e índios relatam o uso de plantas
como primeira opção de tratamento para diversas enfermidades,
inclusive para acidentes ofídicos. “Foi a partir dessa observação
que resolvemos avaliar as propriedades antiofídicas de 12 plantas
brasileiras”, conta o pesquisador.
Fuly
defende que as propriedades farmacológicas e biológicas de espécies
da biodiversidade brasileira, já extensamente utilizadas por nativos
e índios, devem ser validadas cientificamente para ampliar as
possibilidades de tratamento e de terapia. “Temos cerca de 20% da
flora mundial, mas somente 71 plantas têm registro na Anvisa como
fitoterápicos, o que é um número inexpressivo”, diz. “Fica
fácil deduzir, portanto, que várias propriedades terapêuticas
estão sendo desperdiçadas, ou, pior, estão sendo pirateadas por
outros países”.
De
2001 a 2009, segundo dados do Sistema de Informação de Agravos e
Notificações do Ministério da Saúde (Sinan/MS), foram registrados
202.016 ataques de cobras no Brasil, dos quais 638 foram fatais e
2.992 deixaram sequelas. “Com uma média de 22.446 acidentes
ofídicos por ano, o nosso estudo se mostra relevante”, diz Fuly.
“E nossos resultados ainda servem para reafirmar a importância de
se explorar nossa biodiversidade”, conclui.
O
trabalho, além de contar com o suporte financeiro da FAPERJ, tem
apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação
e Inovação da UFF, e da International Foundation for Science (IFS),
da Suécia.ceum
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