abril 23, 2007
Laszlo
Madrugada, 10 de junho de 1866
...Já há um brilho no céu com a chegada do alvorecer. A silhueta da cidade, a princípio não mais que uma sombra contra a escuridão maior, agora está clara, e a qualquer momento vai adquirir dimensão e substância. Pela janela, ouvi sons de pessoas bocejando e começando a cuidar de suas vidas. Uma cozinheira bate panelas enquanto as lava. Embaixo um cão late para alguém passando a pé. Nada faz-me sentir o quanto a vida é curta como a madrugada de um novo dia. É justamente
seu caráter comum e repetitivo que a toma tão preciosa.
...O tempo está passando. Cada som tem um valor inestimável. Sinto e vejo isso com uma acuidade que meus sentidos nunca tiveram. Anseio por sensações. Luto para possuir cada momento. Quero retardar o processo em meu corpo, deter o maldito parasita que nada em meu sangue. Agora eu existo para ele. Sou sua casa. Lentamente, ele tomará o controle de mim. Em dez anos, quinze no máximo, estarei morto ou louco. E, enquanto isso, posso esperar qualquer uma das centenas de manifestações desta doença, todas humilhantes, debilitantes. Graças a Deus não se exige que eu tenha herdeiros. Já vi filhos da sífilis: dementes, de nariz amassado, como símbolos do pecado dos pais.
...Examinei-me assim que deixei Roland. Examinei meu corpo à procura do cancro, mas não encontrei nada. Fiquei dolorido de apalpar à procura de nódulos linfáticos na virilha. O do lado esquerdo está um pouco maior, mas tão pouco que não posso dizer que seja anormal. É cedo demais para o parasita já ter dado sinais de sua presença. Ele precisa de tempo. Vou esperar, mas não posso permitir-me a indulgência da esperança. Não há cura para a sífilis, e não vou iludir-me por causa disso, nem submeter-me aos charlatães ou aos curandeiros, até ficar sem dinheiro nem dignidade.
...Vou me matar quando chegar a hora. Mas não agora. Até o momento chegar — eu o perceberei? — sou um novo homem. Enquanto conservo minhas faculdades, vou viver cada momento, levar as sensações ao máximo de intensidade, seguir cada impulso da minha natureza ao longo de seu tortuoso trajeto. Tenho medo de agarrar-me exageradamente à vida e deixá-la tarde demais.
...Saberei quando?
...Sim!
...Como?
in A vida secreta de Lazlo, Conde Drácula; Anscombe, Roderick – Best Seller – São Paulo, 1994
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