abril 30, 2007

Segredo


— Sabe, disse ele ao visconde, que o colega fez a maior coisa que ainda foi feita nos domínios da ciência? Sabe que resolveu problemas tremendos, e que daqui por diante a ciência vai basear-se nestas suas maravilhosas experiências?
O visconde alisou as palhinhas de milho do pescoço e agradeceu modestamente o elogio.
— Quero ver o seu laboratório, disse o doutor. Deve ser a maravilha das maravilhas.
Mas quando foi à Cova do Anjo e viu que o maravilhoso laboratório não passava dum buraco na figueira, com um microscópio feito dum velho binóculo sem vidro, uma lamina Gillette, umas agulhas e uns algodõezinhos, ficou sem saber a que pensar, nem o que dizer. Aquilo era positivamente o assombro dos assombros, o espanto dos espantos.
— Não entendo, disse, ele. Parece-me de todo impossível que com estes rudimentaríssimos recursos o visconde conseguisse os prodigiosos resultados que conseguiu. Não entendo. E creio que se eu ficar por aqui mais uns dias, acabarei louco. Cada vez mais me espanto com as coisas que vejo...
— Não se afobe, doutor, disse Emilia. O nosso segredo é o Faz-de-Conta. Não há o que não se consiga quando o processo aplicado é o Faz-de-Conta. O nosso grande segredo é esse.
O barbudo sábio ficou na mesma, com perfeita cara de asno, e mais uma vez murmurou:
— Não entendo...
— Pois faça de conta que entende, doutor, e vamos tomar o café. Agora é com pipoca... concluiu Emilia, puxando-o pela aba do paletó.

in O espanto das gentes; Lobato, Monteiro – Companhia Editora Nacional – São Paulo, sd – Ilustração de J. U. Campos

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