maio 03, 2007
Mosaico
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Dispersão dos judeus brasileiros
Solidonio Leite Filho
...Embora as leis de Hespanha vedassem aos suspeitos, em materia de fé, a entrada nas possessões ultramarinas, conseguiram sempre os descendentes do povo de Israel burlar a severa prohibição. Os proprios christãos, movidos pelo interesse, não raro lhes facilitavam os meios de se transportarem ás novas conquistas. Assim, já no primeiro quartel do seculo XVI, se encontravam refugiados na America Hespanhola alguns sectários da religião mosaica.
...Debalde os reis de Castella procuraram obstar a fuga dos que receiavam ser victimados pela Inquisição. As providencias, tomadas pela côrte, não produziram os desejados effeitos. Apezar da rigorosa vigilancia exercida, nos portos da metropole, sobre as embarcações destinadas ao Novo Mundo, crescia ahi, pouco a pouco, o numero de moradores israelitas. Contribuiu para isso o commercio que as nascentes colônias principiavam, então, a ter com os mercadores de outras nações. As naus que, frequentemente, aportavam ás costas do Mexico, das Antilhas e dos dominios da America do Sul, introduziam nos seus territórios elementos das mais variadas crenças.
...A hospitalidade encontrada por esses herejes entre os habitantes, assim naturaes como castelhanos, attrahiu diversos judeus de Portugal, perseguidos pelo fanatismo religioso das multidões, a virem buscar abrigo nestas paragens. Cahiram alguns nas mãos do inquisidôr frei João de Zumárraga. Em 1537, figuram, entre os processados, dois portuguezes, um dos quaes, Manoel Borallo, fôra preso por suspeitas de judaismo. No anno seguinte, são denunciados, como herejes judaisantes, Pedro Ruiz ou Fernandes de Alvor, natural das ilhas dos Açores, e Francisco Millan, filho de judeus portuguezes de Utrera (1).
...Mas, a actividade do primeiro bispo do Mexico, além de circumscrever-se a determinadas provincias da Nova Hespanha, devia ter pouca duração. Effectivamente, passados cinco annos de sua nomeiação para o cargo de inquisidor, apparece uma unica denuncia, não contra individuo de raça hebréa, mas contra accusado de bigamia. Dahi por deante declina, sensivelmente, o prestigio do Santo Officio. Os successores de Zumárraga não punem os verdadeiros herejes. Limitam-se a processar os adversarios, para satisfação de suas paixões e de seus odios particulares; deixando impunes os attentados contra a doutrina catholica.
...Com o correr dos tempos, tornou-se cada vez mais preponderante a influencia dos subditos infieis. Relaxaram-se os bons costumes dos antigos conquistadores. Ecclesiasticos e seculares viviam desenfreadamente. Como não recebessem por subsidio senão as penas pecuniarias applicadas aos réos, cujas denuncias fossem julgadas procedentes, os delegados especiaes do Santo Officio desinteressavam-se de processar os herejes desprovidos de fortuna. Tratavam de extorquir dinheiro dos ricos e opulentos, que, a troco de recompensas, conseguiam livrar-se dos seus algozes. Natural era, pois, continuassem os profugos da intolerancia religiosa da Peninsula Iberica a estabelecer-se na America Hespanhola.
...A circumstancia de ser uma grande parte delles, talvez a maior, de origem lusitana faz presumir tivesse o Brasil servido de escala aos que desejavam passar aos dominios pertencentes aos reis de Castella. É até provavel que, impellidos pela mesma attracção que as minas do México e do Perú exerceram sobre as populações européas, alguns colonos abandonassem as terras sujeitas ao sceptro de D. João III, para irem viver nas demais regiões do novo continente.
...Em 1580 Portugal e suas colonias passam para o dominio de Hespanha; os portugueses convertem-se em subditos da corôa castelhana. As relações entre os habitantes do Brasil e as demais colonias americanas tornam-se mais frequentes. Rasgam-se as fronteiras; encurtam-se as distancias, renovam-se as communicações terrestres entre o Paraguay e S. Vicente. Navios carregados de prata dirigem-se aos portos da America Portuguesa. Ao mesmo tempo em que aventureiros hespanhoes se fixam em diversas capitanias brasileiras, confundindo-se com os colonos lusitanos, bandeirantes paulistas, que desde meiados do seculo, já haviam caminhado até Assumpção, visitam as regiões do Rio da Prata. Entre passageiros e expedicionarios, misturam-se representantes do judaismo, que se derramam pelo Perú, Nova Granada, Provincias do Prata e demais territorios da America do Sul.
...A noticia da proxima vinda de Heitor Furtado de Mendonça, incumbido de visitar as terras de Santa Cruz, atemorisou os adeptos da lei velha. Em Pernambuco, muitos christãos novos prepararam-se para a fuga, negando-se a passar letras. (2) Conseguiram evitar o exôdo a impossibilidade de se apurarem, de um momento para outro, todos os haveres, a escaceza dos meios de transporte e a confiança na benevolencia das autoridades civis e ecclesiasticas da colonia. Dahi o ter a maioria dos christãos novos aguardado os acontecimentos. Nem todos, porém, preferiram os riscos das perseguições, que os poderiam lançar nas chammas da Inquisição, aos incommodos de novas peregrinações. Alguns houve, que por temerem as denuncias dos correligionarios ou as vinganças dos inimigos, abandonaram suas casas e partiram para as possessões da Africa; (3) outros embrenharam-se pelas conquistas da America do Sul, onde se encontravam diversos crentes do Deus de Abraham.
(1) Medina, La primitiva Inquisición Americana, pags. 188 e 189.
(2) Denunclações de Bahla, p. 452.
(3) Denunciações de Pernambuco, p. 365.
Os Judeus na História do Brasil; Vários Autores – Uri Zwerling – Rio de Janeiro, 1936
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