Pedro Paulo Rezende da equipe do Correio Brasiliense
Aos 75 anos, Antônio Abujamra é o mais novo diretor do teatro brasiliense. Há 20 dias, a convite de Guilherme Reis, dirige, ao lado de Hugo Rodas, 23 atores em uma adaptação de Os demônios, romance de Fiódor Dostoiévski, que tem estréia prevista para 10 de maio no CCBB-Brasília. Ao mesmo tempo, com elenco paulistano, trabalha em outra adaptação: Tchekov e a Humanidade, embasado em “Os inimigos”, conto de Anton Tchekov. No início da entrevista feita por telefone, já se preparando para enfrentar a rotina paulistana, advertiu: “Estou velho como o mundo, tenho 25 séculos de vida”, e pediu para retirar os inúmeros palavrões de suas respostas (“vê se copidesca essa m*”). Na breve conversa de 15 minutos, ele falou sobre o teatro feito fora do eixo Rio-São Paulo, da mediocrização do país e de sua relação com a televisão.
Como você veio parar em Brasília?
A história é a seguinte. Estava eu no festival de teatro daí (Cena Contemporânea, na edição de 2005), fazendo A voz do provocador, que foi um enorme sucesso. Aí, depois do espetáculo, o Guilherme (Reis) me perguntou: “Por que você não vem fazer uma peça aqui?” Respondi: “Só venho para cá se for para fazer Os demônios.” Aí, um ano e meio depois, em São Paulo, recebi um telefonema do Guila: “Você se lembra daquela conversa? Entrei com um projeto no Banco do Brasil e eles vão apoiar a montagem de Os demônios”. Perguntei se ele ia roubar minha idéia e ele respondeu que não. Que estava me convidando para dirigir o trabalho ao lado do Hugo Rodas. E assim estamos nos divertindo muito.
Que tal é trabalhar com Hugo Rodas?
Ele é uma avalanche, um furacão, um dos melhores diretores do Brasil.
Qual o sentido de se montar Os demônios?
Todos temos um pouco de Dostoiévski na nossa cabeça. Todos nós queremos saber exatamente o que deve ser feito na sociedade e relatar tudo o que a gente descobre. Cada um pertence a todos, todos pertencem a cada um e ninguém pertence a ninguém. Em Dostoiévski todos são escravos e aí a gente pode apelar até para o calote ou para o homicídio.
Existe alguma vantagem de se ter 75 anos?
Desde meus 18 anos quero montar essa peça. Estou conseguindo agora, aos 75. A grande vantagem da velhice é conseguir levar adiante os projetos da juventude.
Conversei com alguns atores do elenco de Os demônios. Eles me pediram para lhe perguntar o que é a nebulosa?
Não é um fenômeno brasiliense. A gente vê espetáculos excepcionais fora do eixo Rio-São Paulo. Mas uma bela peça de Brasília, de Curitiba, de Porte Alegre, parece que não caminha quando chega aos dois principais centros produtores do país. É como se uma nebulosa percorresse entre as poltronas do teatro, interferindo no processo de comunicação entre atores, personagens e público. Impede que a platéia receba a postura crítica de uma visão brechtiana do mundo. Chega! Acho que Hugo Rodas conseguirá romper essa nebulosa. Aliás, se não virar reitor da Universidade de Brasília e se mudar para o eixo Rio-São Paulo, conseguirá montar espetáculos monumentais.
Você é detalhista?
Nós somos dissecadores, onanistas. Quando queremos ver as coisas, queremos ver por inteiro. Dissecar ao máximo as coisas. Pode ser até que seja um pouco insuportável em relação a essa garotada. Com 57 anos de profissão e 120 peças dirigidas, se me perguntarem qual a boa, diria que alguns segundos de alguma peça. Mas o que mais quero é ser ator. Ser ator é maravilhoso. É a possibilidade da irresponsabilidade. É penetrar uma zona negra do palco, onde o diretor não entra. Ser diretor é chato. Tem que ter rigor, tem que ter certezas, tem que ter liderança. Aliás, minha definição hoje sobre o trabalho de diretor é que é a arte de ser desnecessário.
Qual a principal diferença entre os atores de Brasília e os de São Paulo?
Sei lá! Qual a diferença entre o ator carioca e o autor paulista? São atores brasileiros, ou seja, a mediocridade está sobre nós. Nós todos somos medíocres, temos de ter certeza disso. Nós temos atrevimento de existir, mesmo que a gente não saiba. Há quanto tempo eu não vejo uma criação de personagem. Um Sérgio Cardoso preparando um Hamlet ou O mentiroso, do Goldoni. Uma Glauce Rocha preparando Electra, de Sófocles. Uma Cacilda Becker fazendo Pega fogo.
Qual a causa desse fenômeno?
A TV Globo esmagou a possibilidade da grande criação. Você consegue ver momentos de beleza de interpretação na TV, às vezes por atores de teatro. Outras, atores de televisão conseguem interpretar muito melhor. Não sei falar dessas coisas...
A mediocrização do teatro não é um reflexo da mediocrização do país?
Quando eu falo de mediocrização, falo do meu país. Nunca vi um projeto permanente de educação, que deveriam durar 30 anos, mas que sempre estão sofrendo interferência. Ninguém deveria se meter. Tira isso, põe aquilo. Pelo menos deveriam ensinar a escrever. O problema é que no Japão, quem não sabe ler vai preso. Aqui, é eleito! Em Os demônios tem uma fala que reflete a mediocridade do governo. Um personagem diz: "Precisamos trazer a estupidez para nossa organização. Vamos convidar a mulher do governador". Desde que eu me conheço, as pessoas dizem que a educação está melhorando, mas só vejo piorar. É uma tristeza. Como querem que o teatro vá bem se não há cultura nem educação?
Você chegou ao grande público graças a uma novela...
Isso é uma prova da estupidez desse país. Antes de aceitar o convite de Cassiano Gabus Mendes para atuar em Que rei sou eu (1989), tinha trabalhado como ator em O contrabaixo, uma peça de Patrick Süskind, autor de O perfume. Ganhei o prêmio de melhor ator de teatro, depois o de melhor ator de televisão. Aí, veio um filme, A Festa, e recebi o de melhor ator de cinema. Em minha opinião, a TV é terreno virgem. Precisa ser reinventada. Conhece um programa chamado Provocações, na TV Cultura? Já entrevistei 480 pessoas. Eu arranco a alma deles. Falam coisas que nunca disseram, mas dá apenas 1% de Ibope.
Aos 75 anos, Antônio Abujamra é o mais novo diretor do teatro brasiliense. Há 20 dias, a convite de Guilherme Reis, dirige, ao lado de Hugo Rodas, 23 atores em uma adaptação de Os demônios, romance de Fiódor Dostoiévski, que tem estréia prevista para 10 de maio no CCBB-Brasília. Ao mesmo tempo, com elenco paulistano, trabalha em outra adaptação: Tchekov e a Humanidade, embasado em “Os inimigos”, conto de Anton Tchekov. No início da entrevista feita por telefone, já se preparando para enfrentar a rotina paulistana, advertiu: “Estou velho como o mundo, tenho 25 séculos de vida”, e pediu para retirar os inúmeros palavrões de suas respostas (“vê se copidesca essa m*”). Na breve conversa de 15 minutos, ele falou sobre o teatro feito fora do eixo Rio-São Paulo, da mediocrização do país e de sua relação com a televisão.
Como você veio parar em Brasília?
A história é a seguinte. Estava eu no festival de teatro daí (Cena Contemporânea, na edição de 2005), fazendo A voz do provocador, que foi um enorme sucesso. Aí, depois do espetáculo, o Guilherme (Reis) me perguntou: “Por que você não vem fazer uma peça aqui?” Respondi: “Só venho para cá se for para fazer Os demônios.” Aí, um ano e meio depois, em São Paulo, recebi um telefonema do Guila: “Você se lembra daquela conversa? Entrei com um projeto no Banco do Brasil e eles vão apoiar a montagem de Os demônios”. Perguntei se ele ia roubar minha idéia e ele respondeu que não. Que estava me convidando para dirigir o trabalho ao lado do Hugo Rodas. E assim estamos nos divertindo muito.
Que tal é trabalhar com Hugo Rodas?
Ele é uma avalanche, um furacão, um dos melhores diretores do Brasil.
Qual o sentido de se montar Os demônios?
Todos temos um pouco de Dostoiévski na nossa cabeça. Todos nós queremos saber exatamente o que deve ser feito na sociedade e relatar tudo o que a gente descobre. Cada um pertence a todos, todos pertencem a cada um e ninguém pertence a ninguém. Em Dostoiévski todos são escravos e aí a gente pode apelar até para o calote ou para o homicídio.
Existe alguma vantagem de se ter 75 anos?
Desde meus 18 anos quero montar essa peça. Estou conseguindo agora, aos 75. A grande vantagem da velhice é conseguir levar adiante os projetos da juventude.
Conversei com alguns atores do elenco de Os demônios. Eles me pediram para lhe perguntar o que é a nebulosa?
Não é um fenômeno brasiliense. A gente vê espetáculos excepcionais fora do eixo Rio-São Paulo. Mas uma bela peça de Brasília, de Curitiba, de Porte Alegre, parece que não caminha quando chega aos dois principais centros produtores do país. É como se uma nebulosa percorresse entre as poltronas do teatro, interferindo no processo de comunicação entre atores, personagens e público. Impede que a platéia receba a postura crítica de uma visão brechtiana do mundo. Chega! Acho que Hugo Rodas conseguirá romper essa nebulosa. Aliás, se não virar reitor da Universidade de Brasília e se mudar para o eixo Rio-São Paulo, conseguirá montar espetáculos monumentais.
Você é detalhista?
Nós somos dissecadores, onanistas. Quando queremos ver as coisas, queremos ver por inteiro. Dissecar ao máximo as coisas. Pode ser até que seja um pouco insuportável em relação a essa garotada. Com 57 anos de profissão e 120 peças dirigidas, se me perguntarem qual a boa, diria que alguns segundos de alguma peça. Mas o que mais quero é ser ator. Ser ator é maravilhoso. É a possibilidade da irresponsabilidade. É penetrar uma zona negra do palco, onde o diretor não entra. Ser diretor é chato. Tem que ter rigor, tem que ter certezas, tem que ter liderança. Aliás, minha definição hoje sobre o trabalho de diretor é que é a arte de ser desnecessário.
Qual a principal diferença entre os atores de Brasília e os de São Paulo?
Sei lá! Qual a diferença entre o ator carioca e o autor paulista? São atores brasileiros, ou seja, a mediocridade está sobre nós. Nós todos somos medíocres, temos de ter certeza disso. Nós temos atrevimento de existir, mesmo que a gente não saiba. Há quanto tempo eu não vejo uma criação de personagem. Um Sérgio Cardoso preparando um Hamlet ou O mentiroso, do Goldoni. Uma Glauce Rocha preparando Electra, de Sófocles. Uma Cacilda Becker fazendo Pega fogo.
Qual a causa desse fenômeno?
A TV Globo esmagou a possibilidade da grande criação. Você consegue ver momentos de beleza de interpretação na TV, às vezes por atores de teatro. Outras, atores de televisão conseguem interpretar muito melhor. Não sei falar dessas coisas...
A mediocrização do teatro não é um reflexo da mediocrização do país?
Quando eu falo de mediocrização, falo do meu país. Nunca vi um projeto permanente de educação, que deveriam durar 30 anos, mas que sempre estão sofrendo interferência. Ninguém deveria se meter. Tira isso, põe aquilo. Pelo menos deveriam ensinar a escrever. O problema é que no Japão, quem não sabe ler vai preso. Aqui, é eleito! Em Os demônios tem uma fala que reflete a mediocridade do governo. Um personagem diz: "Precisamos trazer a estupidez para nossa organização. Vamos convidar a mulher do governador". Desde que eu me conheço, as pessoas dizem que a educação está melhorando, mas só vejo piorar. É uma tristeza. Como querem que o teatro vá bem se não há cultura nem educação?
Você chegou ao grande público graças a uma novela...
Isso é uma prova da estupidez desse país. Antes de aceitar o convite de Cassiano Gabus Mendes para atuar em Que rei sou eu (1989), tinha trabalhado como ator em O contrabaixo, uma peça de Patrick Süskind, autor de O perfume. Ganhei o prêmio de melhor ator de teatro, depois o de melhor ator de televisão. Aí, veio um filme, A Festa, e recebi o de melhor ator de cinema. Em minha opinião, a TV é terreno virgem. Precisa ser reinventada. Conhece um programa chamado Provocações, na TV Cultura? Já entrevistei 480 pessoas. Eu arranco a alma deles. Falam coisas que nunca disseram, mas dá apenas 1% de Ibope.
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