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Em pleno "Brasil 500 anos", longe da costa atlântica – onde alguns milhões de índios morreram a partir da chegada dos colonizadores europeus, em 1500 –, diversos grupos indígenas brasileiros ainda vivem isolados no coração da floresta amazônica. Em redutos preservados, alguns reagem à aproximação. O grupo arredio que vive na reserva biológica do Guaporé, em Rondônia, finca estacas nas trilhas da floresta, na tentativa de conter os caminhões carregados de madeira. Outros aceitam a presença branca em seu território e, em geral, acabam pagando um alto preço por esse gesto de confiança – doenças, mortes, alcoolismo, invasão de suas terras e perda de sua identidade cultural.
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Esse choque entre universos culturais tão distintos, ao longo da história do Brasil, selou o destino de milhões de índios. Nos tempos modernos, permanece ainda como um desafio para as novas gerações, incapazes de compreender como os cinco milhões de índios, que viviam no território brasileiro na época do descobrimento, estão hoje reduzidos a pouco mais de 330 mil, segundo o CIMI. Muitos morreram por doenças ou violência, outros iniciaram migrações para o interior.
Depois de quase cinco séculos de degradação de suas vidas, os índios brasileiros têm sua sobrevivência "garantida pela Constituição de 1988", se é que no Brasil a Constituição garante alguma coisa; porém, este reconhecimento reforça uma postura não integracionista. Reduzidos a 5% do que foram, estão hoje em todos os estados brasileiros. Muitos deles dominam o português e conhecem os caminhos que levam a Brasília, onde mora o chefe dos brancos que tinha, até outubro de 1993, para demarcar todas as terras indígenas, de acordo com a Constituição. Porém, os dados da FUNAI indicam que nem metade das terras ainda foram demarcadas.
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Se antes a população indígena se concentrava na costa, onde encontrara caça abundante, fartura de frutos e solo fértil para as roças, hoje, a maioria (54%) vive na Amazônia. Aí está também a maior parte de suas terras que representam 10,52% do território nacional.A marcha para o Centro-Oeste, nos anos 60, e os programas voltados para a ocupação da Amazônia, a partir de 1970, tiveram grande impacto sobre as populações indígenas, surpreendidas com a construção de estradas em suas terras. Em vários pontos dessas regiões, a FUNAI montou frentes de contato, às pressas, para chegar antes das máquinas.O exército da colonização dizimou grupos como os amistosos paracanãs, no Pará, e sofreu baixas junto aos hostis waimiri-atroari, que matavam sertanistas, mateiros e missionários na rota da rodovia que ligaria Manaus a Boa Vista. Houve também encontros cercados de fantasia. A última expedição chefiada pelos legendários irmãos Villas Boas, fundadores do Parque indígena do Xingu, saiu atrás dos "índios gigantes", que teriam perto de dois metros de altura e seriam hábeis na borduna. Os krenhacarores, na verdade, tinham o biótipo dos jês. Eram gigantes apenas na imaginação dos caiapós, seus inimigos no passado. E não resistiram à aproximação. Dois anos depois do contato, em terras cortadas pela rodovia Cuiabá-Santarém, no Mato Grosso, os krenhacarores estavam reduzidos a menos de um terço da população original. Em 1975, foram transportados em aviões da FAB para o Parque do Xingu. Desde então, já sofreram quatro transferências dentro do Xingu. Seu desejo é voltar ao antigo hábitat, ocupado por colonização e garimpo.
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A invasão da selva amazônica foi tão fulminante, que há conflitos dentro das próprias comunidades indígenas. No Pará, os índios caiapós, liderados pelo cacique Tutu Pombo, não impedem a ação dos garimpeiros, que transformaram num lamaçal o rio Fresco, dentro da aldeia Gorotire. Já outro líder caiapó, Raoni, que chefia seu grupo na região do Capoto, não aceita a presença dos garimpeiros e tenta convencer os liderados por Pombo dos malefícios do garimpo. Em Rondônia, os uru-wau-waus travam uma luta tensa, cheia de emboscadas, contra os madereiros, enquanto os vizinhos cintas-largas desfilam em possantes caminhonetes, oferecidas pelos brancos que exploram suas terras.
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Alguns desses casos são tão longínquos que somente por sorte ganham destaque na imprensa, por exemplo, os ianomâmis, cujas terras na fronteira com a Venezuela foram invadidas por 30 mil garimpeiros, desde a década de 80. Depois de viver por cinco anos dependendo dos garimpeiros, responsáveis por uma séria redução nessa população indígena, os 10 mil remanescentes tiveram seu território demarcado – 94 mil quilômetros quadrados, equivalentes a duas Holandas e um Haiti somados – e voltaram a plantar suas roças, sem estranhos à volta.
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Aos grupos remanescentes contatados ou ainda "isolados", não parece restar outra alternativa senão a de percorrer o mesmo caminho dos seus antepassados que aceitaram os presentes dos brancos e ficaram na miséria. A diferença é que hoje o processo de integração é mais rápido. Acontece, às vezes, através de um helicóptero que rasga a floresta e pousa numa roça de mandioca perto de aldeias onde vivem pouco mais de 100 índios.
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Os 180 grupos étnicos conhecidos enfrentam situações diversas em relação ao Brasil oficial. Se no Norte há ainda grupos esquivos, nas outras regiões brasileiras, onde a maioria vive em contato permanente com o branco, muitos deles não perderam só as terras, mas a própria referência cultural. Entretanto, mesmo enfrentando séculos de hostilidade e desprezo, a singular riqueza dessas etnias imprimiu suas marcas nas feições de milhões de brasileiros cuja pele morena denuncia a presença do sangue tupi, guarani, jê ou tapuia.
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Porém, bons ventos ajudam esses povos que vivem na floresta. Sua população voltou a crescer, depois de ter chegado a cerca de 70 mil pessoas por volta de 1950. A cultura indígena deixou seus marcos na agricultura, na alimentação e em outros aspectos da vida nacional, como na língua, na geografia, onde se encontram elementos sobretudo da língua tupi, a mais falada. São realidades simbólicas que é preciso resgatar na memória e na consciência do povo brasileiro, depois de 500 anos de opressão, esquecimento e preconceitos.
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in Revista Mundo e Missão; Barbieri, Edison – pág. n.º 14 – n.º 41 – mês de Abril – ano 2000
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Clique aqui para escutar a Chamada para a Corrida do Buriti; Xavante – Vozes e canto dos índios – 550 KB – 0:34
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