março 29, 2007
A preocupação do artesanato
...A crítica de Mário de Andrade na sua fase de cristalização, passava a valorizar fortemente os elementos formais, técnicos do verso. Repugnava-lhe a idéia corrente de que poesia era simplesmente uma procura de essências, apenas inspiração. A ausência de vocação artística dos moços desagradava-o profundamente. Censurava aquela dissolução do verso na prosa, mal de que padecia a poesia moderna consoante a observação já antiga de Tristão de Ataide. O atecnicismo desespera-o: — “Desapareceram os artistas do verso, e o que é pior, poesia virou inspiração. Uma rapaziada ignorantíssima da arte da linguagem, sem a menor preocupação de adquirir um real direito de expressão literária das idéias e dos sentimentos, se agarrou à lengalenga das compridezas, que se era uma necessidade expressiva para os que lançaram entre nós o versículo bíblico (ou claudeliano se quisermos) não representa para aqueles a menor necessidade, a menor fatalidade lírica. Representa pura e simplesmente um processo de não se preocupar com a arte de fazer versos. Neste sentido, quase todos os nossos poetas novos e alguns veteranos são uns desonestos”.
...Este ponto de vista constituiu como que o núcleo essencial da estética de Mário de Andrade na sua hora de cristalização. Poesia não é apenas inspiração, poesia não é apenas sentimentalidade e calor lírico, é algo mais do que a substância poética, é forma, é trabalho, é arte. Se a preocupação das essências leva à valorização do conteúdo poético, com isso não devemos descuidar do continente em que ele necessariamente deverá caber. Esse atecnicismo, essa dissolução dos elementos formais do verso, foram as muralhas que certa mediocridade poética derruiu para depois espojar-se no interior do templo de que ela era a grande profana. A idéia do artesanato, êle desenvolveu excelentemente na sua aula inaugural de um curso universitário e que abre o volume “O Baile das Quatro Artes”, e em todos os momentos vindouros de sua crítica a preocupação artística reaparece como um “slogan” indispensável, como uma preocupação obsessiva e que vinha marcar a poética final de Mário de Andrade de um forte caráter de coerência e determinação.
in Revista do arquivo municipal; Haddad, Jamil Almansur – Departamento de Cultura – São Paulo, 1946 – Fotografia: Benedito J. Duarte
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