fevereiro 13, 2007

Balada do Vampiro de Curitiba


Deus por que fez da mulher
O suspiro do moço
Sumidouro do velho?
Ai só de olhar eu morro
Se não quer
Por que exibe as graças
Em vez de esconder?
Imagine então se
Não imagine arara bêbada
Pode que se encante com o bigodinho
Até lá enxugo os meus conhaques
Olha essa aí rebolando-se inteira
Ninguém diga sou taradinho
No fundo de cada filho de família
Dorme um vampiro
Muito sofredor ver moça bonita
E são tantas
Bem me fizeram o que sou
Oco de pau podre
Aqui floresce aranha cobra escorpião
Pudera sempre se enfeitando se pintando
Se adorando no espelhinho da bolsa
Não é para me deixarem assanhado?
Veja as filhas da cidade como elas crescem
Não trabalham nem fiam
Bem que estão gordinhas
Gênio do espelho existe em Curitiba
Alguém mais aflito que eu?
Não olhe cara feia
Não olhe que está perdido
Toda de preto meia preta
Repare na saia curta upa lá lá
Distrai-se a repuxá-la no joelho de covinha
Ai ser a liga roxa
O sapatinho que alisa o pé
E sapato ser esmagado pela dona do pezinho
Na ponta da língua a mulher filtra o mel
Que embebeda o colibri alucina o vampiro
Não faça isso meu anjo
Pintada de ouro vestida de pluma pena arminho
Olhe suspenso a um palmo do chão
Tarde demais já vi a loirinha
Milharal ondulante ao peso das espigas maduras
Como não roer unha?
Por ti serei maior que o motociclista do Globo da Morte
Uma vergonha na minha idade
Lá vou atrás dela
Em menino era a gloriosa bandinha do Tiro Rio Branco
No braço não sente a baba do meu olho?
Se existe força do pensamento
Ali na nuca os sete beijos da paixão
Já vai longe
Na rosa não cheirou a cinza do coração de andorinha
Ó morcego ó andorinha ó mosca
Nossa mãe até as moscas instrumento do prazer
De quantas arranquei as asas?
Brado aos céus
Como não ter espinha na cara?
Eu vos desprezo virgens cruéis
Ó meninas mais lindas de Curitiba
Nem uma baixou sobre mim o olhar vesgo da luxúria
Calma Nelsinho calma
Admirando as pirâmides marchadoras
De Quéops Quéfren Miquerinos
Quem se importa com o sangue de mil escravos?
Ai Jesus Cristinho socorro me salve
Triste rapaz na danação dos vinte anos
Carregar vidro de sanguessuga
Na hora do perigo aplicá-las na nuca?
Já o cego não vê a fumaça não fuma
Ó Deus enterra-me no olho a tua agulha de fogo
Não mais cão sarnento comido de pulgas
Que dá voltas para morder o rabo
Em despedida
Ó curvas ó delícias
Concede-me essa ruivinha que aí vai
A doce boquinha suplicando beijo
Ventosa da lagarta de fogo é o beijinho da virgem
Você grita vinte e quatro horas
Estrebucha feliz
Tão bem-feitas para serem acariciadas
Ratinho branco gato angorá porquinho-da-índia
Para onde você olha lá estão
Subindo e descendo a rua das flores
Cada uma cesto cheio de flores rua lavada de sol
Macieira em botão suspirosa de abelha
No bracinho nu a penugem dourada se arrepiando
Aos teus beijos soprados na brisa fagueira
Seguem a passo decidido
Estremecendo as bochechas rosadas
O aceno dos caracóis te pedindo a mordida no cangote
Ao bravo bamboleio da bundinha
Até as pedras batem palmas
Sei que não devo
Muito magro uma tosse feia
Assim não adianta o xarope de agrião
É tarde estou perdido
Todas elas de joelho e mão posta
Para que eu me sirva
O relampo do sol no olho
Ao rufar dos tambores
No duplo salto-mortal reviro pelo avesso
Sem tirar o pé do chão
Veja o peitinho manso de pomba
Dois gatinhos brancos bebendo leite no pires
Chego mais perto quem não quer nada
O que é prender na mão um pintassilgo?
Sou fraco Senhor
O biquinho do pintassilgo te pinica a palma
E sacode da nuca ao terceiro dedinho do pé esquerdo
Derretido de gozo
Uma cosquinha no céu da boca
Prestes a uivar
Estendo a mão agarro uma duas três
Já faço em Curitiba um carnaval de sangue
Ai de mim
Quem me acode
O soluço do pobre vampiro quem escuta?
.
in Pão e Sangue; Trevisan, Dalton – Record – Rio de Janeiro, 1988

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