fevereiro 02, 2007
HELL'S ANGELS
As metamorfoses do vampiro
Ela de sua boca de cereja e de asa,
Torcendo-se assim como a cobra numa brasa,
E os seios a moldar à dura barbatana
Do espartilho, falou impregnada de havana:
– "Trago os lábios molhados e possuo a ciência
De perder por um leito a minha consciência.
Eu seco todo choro em meus seios divinos,
E faço rir os velhos tal qual os meninos.
Eu substituo, aos que possam ver-me sem véus,
O plenilúnio, o Sol, as estrelas e os céus!
Eu sou tão douta na volúpia, caros sábios,
Quando um homem afogo no mar dos meus lábios,
Ou então quando entrego às mordidas meu busto,
Tímido e libertino e frágil e robusto,
Que os anjos sobre o meu desmaiado colchão
Iriam ter em mim a sua danação".
Quando ela me sorveu dos ossos a medula,
E tão languidamente a buscou minha gula,
Viu o beijo de amor que nela final pus,
Flanco viscoso de odre a transbordar de pus!
Meus dois olhos fechei, num susto de fobia,
Depois quando os abri à viva luz do dia,
Junto a mim, em lugar do manequim tão langue,
Que ali estava a estuar da provisão de sangue,
Tremeu de um esqueleto à visão tão daninha,
Ainda a emitir os sons de distante ventoinha
Ou de triste varão que prende a tabuleta
Que oscila ao vento pela noite fria e preta.
in As flores do mal; Baudelaire – Max Limonade – São Paulo, 1981
.
***
Os Ingênuos
Com as saias longas os tacões altos lutavam.
De modo que, ao sabor do terreno ou do vento,
as meias – e isso bem que era um divertimento –
ocultas quase sempre, às vezes se mostravam.
Também, às vezes, sob os ramos, se uns insetos,
pousando-lhes no colo, as belas surpreendiam,
uns súbitos clarões de alvas nucas se viam,
e isso nos regalava os olhos irrequietos.
Caía a tarde, tarde outonal e adequada.
E, pelo nosso braço, as belas, divagando,
iam tais cousas, tão sutis, nos sussurrando,
que desde então nossa alma ainda treme, espantada.
Les Ingênus
Les hauts talons luttaient avec les longues jupes,
En sorte que, selon le terrain et le vent,
Parfois luisaient des bas de jambes, trop souvent
Interceptés! – et nous aimions ce jeu de dupes.
Parfois aussi le dard d'un insecte jaloux
Inquiétait le col des belles sous les branches,
Et c’était des éclairs soudains de nuques blanches,
Et ce régal comblait nos jeunes yeux de fous.
Le soir tombait, un soir équivoque d'automne.
Les belles, se pendant rêveuses à nos bras,
Dirent alors des mots si spécieux, tout bas,
Que notre âme depuis ce temps tremble et s’étonne.
in Festas galantes; Verlaine, Paul – Civilização Brasileira – Rio de Janeiro, 1983
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