fevereiro 20, 2007

O espinho adormecido


.....O Juqueri é o locus do louco. Podia, como você disse, podia ser do hanseniano, do tuberculoso, poderia ser do XPTO, mas Deus quis e o mundo decidiu que seria do louco. Mas aí vem um bando de desavisados e esse bando tenta destinar, por meio de decreto; aquele espaço de habitação popular, ou sede do Corinthians, reservatório da SABESP, plantação de pinos e abobrinhas mil.
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Bom, voltando ao Rio, temos os aliados, dentro da esquizofrenia institucional, mais estranhos de acordo com a época. Eu que sou uma pessoa sabidamente, escancaradamente, de esquerda, tive como aliado num momento institucional no Rio de Janeiro, nada mais nada menos que o SNI contra as mineradoras da colônia, que exploram, com os posseiros, as minas de mármore, minas de brita que existem na colônia, num local privilegiadíssimo que é aquele na baixada do Jacarepaguá onde está instalada a colônia que é o Amazonas de mineração. Onde as pessoas conseguem, mercê de propinas, jogos de interesses que vive este triste país, licença no Departamento Nacional de Mineração para extrair, depois de confirmada a utilização de posse, sendo em terra pública, depois de configurar a delinqüência da posse naquele território, que é um território do doente, provocando agressão ecológica monumental, uma agressão ao doente, a utilização escrava do doente, compondo um quadro dantesco. Certa época, o próprio SNI viajou comigo duas vezes e, como tudo o que fazemos neste campo, não diria que não deu em nada pois sou incorrigivelmente otimista, mas nós lutamos, e alguns posseiros abandonaram o local.
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Quando cheguei ao Juqueri, além do problema terrível dos invasores e das mordidas, como você diz, eu convivi também com ausência de uma política pública, expressa, não para o Juqueri em si, mas para a maior fazenda pública do Estado de São Paulo, na região da Grande São Paulo. Comecei a plantar as bases daquilo que se transformou depois nesse aborto atual que é o projeto Juqueri, da EMPLASA e da Secretaria etc. Aportaram ali "técnicos" geógrafos, geólogos políticos, urbanistas e outros.
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Eu fiz uma pergunta bem específica para o Balster sobre a questão epidemiológico-demográfica dos pacientes do Juqueri, no plano Juqueri, no projeto Juqueri. Então, na entrevista dele você vai ver que ele faz uma apreciação muito importante, porque pouco perguntada, sobre, afinal, qual é a política de saúde mental para lá, desculpe-me a interrupção.
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Sabe que é muito difícil para mim falar do Juqueri no passado, falo do Juqueri sempre no presente. O Juqueri é uma coisa extremamente presente, aliás como a loucura na sua extrema lucidez... as primeiras perguntas, feitas ao doente são que dia é hoje? que horas são? Assim os doutores procuram verificar aquilo que é tão importante para eles. Louco, lúcido, eu falo no Juqueri sempre no presente, no tempo presente.
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Na verdade, não quero politizar aquilo aqui, agora, quero politizar com vocês em termos produtivos agora e no nosso futuro próximo, na faculdade, enquanto pesquisadores, integrando um corpo docente que trabalha em conjunto, como nós fizemos acerca da necessidade de uma política expressa para o hospício. Quando me refiro ao hospício Juqueri, generalizando num todo, você vê no jornal de hoje a intervenção no Hospital Anchieta em Santos, feito por aquele que foi meu padrinho de posse. Tomei posse com o brochinho das "diretas já", cafona, bottom amarelo, enorme, parecendo um prato e levava o Capistrano a tiracolo. Quando digo a tiracolo é que faço questão de dizer que o David tinha sido secretário-geral do PCB, e o seu comparecimento na ocasião tomou explícito o meu comprometimento político. O tipo de liderança que elegia o David sempre foi uma liderança que respeitei e continuo respeitando, apesar de hoje estarmos particularmente mais distantes; ele está no PT e eu continuo militando no PCB.
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Quero lembrar que hoje, 19/6/89, estamos com um hospital em Santos de doentes mentais, em piores condições do que anos atrás encontrava-se o Juqueri; uma situação que se constitui na maior gravidade, com um processo de sucateamento no hospital que é altamente corrosivo, felizmente há coisas que plantamos e que perduram: eu trouxe o Rui de volta. Não sou amigo pessoal do Rui, nunca fui à casa dele, e não sei se ele foi à minha, acho que uma vez, acho que nunca foi... No meu encontro pessoal maior, específico do Juqueri, enquanto herdei Aníbal, importantíssimo, trouxe Rui de volta... agreguei o Balster. Balster era um médico do Manicômio, assim que o conheci, coloquei-o rapidamente como o principal assessor substituto, e quando saí, deixei-o como diretor.
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Claro, que há o episódio do Marcos que é de fundamental importância para se entender como foi vivido aquele processo democrático. O Marcos teve veto de todos os lados e, além de ser extremamente jovem, era petista militante, mas o governo Montoro era um governo democrático e, como tal, admitiu isso. No auge do momento democrático, exonerei o Joaquim, nomeando o Marcos, que teve uma fundamental importância, não por ser um professor mais de esquerda do que eu, do que o Balster, mas fazia críticas, achava a maneira como conduzíamos careta, reacionária. Não nomeei o Marcos, não banquei o Marcos, senão por outro motivo que não o de reconhecer naquele momento político a importância não só da esquerda mas das outras forças progressistas. Me deu trabalho, deu muito trabalho para o Marcos, muito trabalho, mas mais trabalho deu para a direita fascista. Eu sempre brincava na posição paternalista, na posição patriarcal como governei o Juqueri. Tinha dois filhos: o moderado e ajuizado Balster, e o rebelde, indisciplinado, criativo Marcos.
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Evelin, alguns aforismos e observações provocantes – era assim que eu queria que você registrasse suas impressões, principalmente. Nessa primeira parte do nosso trabalho procuramos fazer uma retomada daquilo que foi um objeto de estudo, de trabalho. Então eu queria que você colocasse algumas impressões sobre o Juqueri hoje, sem desconsiderar a sua vivência passada e, ao mesmo tempo, fizesse projeções para o futuro.
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in Juqueri, o espinho adormecido; Evelin Naked de Castro Sá e Cid Roberto Bertozzo Pimentel – Hucitec – São Paulo, 1991

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