maio 03, 2010

Noites



O tigre evoca, de forma geral, as idéias de poder e ferocidade; o que só comporta sinais negativos. É um animal caçador e, nisso, um símbolo da casta guerreira. Tanto na geomancia quanto na alquimia chinesa, o tigre opõe-se ao dragão; mas se vem a ser, no primeiro caso, um símbolo maléfico, é, no segundo, um principio ativo, a energia, em oposição ao principio úmido e passivo, o chumbo oposto ao mercúrio, sopro do sêmen.

Os Cinco Tigres, símbolos de força protetora, são os guardiões dos quatro pontos cardeais e do centro. Alias, através da história e nas lendas chinesas dá-se repetidamente o nome de Cinco Tigres (Wu ho) a grupos de guerreiros valorosos, protetores do império. O aparecimento de um tigre-branco é um sinal de virtude real. O tigre é mais especificamente um animal do norte, do solstício de Inverno, onde devora as influências maléficas. Se por vezes é a montaria de um Imortal, é porque ele próprio é dotado de longevidade. Sua força simboliza ainda, no budismo, a força da fé, do esforço espiritual, atravessando a selva dos pecados, que é simbolizada por uma floresta de bambus.

Na iconografia hindu, a pele do tigre é um troféu de Xiva. O tigre é a montaria da Xácti, da energia da natureza, a quem Xiva não se encontra submetida, mas ao contrário, dominada por ele (CHOC, DANA, GRAD, GUES, KALL, LECC, OGRJ).

Monstro da escuridão e da lua nova, é também uma das figuras do mundo superior, o mundo da vida e da luz nascente. Ele é muitas vezes reproduzido, deixando sair da goela um ser humano, representado por uma criança. É o ancestral do clã, identificado com a lua que renasce: a luz que retorna (HENL, ELlT, 161).

Na Malásia, o curandeiro tem poder de transformar-se em tigre. Não podemos esquecer que em todo o sudoeste asiático, o Tigre-Ancestral mítico é visto como o iniciador. É ele quem conduz as neófitas à selva para iniciá-las, na realidade, para matá-las e ressuscitá-las (ELlC. 306),

Na Sibéria, para os gilíacos, o tigre, devido à sua vida e hábitos, é um verdadeiro homem, que apenas temporariamente assume o aspecto de tigre (ROUF, 303, citando Zelenine, Le Culte des Idoles en Sibérie, Paris, 1952).

O aparecimento do tigre nos sonhos provoca uma angústia ao acordar. Reanima os terrores gerados pela aproximação da fera na floresta, ou por sua visão nos jardins zoológicos ou circos. Belo, cruel, rápido, o tigre fascina e apavora. Segundo E. Aeppli, nos sonhos ele representa um conjunto de tendências que se tomaram completamente autônomas e que estão sempre prontas para nos atacar inesperadamente e para nos despedaçar. Sua poderosa natureza felina encarna um conjunto de forças instintivas, cujo encontro é tão inevitável quanto perigoso; essa natureza é astuciosa, menos cega do que a do touro, mais feroz do que do cão selvagem, apesar de igualmente inadaptada. Esses instintos mostram-se sob o seu mais agressivo aspecto, porque, presos na selva, tornaram-se completamente desumanos. O tigre fascina, no entanto: É grande e poderoso, embora não tenha a dignidade do leão. É um pérfido déspota que desconhece o perdão. Ver aparecer um tigre nos seus sonhos significa estar perigosamente exposto à bestialidade dos seus impulsos instintivos (AEPR, 265).

Ele simboliza o obscurecimento da consciência submersa nas ondas de seus desejos elementares desencadeados. Mas embora lute contra animais inferiores, como répteis, conforme vemos em certas representações, é uma figura superior da consciência; mas, ao lutar contra um leão ou uma águia, passa a figurar apenas o instinto de cólera que procura saciar-se, opondo-se a qualquer proibição superior. O sentido do símbolo varia, como sempre, conforme a situação dos seres em conflito.

Uma lenda grega, relatada por Plutarco, explica por que o nome de Tigre foi dado a um rio da Mesopotâmia, denominado anteriormente Solax. Para seduzir uma ninfa da Ásia, Afesibéia, por quem estava apaixonado, Dioniso transforma-se em tigre. Tendo chegado à margem do rio, ela não pôde continuar fugindo e deixou-se agarrar pela fera, que a ajudou a passar para a outra margem. Seu filho, Medes, foi o herói epônimo dos medos e o rio tomou o nome de Tigre. Em memória à ninfa e ao deus que se haviam unido em suas margens (GRID, 29).

Segundo outras lendas, de origem babilônica, o Tigre haveria nascido dos olhos de Marduk, o Criador, ao mesmo tempo que o Eufrates. Na Bíblia, é um dos quatro rios do Paraíso Terrestre. No seu contexto sumério-acadiano. o Tigre assume uma significação de destaque: o curso da água cósmica, cercando a terra como uma ilha, evoca o célebre Oceano terrestre. o Apso do qual os textos cosmogônicos e cosmológicos da Mesopotâmia tanto falam (SOUN, 220). O Apso tem uma função característica na gênese do mundo: considerado como uma divindade masculina, representa a massa de água doce sobre a qual flutua a terra. Tem sua fonte no Oriente, próxima às montanhas do sol, e envolve o mundo como um rio circular. É ele que alimenta nossos cursos de água (ibid., 119). O Tigre, como rio, simbolizaria a água doce, por oposição ao mar, abismo de água salgada donde surgem todas as criaturas.


in Dicionário de Símbolos; Chevalier, Jean e Gheerbrant, Alain – José Olympio – Rio de Janeiro, 1982