janeiro 28, 2007

Lançamento de produto (em verão mais light)



Zedupoca Productions Unlimited Corporation
Avenida Santa Isabel, 98 sala 401
13084-012 – Campinas – SP
Tel.: 19-33429943 – Cel.: 19-96727603
e-mail: jetlei@ bigfoot.com






Prezados Senhores,

Depois de um mês de trabalhos em sua versão beta, Zedupoca Productions tem o prazer de anunciar a seus clientes habituais, senhoras desocupadas e pessoas interessantes de maneira geral, o lançamento da nova versão de nosso produto principal. Assim, é com prazer que comunico que a partir de hoje encontra-se plenamente operacional o Zédu v. 2.0. O produto apresenta uma série de novidades em relação à versão anterior, as principais sendo listadas abaixo:




  1. Ao contrário da versão 1.0, que apresentava sérios problemas de funcionamento no período matutino, a versão 2.0 está pronta para operar plenamente desde as primeiras horas da manhã (dentro do horário comercial, isto é, a partir das 8:00 am).

  2. Vários bugs da primeira versão, responsáveis por uma certa instabilidade no funcionamento do produto, foram corrigidos e, mantida a manutenção adequada, não devem se repetir na v. 2.0 certas fragilidades de saúde, mudanças repentinas de humores e, principalmente, a tendência do software para entrar em loops choramingentos e reclamões. Para os cuidados de manutenção, ver abaixo a lista de atividades que vem sendo mantida durante os testes do novo software.

  3. Instruções básicas diárias: (sugestões para um dia típico)

    1. O software entra em funcionamento, como já dito, por volta das 8:00 am. Logo que é colocado a funcionar, recomenda-se fornecer-lhe energia suficiente para as tarefas da manhã. Normalmente bastam uma boa tigela de cereais com granola ao leite, acompanhado de um suco de laranja e finalizando com uma boa xícara de café (atenção: mesmo em sua v. 2.0, Zédu reage muito mal a cafés fracos ou requentados). Não usar açúcar. De preferência usar Sucralose da linha Linea (marcas registradas por outras companhias)

    2. Logo em seguida, Zédu v. 2.0 está pronto para sua caminhada matinal. vale dizer que durante tais caminhadas ele está sempre acompanhado pelo CEO da Zedupoca Productions, Mr. Pipoca Popcorn. Dependendo das condições metereológicas, a caminhada consiste em várias voltas em torno do Parque do Pipoca (ver anexo com foto do campo de treinamento). As voltas no momento se reduzem a três ou quatro, visto que infelizmente um componente essencial para maiores caminhadas ainda está em desenvolvimento e Zédu V. 2.0 ainda usa as batatas da perna da versão 1.0. Acreditamos que em pouco tempo esse problema será sanado já que o componente é dotado de auto aprendizagem e se aprimora com o uso. Após a caminhada, o software é colocado ao sol durante cerca de meia hora. Com isso, eliminamos um problema do 1.0 que eram os "braços paulistas" desenvolvidos no Rio (aquele tom branco horror que fica da borda da camisa acima e abaixo do V do peito). Se a meteorologia colaborar (lembro aos senhores que infelizmente nunca fomos bem sucedidos em nossas tentativas de take-over o "controle do tempo", que permanece em mãos de uma holding misteriosa), Zédu 2.0 em breve adquirirá aquele tom moreno bem mais condizente com um produto que se orgulha de ser genuinamente brasileiro. Infelizmente, durante sua exposição ao sol, Zédu 2.0 ainda fuma um cigarrinho, vício herdado da versão anterior que estamos, em conjunto com o famoso consultor cardiológico Murilo Ehbert, tentando eliminar. De qualquer forma, mesmo com o cigarrinho, o software parece feliz olhando as árvores, os eventuais sábias laranjeiras que vem ciscar a grama próxima, sentindo a brisa suave no corpo suado; às vezes, mas de uma forma estranhamente serena, sente vontade que ali houvesse um mar para completar a cena com mergulhos refrescantes.



    3.
    Findo o passeio, Zédu 2.0 retorna a base, verifica mails, escreve bobagens (característica que se acentuou na nova versão mas que, pelo menos durante o período de teste, fez sucesso com nosso público), espera a chegada da Marta, sua fiel serviçal vespertina.

    4. Almoço. Apesar de sua ojeriza pelas cores verdes do Guarani, Zédu 2.0 anda colocando cada vez mais verde nos seus pratos. Come brotinhos (leguminosas, apesar de estarmos trabalhando para que possa degustá-los também em outras variedades), cenouras, agriões, acelgas, alfaces e tomates, cebolas, seladas de grãos variados, sempre acompanhado com algum prato quente cheio de proteínas.

    5. Tarde. As tardes são variadas, começando em torno das 2:00 pm após o almoço. Incluem, no momento, principalmente atividades relacionadas com a montagem do apartamento onde se instalará Zédu v. 2.0. Lá pelas 05:00 pm, happy hour no Bar do Frango. Algumas cervejas, um indefectível caderninho onde anota idéias para encher o saco dos amigos (e a coragem de fazê-lo aumenta com a cerveja e costuma se esvair no declínio do nível alcoólico posterior; mas vem aí um complemento para o software que é um blog, que não enche o saco de ninguém e permite os mais variados tipos de gracinhas). É bom observar que, antes de se dirigir ao tradicional reduto baronense do Bar do Frango, Zédu 2.0 recolhe nosso chairman Pipoca para acompanhá-lo, apesar de Mr. Popcorn ser avesso ao álcool e aos pedintes que também abundam nos bares de cá)

    6. De volta ao lar, liga-se o som ambiente, cerram-se as persianas para compor a meia-luz, e Zédu 2.0 cochila, nunca mais que 45 minutos/1 hora. Depois é noite, ainda que com sol até bem tarde, e normalmente Zédu 2.0 descansa seus chips cerebrais fingindo, prestar atenção a vários tipos de bobagens televisivas. Funciona a contento. Por volta de 11:00 pm/00:00 am recolhe-se ao leito, lê durante cerca de uma hora Coisas leves, nessa fase inicial; não queremos carregar o software com atividades cerebrais muito complexas, como as demandadas pelos livros sérios). Mais tarde, apaga-se a luz e Zédu 2.0 é colocado em estado de hibernação sonhadora até o início do mesmo ciclo no dia seguinte.


Como podem perceber, o funcionamento da nova versão traz várias novidades e ainda mais promessas que o futuro confirmará. Devo lembrar-lhes que Zédu 2.0 como a versão anterior é multitarefa e muitas de suas features ainda não foram devidamente aproveitadas e/ou testadas. O manual de instrução acima visa mais os cuidados básicos de manutenção do bom estado do software, mas, como fica claro, ainda deixa um enorme tempo ocioso que está atualmente sendo utilizado no desempenho de tarefas menores. É preciso divulgar o produto no mercado, achar seu novo nicho nas plagas campineiras, para que ele possa vir, mais adiante, demonstrar todo seu potencial e fazer a clientela feliz.


Nós na Zedupoca Productions estamos confiante no produto que colocamos a disposição de vocês. Lembro que vocês podem começar a usá-lo imediatamente através da sua versão virtual, acessável tanto pelo mail da companhia como em de nossos telefones (apesar de nosso celular Vivo andar meio morto e cheio de problemas, o que nos faz recomendar que em caso de contato telefônico, insistam no 3342.9943 e deixem suas mensagens que serão prontamente retornadas por nosso call center). Lembramos também que, assim que a preguiça residual da versão 2.0 permitir, será criado um blog para tornar mais fáceis o contato com nosso, esperamos, bem sucedido software (que sonha coisas de hard ware cada vez mais; coisas de versões novas que passam com o teste do uso).


Atenciosamente me despeço com lambidas afetuosas,



Pipoca Popcorn, CEO and Chairman of the Company

janeiro 27, 2007

Jerónimos

...













Lira do amor romântico – Ou a eterna repetição


Atirei um limão n’água
e fiquei vendo na margem.
Os peixinhos responderam:
Quem tem amor tem coragem.

Atirei um limão n’água
e caiu enviesado.
Ouvi um peixe dizer:
Melhor é o beijo roubado.

Atirei um limão n’água,
como faço todo ano
Senti que os peixes diziam:
Todo amor vive de engano.

Atirei um limão n’água,
como um vidro de perfume.
Em coro os peixes disseram:
Joga fora teu ciúme.

Atirei um limão n’água
mas perdi a direção.
Os peixes, rindo, notaram:
Quanto dói uma paixão!

Atirei um limão n’água,
ele afundou um barquinho.
Não se espantaram os peixes:
faltava-me o teu carinho.

Atirei um limão n’água,
o rio logo amargou.
Os peixinhos repetiram:
É dor de quem muito amou.

Atirei um limão n’água,
o rio ficou vermelho
o cada peixinho viu
meu coração num espelho.

Atirei um limão n’água
mas depois me arrependi.
Cada peixinho assustado
me lembra o que já sofri.

Atirei um limão n’água,
antes não tivesse feito.
Os peixinhos me acusaram
de amar com falta de jeito.

Atirei um limão n’água,
fez-se logo um burburinho.
Nenhum peixe me avisou
da pedra no meu caminho.

Atirei um limão n’água,
de tão baixo ele boiou.
Comenta o peixe mais velho:
Infeliz quem não amou.

Atirei um limão n’água,
antes atirasse a vida.
Iria viver com os peixes
a minh’alma dolorida.

Atirei um limão n’água,
pedindo à água que o arraste.
Até os peixes choraram
porque tu me abandonaste.

Atirei um limão n’água.
Foi tamanho o rebuliço
que os peixinhos protestaram:
Se é amor, deixa disso.

Atirei um limão n’água,
não fez o menor ruído.
Se os peixes nada disseram,
tu me terás esquecido?

Atirei um limão n’água,
Caiu certeiro: zás-trás.
Bem me avisou um peixinho:
Fui passado para trás.

Atirei um limão n’água,
de clara ficou escura.
Até os peixes já sabem:
você não ama: tortura.

Atirei um limão n’água
e caí n’água também,
pois os peixes me avisaram,
que lá estava meu bem.

Atirei um limão n’água,
foi levado na corrente.
Senti que os peixes diziam:
Hás de amar eternamente.


in Amar se aprende amando: Poesia de convívio e de humor; Carlos Drummond de Andrade – Editora Record, 2ª Edição – Rio de Janeiro, 1985

A máquina extraviada


.
Você sempre pergunta pelas novidades daqui deste sertão, e finalmente posso lhe contar uma importante. Fique o compadre sabendo que agora temos aqui uma máquina imponente, que está entusiasmando todo o mundo. Desde que ela chegou não me lembro quando, não sou muito bom em lembrar datas, quase não temos falado em outra coisa; e da maneira que o povo aqui se apaixona até pelos assuntos mais infantis, é de admirar que ninguém tenha brigado ainda por causa dela, a não ser os políticos.

A máquina chegou uma tarde, quando as famílias estavam jantando ou acabando de jantar, e foi descarregada na frente da Prefeitura. Com os gritos dos choferes e seus ajudantes (a máquina veio em dois ou três caminhões) muita gente cancelou a sobremesa ou o café e foi ver que algazarra era aquela. Como geralmente acontece nessas ocasiões, os homens estavam mal-humorados e não quiseram dar explicações, esbarravam propositalmente nos curiosos, pisavam-lhes os pés e não pediam desculpa, jogavam pontas de cordas sujas de graxa por cima deles, quem não quisesse se sujar ou se machucar que saísse do caminho.

Descarregadas as várias partes da máquina, foram elas cobertas com encerados e os homens entraram num botequim do largo para comer e beber. Muita gente se amontoou na porta mas ninguém teve coragem de se aproximar dos estranhos porque um deles, percebendo essa intenção nos curiosos, de vez em quando enchia a boca de cerveja e esguichava na direção da porta. Atribuímos essa esquiva ao cansaço e à fome deles e deixamos as tentativas de aproximação para o dia seguinte; mas quando os procuramos de manhã cedo na pensão, soubemos que eles tinham montado mais ou menos a máquina durante a noite e viajado de madrugada.

A máquina ficou ao relento, sem que ninguém soubesse quem a encomendara nem para que servia. É claro que cada qual dava o seu palpite, e cada palpite era tão bom quanto outro.

As crianças, que não são de respeitar mistério, como você sabe, trataram de aproveitar a novidade. Sem pedir licença a ninguém (e a quem iam pedir?), retiraram a lona e foram subindo em bando pela máquina acima, até hoje ainda sobem, brincam de esconder entre os cilindros e colunas, embaraçam-se nos dentes das engrenagens e fazem um berreiro dos diabos até que apareça alguém para soltá-las; não adiantam ralhos, castigos, pancadas; as crianças simplesmente se apaixonaram pela tal máquina.

Contrariando a opinião de certas pessoas que não quiseram se entusiasmar, e garantiram que em poucos dias a novidade passaria e a ferrugem tomaria conta do metal, o interesse do povo ainda não diminuiu. Ninguém passa pelo largo sem ainda parar diante da máquina, e de cada vez há um detalhe novo a notar. Até as velhinhas de igreja, que passam de madrugada e de noitinha, tossindo e rezando, viram o rosto para o lado da máquina e fazem uma curvatura discreta, só faltam se benzer. Homens abrutalhados, como aquele Clodoaldo seu conhecido, que se exibe derrubando boi pelos chifres no pátio do mercado, tratam a máquina com respeito; se um ou outro agarra uma alavanca e sacode com força, ou larga um pontapé numa das colunas, vê-se logo que são bravatas feitas por honra da firma, para manter fama de corajoso.

Ninguém sabe mesmo quem encomendou a máquina. O prefeito jura que não foi ele, e diz que consultou o arquivo e nele não encontrou nenhum documento autorizando a transação. Mas mesmo assim não quis lavar as mãos, e de certa forma encampou a compra quando designou um funcionário para zelar pela máquina.

Devemos reconhecer – aliás todos reconhecem – que esse funcionário tem dado boa conta do recado. A qualquer hora do dia, e às vezes também de noite, podemos vê-Io trepado lá por cima espanando cada vão, cada engrenagem, desaparecendo aqui para reaparecer ali, assoviando ou cantando, ativo e incansável. Duas vezes por semana ele aplica caol nas partes de metal dourado, esfrega, esfrega, sua, descansa, esfrega de novo – e a máquina fica faiscando como jóia.

Estamos tão habituados com a presença da máquina ali no largo, que se um dia ela desabasse, ou se alguém de outra cidade viesse buscá-la, provando com documentos que tinha direito, eu nem sei o que aconteceria, nem quero pensar. Ela é o nosso orgulho, e não pense que exagero. Ainda não sabemos para que ela serve, mas isso já não tem maior importância. Fique sabendo que temos recebido delegações de outras cidades, do estado e de fora, que vêm aqui para ver se conseguem comprá-la. Chegam como quem não quer nada, visitam o prefeito, elogiam a cidade, rodeiam, negaceiam, abrem o jogo: por quanto cederíamos a máquina. Felizmente o prefeito é de confiança e é esperto, não cai na conversa macia.

Em todas as datas cívicas a máquina é agora uma parte importante das festividades. Você se lembra que antigamente os feriados eram comemorados no coreto ou no campo de futebol, mas hoje tudo se passa ao pé da máquina. Em tempo de eleição todos os candidatos querem fazer seus comícios à sombra dela, e como isso não é possível, alguém tem de sobrar, nem todos se conformam e sempre surgem conflitos. Mas felizmente a máquina ainda não foi danificada nesses esparramos, e espero que não seja.

A única pessoa que ainda não rendeu homenagem à máquina é o vigário, mas você sabe como ele é ranzinza, e hoje mais ainda, com a idade. Em todo caso, ainda não tentou nada contra ela, e ai dele. Enquanto ficar nas censuras veladas, vamos tolerando; é um direito que ele tem. Sei que ele andou falando em castigo, mas ninguém se impressionou.

Até agora o único acidente de certa gravidade que tivemos foi quando um caixeiro da loja do velho Adudes (aquele velhinho espigado que passa brilhantina no bigode se lembra?) prendeu a perna numa engrenagem da máquina, isso por culpa dele mesmo. O rapaz andou bebendo em uma serenata, e em vez de ir para casa achou de dormir em cima da máquina. Não se sabe como, ele subiu à plataforma mais alta, de madrugada rolou de lá, caiu em cima de uma engrenagem e com o peso acionou as rodas. Os gritos acordaram a cidade, correu gente para verificar a causa, foi preciso arranjar uns barrotes e labancas para desandar as rodas que estavam mordendo a perna do rapaz. Também dessa vez a máquina nada sofreu, felizmente. Sem a perna e sem o emprego, o imprudente rapaz ajuda na conservação da máquina, cuidando das partes mais baixas.

Já existe aqui um movimento para declarar a máquina monumento municipal – por enquanto. O vigário, como sempre, está contra; quer saber a que seria dedicado o monumento. Você já viu que homem mais azedo?

Dizem que a máquina já tem feito até milagre, mas isso – aqui para nós – eu acho que é exagero de gente supersticiosa, e prefiro não ficar falando no assunto. Eu – e creio que também a grande maioria dos munícipes – não espero dela nada em particular; para mim basta que ela fique onde está, nos alegrando, nos inspirando, nos consolando.

O meu receio é que, quando menos esperarmos, desembarque aqui um moço de fora, desses despachados, que entendem de tudo, olhe a máquina por fora, por dentro, pense um pouco e comece a explicar a finalidade da máquina, e para mostrar que é habilidoso (eles são sempre muito habilidosos) peça na garagem um jogo de ferramentas, e sem ligar a nossos protestos se meta por baixo da máquina e desande a apertar, martelar, engatar, e a máquina comece a trabalhar. Se isso acontecer, estará quebrado o encanto e não existirá mais máquina.

in A máquina extraviada; Veiga, José J. – Civilização Brasileira – Rio de Janeiro, 1974

Saudação ao mundo



Não me lamenteis,
Esta não é a minha verdadeira pátria, vivi exilada de minha
verdadeira pátria, e agora a ela eu retorno,
Retorno à esfera celeste para onde cada um de vós irá por
sua vez.

7

Vejo os campos de batalha da terra, nêles a erva brota e as
flôres e os cereais,
Vejo as rotas das antigas e modernas expedições.
Vejo os monumentos sem nome, mensagens veneráveis dos
fastos, crônicas e heróis desconhecidos da terra.
Vejo a região das sagas,

Vejo os pinheiros e abetos retorcidos pelas borrascas do
norte,
Vejo blocos de granito e penhascos, e verdes campinas e
lagos,
Vejo os dolmens funerários dos guerreiros escandinavos,
Vejo-os elevarem suas pedras às orlas do oceano agitado,
para que os espíritos dos mortos, quando lhes
pesar a quietude do túmulo, subam aos montes
para contemplar as vagas agitadas e se saturem
de tempestades, de imensidade, de liberdade, de
movimento.
Vejo as estepes da Ásia,
Vejo os túmulos da Mongólia, as tendas dos Calmucos e
basquires,
Vejo as tribos nômades com seus rebanhos de bois e vacas,
Vejo as planícies sulcadas de abismos, vejo as selvas e
desertos,
Vejo o camelo, o cavalo selvagem, a betarda, o carneiro
de grande cauda, o antílope, e o lobo que se oculta.
Vejo as terras altas da Abissínia,

Vejo os rebanhos de cabras que pastam, vejo os figueiras,
tamarindeiras e tâmaras,
Vejo os campos de trevos e as planícies verdejantes e
doiradas,
Vejo o vaqueiro do Brasil,
Vejo o boliviano subir o monte Sorata,
Vejo o gaúcho atravessar os pampas, vejo o incomparável
cavaleiro reboleando o laço,
Vejo-o sôbre os pampas a perseguir os animais selvagens
para a conquista de suas peles.

in Saudação ao mundo e outros poemas; Whitman, Walt – Flama – São Paulo, 1944

todos(osso)santos

meus amiguinhos, querem saber o santo do dia?
cliquem aqui










janeiro 25, 2007

A Fada Bombom

























De Tshaikowsky

Tshaikowsky, Tshaikowsky,
Já se ouve no bosque
O timido som.
Cetineo sonido
Que faz o vestido
Da Fada Bombom!

Jamais houve ainda
Princesa mais linda.
Irman de Oberon!
Deslumbro-me, vendo-a!
Parece uma amendoa
A Fada Bombom!

As crianças, dormindo.
Dá beijos, sorrindo.
finissimos. com
Sabor de geleias...
Taes são as drageias
Da Fada Bombom!

Gluglú no clepsydro...
Calçado de vidro.
Sai da agua, bufon.
Cucuf, o anão gago.
Gran-Duque no lago
Da Fada Bombom!

Silencio... Surdina...
Poesia divina.
Só tu tens o dom,
O encanto risonho,
O açucar do sonho
Da Fada Bombom!

E os Poetas, dormindo,
Escutam, sorrindo,
O fino flon-flon,
Cetineo sonido
Que faz o vestido
Da Fada Bombom!

in A Fada Bombom; Fontes, Martins – Radium – Santos, 1927

71



















As caixas de papel guardam segredos
Pelo menos, aprendi assim com as solteironas
Uma após outra, todas tinham a sua
Variando modelos, formas diferentes
Mas gêmeas no cuidado, no guardar.
Uma, entre todas porém, me é merecedora e próxima
Era de uma tia qualquer, igual a todas
Mas tinha a mais uma mancha violeta.
Nem mais nem menos
Só que cheirava, e era bom, e como
Só de pensar... só de ...
Eriçam-se-me umas lembracinhas tolas
E quase escandalosas
Dessas, de solteirona
Daquela manchinha violeta que cheirava.



in O Lamento de Píndaro; Pimentel, Cid – Hucitec – São Paulo, 1987

Uma virtude sábia


Mora agora em mim uma virtude sábia
Prima das putas
Irmã dos comunistas
Companheira constante das beatas
De que massa é feita tal ciência
Eu me pergunto
Só sei que veio de noite, um dia
Em que por entre os claros olhos
Do Tempo
Um menininho atento
Muito atento mesmo
Espiava

in Os originais; Pimentel, Cid – Hucitec – São Paulo, 1986

Busca de Plenitude

Para chegares a saborear tudo,
Não queiras ter gosto em coisa alguma.
Para chegares a possuir tudo,
Não queiras possuir coisa alguma.
Para chegares a ser tudo,
Não queiras ser coisa alguma.
Para chegares a saber tudo,
Não queiras saber coisa alguma.
Para chegares ao que não sabes,
Hás de ir por onde não sabes.
Para vires ao que não possuis,
Hás de ir por onde não possuis.
Para chegares ao que não és,
Hás de ir por onde não és.
Quando reparas em alguma coisa,
Deixas de arrojar-te ao tudo.
Porque para vir de todo ao tudo,
Hás de negar-te de todo em tudo.
E quando vieres a tudo ter,
Hás de tê-Io sem nada querer.
Porque se queres ter alguma coisa em tudo
Não tens puramente em Deus teu tesouro.

in San Juan de la Cruz, o poeta de Deus; Sciadini, Patrício – São Paulo: Palas Atenas, 1989

Tesouro Espiritual


Doçura e Paz

Considera que a flor mais delicada
mais depressa fenece
e perde o perfume;
guarda-te, pois, de querer caminhar
pelo espírito de sabor,
porque não serás constante;
mas escolhe para ti
um espírito forte,
não apegado a coisa alguma,
e encontrarás doçura e paz em abundância;
porque a fruta mais saborosa e duradoura
colhe-se em terra fria e seca.

in San Juan de la Cruz, o poeta de Deus; Sciadini, Patrício – São Paulo: Palas Atenas, 1989

O Avô das Traíras*



















Dizem que o avô das Traíras é o Sapo. Muito zeloso, sempre que ele vê qualquer perigo previne logo as netinhas. Um dia, avisou:

– Minhas netas, está chegando a hora da enchente e vocês precisam se cuidar. Ontem à tardinha eu fui dar um passeio na beira do rio e escutei o pessoal comentando: "Vamos preparar os anzóis para pegar umas Traíras. A época boa é essa”.

As Traíras ficaram assustadas, mas ele logo falou:

– Não fiquem tristes com isso, não: venham aqui que eu vou afiar os dentes de vocês.

E trabalhou dia e noite sem parar.

É por isso que as Traíras têm os dentes afiados e cortam tudo que é anzol.


(*) Peixe da família dos caracídeos, de coloração quase preta, flancos pardos-escuros, abdome branco, manchas escuras irregulares pelo corpo. Dentes cortantes, carnívoro. Chega a atingir 40 cm. Sinônimos: dorme-dorme, maturaquê, robafo, rubafo (Hoplias malabaricus Bloch).

in 100 Kixti (estórias) Tukano. (Lagório, Eduardo coord.; Cascudo, Luís da Câmara apres.) Fundação Nacional do Índio, Brasília, 1983. (Col. Brasilíndio – vol. 1)

Ítaca





















Se partires um dia rumo à Ítaca
Faz votos de que o caminho seja longo
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem lestrigões, nem ciclopes,
nem o colérico Posidon te intimidem!
Eles no teu caminho jamais encontrarás
Se altivo for teu pensamento
Se sutil emoção o teu corpo e o teu espírito. tocar
Nem lestrigões, nem ciclopes
Nem o bravio Posidon hás de ver
Se tu mesmo não os levares dentro da alma
Se tua alma não os puser dentro de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
Nas quais com que prazer, com que alegria
Tu hás de entrar pela primeira vez um porto
Para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir.
Madrepérolas, corais, âmbares, ébanos
E perfumes sensuais de toda espécie
Quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrinas
Para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas, não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
E fundeares na ilha velho enfim.
Rico de quanto ganhaste no caminho
Sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu
Se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência.
E, agora, sabes o que significam Ítacas.

Constantino Kabvafis (1863-1933)
in O Quarteto de Alexandria - trad. José Paulo Paes.



***

Quando partires de regresso a Ítaca,
deves orar por uma viagem longa,
plena de aventuras e de experiências.
Ciclopes, Lestrogónios, e mais monstros,
um Poseidon irado - nas os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho,
se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime
teu corpo toca e o espírito te habita.
Ciclopes, Lestrogónios, e outros monstros,
Poseidon em fúria- nunca encontrarás,
se não é na tua alma que os transportes,
ou ela os não erguer perante ti.
Deves orar por uma viagem longa.
Que sejam muitas as manhãs de Verão,
quando, com que prazer, com que deleite,
entrares em portos jamais antes vistos!
Em colónias fenícias deverás deter-te
para comprar mercadorias raras:coral e madrepérola,
âmbar e marfim,e perfumes subtis de toda a espécie:
compra desses perfumes o quanto possas.
E vai ver as cidades do Egipto,
para aprenderes com os que sabem muito.

Terás sempre Ítaca no teu espírito,
que lá chegar é o teu destino último.
Mas não te apresses nunca na viagem.
É melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha,
rico do que foi teu pelocaminho,
e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.
Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
Sem Ítaca, não terias partido.
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.
Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.
Sábio como és agora,
senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de Ítaca.

Cavafy, Constantino. 1970. 90 e mais quatro poemas. Coimbra: Fora do Texto. (Tradução de Jorge de Sena)

Catecismo menor

240. De que maneira é profanado o nome de Deus?
O nome de Deus é profanado, 1º quando alguém ensina de modo diverso do que diz a Palavra de Deus e 2º quando alguém vive de modo diverso do que ensina
a Palavra de Deus.

473) Ez. 22:26. Os seus sacerdotes transgridem a minha Lei, e profanam as minhas cousas santas.

474) Mat. 5:16. Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus.

in Catecismo menor, Martinho Lutero, trad. R. Hasse, 7ª edição, Casa publicadora Concórdia S. A., Porto Alegre, 1957

Tsuru mulato

Tsuru – a garça branca – é o símbolo da nova vida entre outros significantes na cultura nipônica. É evocada para auxiliar os partos. A garça que apresento é mulata. Banzai.
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