março 31, 2007

Fusão dos sexos


Avalokitesvara, silver statue, India, 20th c.

in The androgyne; Zolla Elémire – Thames and Hudson – London, 1981

março 30, 2007

Círculo

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in L'homme et son corps: dans la société traditionnelle; Editions de la Réunions des musées nationaux – Paris, 1978

março 29, 2007

Arquétipos

...Podemos chamar essas tendências de arquétipos da personalidade escondida das pessoas. Dizemos escondida porque, não há nenhuma dúvida, certas tendências inatas não podem desenvolver-se livremente dentro de cada um, no decorrer de sua existência, se elas entrarem em conflito com as regras de conduta, admitidas nos meios em que vivem. A educação recebida e as experiências vividas, muitas vezes alienantes, são as fontes seguras de sentimentos de frustração e de complexos, e seus conseqüentes bloqueios e dificuldades.


Oxumaré, o orixá da riqueza.

...Se uma pessoa, vítima de problemas não-solucionados, é “escolhida” como filho ou filha-de-santo pelo orixá, cujo arquétipo corresponde a essas tendências escondidas, isso será para ela a experiência mais aliviadora e reconfortante pela qual possa passar. No momento do transe, ela comporta-se, inconscientemente, como o orixá, seu arquétipo, e é exatamente a isso que aspiram as suas tendências secretas e reprimidas.
...Toda essa experiência permanecendo no domínio do inconsciente, o resultado da intervenção do orixá pode ser comparado ao dos psicodramas de Moreno, com a diferença, porém, que, ao invés de ser um processo que tende a liberar um doente de suas angústias, no meio deprimente de uma clínica, o inexprimível é mais poeticamente exteriorizado numa atmosfera de agradável exaltação, no decorrer de uma brilhante festa, onde reina a amigável aprovação de admiradores fascinados.

Um elégùn de Xangô.

...Os arquétipos de personalidade das pessoas não são tão rígidos e uniformes como os descritos nos capítulos seguintes, pois existem nuances provenientes da diversidade de “qualidades” atribuídas a cada orixá. Oxum, por exemplo, pode ser guerreira, coquete ou maternal, dependendo do nome que leva. Como veremos, diz-se que há doze Xangôs, sete Oguns, sete Iemanjás, dezesseis Oxalás (na África eles seriam cento e cinqüenta e quatro), tendo cada um suas características particulares. Eles são, segundo os casos, jovens ou velhos, amáveis ou ranzinzas, pacíficos ou guerreiros, benevolentes ou não.
...No Brasil, além do mais, cada indivíduo possui dois orixás. Um deles é mais aparente, aquele que pode provocar crises de possessão, o outro é mais discreto e é “assentado”, fixado, acalmado. Apesar disso, ele influencia também o comportamento das pessoas. O caráter particular e diferenciado de cada indivíduo resulta da combinação e do equilíbrio que se estabelecem entre esses elementos da personalidade.

in Orixás: Deuses Iorubas na África e no Novo Mundo; Verger, Pierre Fatumbi – Corrupio – Salvador, 1992

Mergulho no hiperespaço

.
Esses discos luminosos,
esses discos voadores confundindo as moças de bem,
iludindo pilotos e beatos.
Falo dos contatos intergaláticos
— de primeiro, segundo e sétimo grau —
o momento em que a luz é verde ou lilás
conforme o formato espiritual de quem faz vigílias na noite
ou incorpora essas auras siderais.
Ah, esses discos me preocupam demais.
Com seus bronzes selenitas
e seus mantras de paz
trazem a água de Aquárius.
Viajantes amigos, caseiros e misteriosamente belos
no reencontro com seus irmãos.
Bem-Vindos.


in Roteiro Mágico de Brasília; Luz, Dioclécio – Codeplan – Brasília, 1986

Cipriano



Basilica di S. Giustina, Padova

Feriados Nacionais do Japão



1 de Janeiro — Ano Novo
15 de Janeiro — Dia da Maioridade
11 de Fevereiro — Dia da Fundação do País
21 de Março — Equinócio da Primavera
29 de Abril — Dia do Verde
3 de Maio — Dia da Constituição
5 de Maio — Dia das Crianças
20 de Julho — Dia do Mar
15 de Setembro — Dia de Respeito aos Idosos
23 de Setembro — Equinócio do Outono
14 de Outubro — Dia da Saúde e Esporte
3 de Novembro — Dia da Cultura
23 de Novembro — Dia da Ação de Graças
23 de Dezembro — Aniversário do Imperador

* Quando um feriado cai num domingo, o dia seguinte é considerado feriado.
* Quando os dias 3 e 5 de maio caem em um dia da semana, o dia 4 de maio, também é feriado.

Óptica



o dia amanheceu
excessivamente nítido.
Silenciosos e tormentosos ramos,
conspectos em amarelas flores.
Nua pele de lua a deixar
úmidos rastros laminares.
Ipês e paineiras ao desalinho,
orvalho colhido em linho.
Receptáculo aos cântaros,
vicejante fascínio intermitente.
Prenda à folia contida,
às mãos trancafiadas,
às mães a embalar
filhos não paridos.
Querência à brandura do solo,
em vagos lumes a lacrimejar.
Fluido orgânico aquoso,
vinho vivo macerado.
O dia amanheceu
excessivamente nítido.
Primária divisão de artéria,
células indistintas inundadas.
Nitidez excessiva,
lacínia de pétala desvendada.
Sede saciada na forma de amora,
alçar a esperada hora,
abilhamento de lábios a borboletear.
Encontro de todas as águas,
compleição de teus olhos nus.
Aspecto excessivamente nítido
de dia amanhecido.

in Samurai azul; Yzumida, Sergio A. M. – Oficina de Letras – São Paulo, 2006

A preocupação do artesanato



...A crítica de Mário de Andrade na sua fase de cristalização, passava a valorizar fortemente os elementos formais, técnicos do verso. Repugnava-lhe a idéia corrente de que poesia era simplesmente uma procura de essências, apenas inspiração. A ausência de vocação artística dos moços desagradava-o profundamente. Censurava aquela dissolução do verso na prosa, mal de que padecia a poesia moderna consoante a observação já antiga de Tristão de Ataide. O atecnicismo desespera-o: — “Desapareceram os artistas do verso, e o que é pior, poesia virou inspiração. Uma rapaziada ignorantíssima da arte da linguagem, sem a menor preocupação de adquirir um real direito de expressão literária das idéias e dos sentimentos, se agarrou à lengalenga das compridezas, que se era uma necessidade expressiva para os que lançaram entre nós o versículo bíblico (ou claudeliano se quisermos) não representa para aqueles a menor necessidade, a menor fatalidade lírica. Representa pura e simplesmente um processo de não se preocupar com a arte de fazer versos. Neste sentido, quase todos os nossos poetas novos e alguns veteranos são uns desonestos”.
...Este ponto de vista constituiu como que o núcleo essencial da estética de Mário de Andrade na sua hora de cristalização. Poesia não é apenas inspiração, poesia não é apenas sentimentalidade e calor lírico, é algo mais do que a substância poética, é forma, é trabalho, é arte. Se a preocupação das essências leva à valorização do conteúdo poético, com isso não devemos descuidar do continente em que ele necessariamente deverá caber. Esse atecnicismo, essa dissolução dos elementos formais do verso, foram as muralhas que certa mediocridade poética derruiu para depois espojar-se no interior do templo de que ela era a grande profana. A idéia do artesanato, êle desenvolveu excelentemente na sua aula inaugural de um curso universitário e que abre o volume “O Baile das Quatro Artes”, e em todos os momentos vindouros de sua crítica a preocupação artística reaparece como um “slogan” indispensável, como uma preocupação obsessiva e que vinha marcar a poética final de Mário de Andrade de um forte caráter de coerência e determinação.

in Revista do arquivo municipal; Haddad, Jamil Almansur – Departamento de Cultura – São Paulo, 1946 – Fotografia: Benedito J. Duarte

março 28, 2007

Poemas



Tanto para as pessoas fascinadas pela China, como para as que exorcizam sua presença política no mundo contemporâneo, o nome de Mao parece sempre cercado de um prestígio mitológico. Não é por acaso que, na Europa como na América, venderam-se milhões de exemplares do pequeno breviário vermelho de seus “Pensamentos”, traduzido em todas as línguas. Criador da nova China, um país com perto de um bilhão de habitantes, foi sobre a poesia que Mão Tse-tung fundou a grande marcha de seu povo para a liberdade. Como Ho Chi Minh, seu contemporâneo, e que se dirigia aos seus soldados em poemas, sabia a lição de Hoelderlin de que “só os poetas fundam as coisas permanentes”. Alexandre Magno proclamava que a Grécia fora fundada pelos versos de Homero, e era ao ritmo das estrofes de Tirteu, de Alceu ou de Píndaro, que os soldados gregos ganhavam as batalhas, quando o povo era convocado por uma elegia para ordenar sua constituição política. A grandeza de Roma se fez sobre a epopéia de Virgílio, a unidade italiana foi construída sobre o poema de Dante. Portugal sobreviveu graças aos versos de Camões, e ainda na última guerra era com passagens de Shakespeare que Churchill transmitia ordens ao almirantado inglês. Guerreiro e político, homem de refinada cultura e vasta erudição, Mao Tse-tung tinha, na poesia, a força maior de seu espírito e de sua ação. Sua própria obra política há de durar enquanto durarem esses versos plantados nas águas, nas montanhas, no chão de seu país. E no coração de seu povo.

Gerardo Mello Mourão


A GRANDE MARCHA 24

— lüshi 25

O Exército Vermelho não teme a prova de uma longa marcha,
mil montanhas e dez mil rios nada lhe significam,
para ele as Cinco Cordilheiras são ondas em leve dança 26
e os picos da montanha de Wumen rodam como bolas de barro. 27
São tépidas as serras mergulhadas na neblina, lavadas pelo rio Areias de Ouro 28
e são frescas as cadeias de ferro que atravessam o Dadu. 29
O Exército está feliz entre as infinitas neves de Minshan 30
quando as cruzamos,
um sorriso nasce em cada rosto.


24) Em outubro de 1934, o Exército Vermelho abandonou a base de Chiangsi e realizou uma marcha de 25 mil li — uns 12 mil e 500 quilômetros, através das províncias de Fuchien, Chiangsi, Guangdong, Hunan, Guangsi, Güichou, Yunnan, Sechuán e Gansu. Em outubro de 1935, chegou à base antijaponesa no norte de Shensi.
25) Um lüshi se compõe de oito versos, com sete ou cinco hieroglifos em cada um.
26) As Cinco CordIlheiras se estendem através das províncias de Hunan, Guangdong, Guangsi e Güichou.
27) Montanha situada entre Yunnan e Güichou.
28) Rio no curso superior do Yangtsé, emYunnan.
29) Rio de Sechuán. A ponte Luding, sobre este rio, foi construída
com treze cadeias de ferro que sustentam pranchas de madeira soltas.
30) Montanha que se estende através de Chinghai, Gansu, Shensi e
Sechuán.



in Poemas; Tse-tung, Mao – Paz e Terra – Rio de Janeiro, 1979

Santificação da Festa



O homem, por lei natural, tem obrigação de dar a Deus o culto devido e, por lei divina, deve consagrar determinados dias ao culto divino, A Igreja, interpretando o preceito divino, especificou o modo de se santificar os Domingos e as outras festas de preceito.

a) Abster-se das obras servis (os trabalhos manuais próprios dos artífices e dos operários), que não são necessários para a vida e para o serviço de Deus e não justificados pela piedade ou por grave motivo.

b) Ouvir Missa inteira com devoção e atenção, exceto nos casos de impotência física, ou por graves motivos de caridade por grave incômodo ou enfermidade.

Convém ocupar os dias de festa para o bem da alma, fazendo alguma boa obra longe de toda dissipação e de todo vicio ou pecado e para descanso do corpo.

Não basta adorar a Deus interiormente no coração, mas devemos prestar-lhe o culto externo ordenado, porque a êle estamos sujeitos em todo o ser, alma e corpo, porque devemos dar o bom exemplo e porque do contrário perde-se o espírito religioso.


in Missal Romano Cotidiano: Latim-Português; Pia Sociedade de São Paulo – Paulinas – São Paulo, 1963

Herr och Fru



martelo m hammare; ~ pneumático pneumatisk borr

in Portugisisk-Svensk Ordbok – Dicionário Português-Sueco; Fernandes, Alexander and Thunholm, May – Futura – Stockholm, 1971

março 26, 2007

Couragem



Francis Picabia – "Courage / Le brave" – (1947); Oil on cardboard – Private collection; Image Copyright © (cf. Olga's Gallery)

Enfim


Dragão



Moreau, Gustave; Saint George; Oil on canvas, 55 5/8 X 38 1/8 in; National Gallery, London, 1890

Aos que choram



De todas as provas por que temos de passar, a partida para o além, dos nossos queridos, é, sem dúvida, uma das mais dolorosas.

Notai que não dizemos a “mais dolorosa”, porém, “uma das mais”. E assim nos expressamos, porque aos nossos entes extremecidos podia suceder alguma coisa que nos ferisse mais profundamente que a própria morte: a prática de um crime aviltante, a degradação moral ou a escravisação de um vício torpe como a embriaguês, o jogo, os entorpecentes, as orgias. Reputamos êstes casos mais angustiosos que a morte. E não será acaso, isto, um motivo já de consolação?

Certamente, que sim.

Temos por costume chorar e lamentar muito a partida das pessoas boas e justas. Pois, quanto melhores elas tinham sido nesta existência, menos razão nos assiste para chora-las. Si é verdade que existe além do tumulo uma outra vida — a real e imperecível — onde habita a justiça e impera o amor, elas estarão fruindo o justo galardão dos bons predicados que possuem.

Sofreram muito nêste mundo? Foram duros os revézes e os padecimentos que suportaram nesta existência? Lá está, para tudo reparar e retribuir, a indefectível justiça divina expréssa nesta sentença: A cada um será dado segundo suas obras. Se foram bôas as obras de nossos queridos, porque, então, lamenta-los?

Se somos crêntes, a fé que professamos deve ser bastante fórte paraconsolar-nos, para mitigar a dôr que nos compunge nos transes angustiosos por que passamos. Lembremo-nos que ha de ser precisamente nas horas de amargura que a nossa fé ha de valer.




in Reformador: Mensário religioso de Espiritismo Cristão – Federação Espírita Brasileira – Rio de Janeiro, 1952

São Paulo de Andrade



Rio sem curso
cidade sem recurso
recuso-me a morrer
recuso-me a matar-te na lembrança


Já supermarcada esmagas hoje, o ontem, o amanhã e o sempre
Supernecrópole. Super! Super! Super!


To be destroyed


Para ter sido
Para ter sido

in São Paulo de Andrade; Farkas, João Paulo – Massao Ohno Editor – São Paulo, 1976

março 25, 2007

Detalhe



Giotto; Giudizio universale; afresco, 1000 x 840 cm (afresco completo) - Cappella Scrovegni, Padova, 1306

Roteiro

Retrato do rei D. João V (1689 – 1750); Óleo sobre tela; Séc XVIII; Autor: Carlos António Leoni; 74,8 X 100,6 cm

Cadeirinha; Séc. XVIII (final); Trabalho português; Dim. cx. 155,0 X 95,0 X 79,0 cm; Revestida a veludo vermelho; Pertenceu à Família Real Portuguesa.


in Museu Nacional dos Coches; Fotografia: Henrique Ruas e Antonio Ventura – Instituto Português do Patrimônio Cultural – Lisboa, 1989

Movimentos rústicos



...Morto o Conselheiro, esperou-se, de acordo com o que anunciara, que ressuscitasse no terceiro dia; terminados os três dias, como “antes mesmo de sucumbir já catingava!, os adeptos não suportaram o odor e sepultaram-no. Persistiu, porém, a crença de que ressurgiria entre milhões de arcanjos de espadas flamejantes, que destruiriam todos os inimigos. (88) Medidas foram tomadas pelo governo para que a legenda não se espraiasse, (89) mas ainda em 1950 era assinalada no local pelo menos uma família que aguardava o regresso do Conselheiro em carne e osso. (90) O “tempo do Conselheiro” adquiriu conotação de Idade de Ouro, na região: “havia de tudo por estes arredores. Dava de tudo, e até cana-de-açúcar de se descascar com a unha nascia bonitona por estes lados. Legumes em abundância e chuvas à vontade (...) Esse tempo parece mentira...” Hoje, no entanto, o quadro mudou, “as secas assolando tudo, o terreno de Canudos não dando para nada”. (91)
...De todas essas lendas só restam atualmente vestígios em poesias e trovas de vates locais, celebrando o Conselheiro como o grande taumaturgo, o grande chefe guerreiro do interior nordestino, mas perdendo-se quase o seu renome de santo.

Quem quiser remédio santo
Lenitivo para tudo
Procure o Conselheiro
Que ele está lá nos Canudo.
Santo Antônio Conselheiro
Era um velho endiabrado;
Fez trincheira na Igreja
Sem ser visto nem notado.
(92)

(88) A. MONTENEGRO, 1954, págs. 41, 59; Calazans, 1950, págs. 91, 94-95; Macedo SOARES, 1959, pág. 413. Relativamente à luta, ver o excelente trabalho de Walnice Nogueira GALVÃO, I974.
(89) Para isso, foi o cadáver de Antônio Conselheiro exumado, separada a cabeça do corpo, e aquela enviada ao Dr. Nina RODRIGUES, em Salvador, a fim de que este verificasse ou não a existência de estigmas de loucura. Este cientista conclui que "o crânio de Antônio Conselheiro não apresentava nenhuma anomalia que denunciasse traços de degenerescência" (Nina RODRIGUES, 1939, pág. 131). Ver em Optato GUEIROS o relato de que a cabeça não era do Conselheiro mas sim de Manuel Quadrado (1956, págs. 220-221).
(90) Em 1916 várias famílias habitam ainda o local e crêem no regresso; em 1950, parece que apenas uma ali restava, mas sempre fiel à crença (A. MONTENEGRO, 1954, pág. 59).
(91) Odorico TAVARES, 1951, págs. 272, 275.
(92) CALAZANS, s. d., pág. 62; CALAZANS, 1950, págs. 95-97.

in O messianismo no Brasil e no mundo; Queiros, Maria Isaura Pereira de – Alfa-Omega – São Paulo, 1977 – Foto: Flávio de Barros

The Carpetbaggers


A Cultura e a Arte



No mundo de hoje, toda a cultura, toda a literatura e toda a arte pertencem a classes determinadas e estão subordinadas a linhas políticas determinadas. Realmente não existe arte pela arte, nem arte que esteja acima das classes, uma arte que se desenvolve fora da política ou independentemente desta. A literatura e a arte proletárias são uma parte do conjunto da causa revolucionária do proletariado; como dizia Lenine, elas constituem “uma pequena roda dentada e um pequeno parafuso” da máquina geral da revolução.

“Intervenções nos colóquios de Ienam sobre literatura e arte” (Maio de 1942), Obras Escolhidas, Tomo III.

in O livro vermelho; Tung, Mao Tse – Global – São Paulo, sd – Ilustração: Guinigui

Mitologia e Arte

Turner, Joseph Mallord William; Ulysses deriding Polyphemus - Homer's Odyssey
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Ingres, Jean Auguste Dominique; Jupter and Thetis


Dossi, Dosso (Giovanni Luteri); Circe and her lovers


Paxton, William McGregor; Nausicaa
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Clássicos ilustrados



Edição Maravilhosa (Clássicos Ilustrados) • Publicação Mensal de Propriedade da Editora Brasil-América Limitada. Especializada em Revistas para Rapazes, Moças e Crianças. • Direção de Adolfo Aizen. • Escritórios, Redação e Oficinas em Edifício Próprio: Rua General Almério de Moura, 302 (Antiga Rua Abílio), São Januário. • Telefone 48-6391. • Rio de Janeiro (D.F.). Brasil. • Direitos adquiridos a “Classics Illustrated", The Gilberton World-Wide Publications – U.S.A.

A primeira página interativa



...A tradição judaica sempre primou pelo desejo de dar atenção à mídia, ao meio do qual fazia uso para transmitir sua cultura e herança. A Tora foi transmitida na mais sofisticada mídia da época — a escrita. As Escrituras se utilizavam de letras impressas em pedra e papiro. O hardware, por mais rudimentar, foi explorado ao máximo através do conceito de um texto que diz o que diz e que também diz o que não diz. Inaugurava-se não apenas o texto, mas o comentário.
...Foi, no entanto, quase um milênio depois, com a compilação do Talmud, que a mídia para passagem da tradição ganharia uma fantástica inovação. O Talmud é uma obra monumental em tamanho e ousadia onde os rabinos registraram a tradição oral que não estava contida nas Escrituras Bíblicas. Ainda dispondo de hardwares muito semelhantes, o Talmud foi concebido como a primeira página interativa da história humana. Numa página (daf) se encontram janelas para comentaristas de várias gerações e séculos distintos (vide ilustração). Além das opiniões registradas nos tratados em si, os diversos comentários ao redor da página são diálogos entre indivíduos que viveram em épocas distintas, que jamais se encontrariam no mundo físico, mas que se encontram no mundo virtual que o Talmud estabelece. Não apenas isto, mas o rodapé e as margens (tools) de cada folha trazem um cruzamento de informações que torna possível identificar interfaces de um assunto tratado no Talmud com outras fontes do próprio texto talmúdico ou do texto bíblico.
...O Talmud representa um trabalho de design gráfico extremamente arrojado; que permite a abertura simultânea de várias telas (janelas) que se sobrepõem. A mídia aqui permite não apenas o comentário, mas o comentário do comentário. Assim sendo, possibilita acompanhar o próprio processo mental de decifrar e comentar. A euforia daquele que se conecta com o Talmud é semelhante a de quem usufrui hoje de páginas interativas que permitem acessar inúmeras janelas. Pode, portanto, acessar mentes do passado, de várias épocas diferentes, sem sair de sua página. Uma mente pode levá-lo a outra, um assunto a outro... A teia fantástica que se tece deve-se não apenas ao conteúdo do texto, mas à formatação original que deu uma nova dimensão ao próprio texto.
...A mídia é fundamental para a compreensão não especificamente do conteúdo de um texto ou informação, mas para que se compreenda em que contexto estes se expressam.

in Portais secretos: Acessos arcaicos à internet; Bonder, Nilton – Rocco – Rio de Janeiro, 1966

Revenant

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Gleyre, Charles; Daphnis and Chloe Returning from the Mountain; Oil on panel; 31 3/8 x 24 3/8 in (80 x 62.2 cm)

março 24, 2007

Natureza da coisa



A cauda da história

O reino que se tem
era o reino que se tinha.

Seleuco era senhor
da Pérsia, Mesopotâmia
e Síria.
Lisímaco em sua faixa
sobre a Ásia
Menor e sobre a Trácia
traçou sua geografia.
Nessa linha,
com as armas de nova
insônia,
Cassandro se apossou
da outra Macedônia
ao lado do mar Egeu.
Além Fenícia e Egito seu,
Cassandro cassou
o sono de Ptolomeu
atrás do sonho e sina
de ser dono da Palestina,
sua viva promessa finda.

Assim foi
a história serpentina:
— uma serpente sem cauda
que para trás e para frente
se enlaça ferida
e ferina
na própria causa intestina
de sua história perdida.


in Natureza da coisa; Chamie, Mário – Maltese – São Paulo, 1993

Seqüência três



Agarrando a Cauda do Pássaro

29a, 29b, 29c, 29d e 2e — Execute um movimento em que o braço direito vai para trás, faz um movimento semicircular para cima e volta à frente ao mesmo tempo que a mão esquerda se posiciona em frente ao abdômen como se ambas estivessem segurando uma bola. Traga o pé esquerdo próximo ao pé direito e em seguida avance-o à frente transferindo o peso do corpo sobre a perna esquerda e avançando à frente enquanto move os braços segundo as setas da ilustração.

in Técnicas básicas do T’ai Chi Ch’uan: Método chinês de controle do corpo e da mente; Natali, Marco – Tecnoprint – São Paulo, 1988

Leito da Terra


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A serpente imaginária é uma serpente real muito perigosa (Leimadophis almadensis) O Fato de ser o primeiro nomeado pode ser um eco do mito cristão da serpente. Lembremo-nos, todavia, de que a serpente ocupa na mitologia indígena o lugar análogo do perigo e da morte, da sujeira.
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in A fala sagrada: Mitos e cantos sagrados dos índios Guarani; Clastres, Pierre – Papirus – Campinas, 1990

março 23, 2007

Mboi



...boitatá s. m. Var.: 7 baetatá, 8-9 boitatá, 8 mboitátá, 9 boi-tatá [– m aeta’ta – m a’e ‘coisa’ + ta’ta ‘fogo’ ~ VLB I. 85: Cousa = Baê. lb. I. 140: Fogo = Tatâ ~ Na var. boitatá houve intercorrência do T. ‘m oia ‘cobra’ que ocorre em inúmeros tupinismos (cp. BOICININGA, BOIPEBA etc.); daí a razão da equivalência: boitatá = cobra de fogo].
...Fogo-fátuo.
...[1560 ANCHIETA Carta in S. Leite Cartas III. (1958) 235: Sunt. et alii in littoribus maxime, secus mare et flumina versantes, qui baê tatâ, hoc est res ignis appellantur, quod idem est ac si dicas aliquid quod totum est ignis.]. 1706 M. BERNARDES Nova Floresta I. x. § III. 402: O P. Joseph da Costa da Companhia de Jesus refere entre as noticias do mundo novo, que se vem andar vagando pelos bosques muitos destes espíritos, a que os naturaes chamaõ Curopirá: e outros nas aguas a que chamaõ Igpupiará; e outros nas praias do mar e ribeiras dos rios, que chamaõ Baetatá: estes levaõ diante de si fogo inqúieto, que discorre a huma, e outra parte; [...]. 1872 TAUNAV lnocéntia (2ª ed., 1884, viii. 90): Tambem a gente anda por estas estradas afóra como se fosse alma do outro mundo a penar... algum currupira... ou boitatá... Cruzes! 1874 J. ALENCAR Ubirajara ii. 65: — Chama ao hospede Boitatá, porque elle tem os olhos da grande serpente de fogo, que vôa como o raio de Tupan. 1876 COUTO DE MAGALHÃES O Selvagem II. v. 138: O mboitátá é o genio que protege os campos contra aquelles que os incendeiam; [...]. 1911 A. MAlA Tapera 125: Contavam-lhe lendas, em macabro desfile na sua imaginação assustadiça: era o boi-tatá, a cobra da grande noite, que devorára os olhos de todos os animaes mortos; [...]. 1918 SIMÕES LOPES Lendas do Sul 5: Vem da lbéria, a topar-se com a injenua e confuza tradição guaranitica (v. g. a lenda da M'boi-tátá), a mescla cristã-arabe de abuzões e misticismo, dos encantamentos e dos milagres; desses elementos, confundidos e abrumados (P. ex. a salamanca do serro do Jarau), nasceram idealizações novas e tipicas, adaptadas ou decorrentes do meio fizico e das gentes ainda na crassa infancia das concepções. IDEM lb. 12: Não conheceram e julgando que era outra, muito outra, chamaram-na desde então, de boi-tátá, cobra de fogo, boi-tátá, a boi-táta. 1928 M. ANDRADE Macunaíma iii. 38: Botaram o anjinho numa igaçaba esculpida com forma de jaboti e pros boitatás não comerem os olhos do morto o enterraram mesmo no centro da taba com muitos cantos muita dansa e muito pajuari.

in Dicionário Histórico das Palavras Portuguesas de Origem Tupi; Cunha, Antônio Geraldo da – Melhoramentos – São Paulo, 1982 – Ilustração: Guinigui

Para os que nasceram no dia 19


LIN — APROXIMAÇÃO
Acima K’UM, O RECEPTIVO, TERRA
Abaixo TUI, A ALEGRIA, LAGO


Seu número kármico é o 19 (voltado para o Céu). Você poderia ser descrito como um aventureiro que chega muito perto do gesto ilícito nos seus assuntos pessoais. Você se interessa por uma ampla variedade de idéias, mas tem dificuldade para consolidar os seus pontos de vista ou ser coerente nas suas ações. Talvez você ache difícil cumprir as suas promessas. Você tem uma enorme energia física e mental, e pode ser espantosamente original e habilidoso, o que o capacitará a vencer muitas tormentas. Se desejar uma vida mais tranqüila, deverá navegar deliberadamente para águas mais calmas. A fim de compensar os riscos inerentes à sua personalidade, seria aconselhável cultivar relacionamentos com pessoas que o aceitam tal como você é, não procurem modificá-lo e que, ao mesmo tempo, possam proporcionar-lhe apoio e segurança quando você corre algum risco. Em sua natureza coexistem extremos de agressividade e brandura.
.
in Karma e destino no I Ching; Damian-Knight, Guy; Trad. Paulo César de Oliveira – Pensamento – São Paulo, 1987

março 22, 2007

Del salto del Unicornio



El Unicornio se transforma en el esplendor de su soledad. Manifiesta su entusiasmo con grandes saltos que bestia alguna iguala en el reino animal, y así revela ese terrible abandono antiguo, que forma el natural oculto de la creatura; contemplarlo produce calma: parece desafiar voluntariamente lãs leyes naturales que permiten a la Tierra apropiarse y abatir velozmente las cosas todas. El Unicornio parece alzarse impulsado por uma ráfaga invisible.

Sin embargo, el rostro de la bestia jamás pierde su expresión serena en medio de tan arriesgado despliegue. De esto, el único entre los hombres; tuve el privilegio de ser testigo com mis propios ojos.


in De Historia et Veritate, Unicornis; texto descoberto e anotado por Green, Michael – Urano – Barcelona, 1989

Cruxificción



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in Jacopo Tintoretto y la Scuola Grande de San Rocco; Valcanover, Francesco – Storti – Veneza, 1983 – Ilustração: Crucificação (detalhes); Tintoretto – Óleo sobre tela – (536x1224) 1565

Desde

...No ano de 1882, para uma população de 4.912.293 pessoas, o Brasil tinha 1.433.170 trabalhadores livres, 656.540 trabalhadores escravos e 2.822.583 desocupados. Esta grande massa de desocupados já era constituída de ex-escravos, na sua maioria sexagenários. Com o 13 de Maio de 1888, a parcela de escravos se incorporará à grande massa de desocupados, sem possibilidades de conseguir emprego, marginalizada e perseguida. Cria-se, por isto, logo após a proclamação da República o crime de vadiagem...
.
in O negro no mercado de trabalho; Moura, Clóvis – Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra – São Paulo, 1986 – Charge de Pestana

Um dois dois três




in Sem título; Ribeiro, Flávia – Edição do autor – 1991

março 21, 2007

O elogio do marinheiro e da noiva



Quando cantava uma partida próxima
Ou em aflito esperar pelo dia, ou
Como fazem ifigênias iguais em todo porto
Repetindo o balé já sabido por ambos,
Assim ou assado, tanto se lhe dá (ou come),
Principalmente agora, outros rituais, talvez.
Cem por cento, ou cem por uma?
Na seleção dos gestos, roupas e atavios,
Lã do encostar doce-molente em cada corpo,
Corpos lavados, lisos, penteados,
Um pouco de dinheiro novo é bom.
Talvez o grito, o gozo, seja falso hoje,
Talvez não hoje, mas amanhã, quem sabe?
Existe mesmo o toque do sagrado, é certo.
Existe mesmo o toque do sagrado.
Não fora assim, porém, fácil seria o erro,
O mesmo antigo, eterno e sempre branco alvo
Vestido lógico, comum de dois somente:
A Noiva,
O Marinheiro.


in Os originais; Pimentel, Cid – Hucitec – São Paulo, 1986 – Ilustração: Guinigui

Metáforas e imagens



...Neste caso, a problemática feminina apresenta algumas de suas características. A busca ao “estranho” engloba aqui tudo que foge à imagem construída para a mulher. É evidente que há diferenças no interior do grupo feminino recluso no hospício — de classe, de níveis de opressão e consciência quanto à sua condição, de instrução e de experiência pessoal e social. Mas perpassa todas estas histórias o dado comum de ter nascido mulher em uma cultura e em uma circunstância histórica em que este simples e fortuito evento é, de per si, tomado como uma deficiência. “Tudo o que diz respeito à mulher está mergulhado na natureza e suas leis. Seu corpo a ancora na natureza”, isto é, corpo destinado a “nutrir, compreender, abraçar, acolher, sustentar, revigorar, descansar a outros. A única subjetividade que lhe é reconhecida é a de viver uma constante doação ou uma constante anulação de si mesma".31
...Vestir-se e hornem, Viajar só. Recusar o casamento, a maternidade, a família. Manifestar uma independência essencialmente estranha àquela sociedade. No caso da loucura feminina, a transgressão não atinge apenas as normas sociais, senão à própria natureza, que a destinara ao papel de mãe e esposa. As metáforas e imagens literárias que cercam o discurso sobre a figura feminina são pródigas em caracterizar a mulher/natureza: a terra que nutre e sustenta, a árvore frondosa que oferece sombra e proteção, e até no reino animal foram os médicos e pedagogos buscar paralelos nem sempre muito felizes.32 Neste sentido, de modo geral, a sanção e a condenação para comportamentos anômalos acabam assumindo, no caso das mulheres, o caráter de julgamento muito mais profundo, e o comportamento “estranho” aparece aí como muito mais transgressivo: não o anti-social, mas o antinatural. Neste contexto, a loucura — doença terrível — não deixa de aparecer como uma vingança da natureza contra a violação de suas leis.
...Se a situação da mulher é específica, também as formas através das quais sua loucura se manifesta mantêm alguma particularidade. O delírio místico, por exemplo, é uma destas formas predominantemente femininas de enlouquecer: o abandono ou negação do próprio corpo, a "espiritualização" de indivíduos que se supõem santos, deuses ou seus porta-vozes, a prática comum da autoflagelação e do sacrifício. Poucos homens se apresentam no Juquery com este tipo de delírio — e há pouco a estranhar neste caso: se o dado da repressão sexual atinge também os homens, é para as mulheres que se dirige seu lado mais forte e negativo. Sem dúvida, o controle da sexualidade feminina constitui questão estratégica para a definição de sua função de reprodutora e perpetuadora da família, e o livre exercício da sexualidade, no seu caso, aparecia como um atentado à natureza e à família. O delírio místico, que aparece principalmente em mulheres pobres, é uma manifestação que ressalta e amplia até o desatino características impostas à figura feminina.

31. F. Basaglia Ongaro, “Mulheres e loucura”, in Gradiva, novembro/dezembro de 1983, pp. 13-4.
32. Cf., a este respeito, o excelente livro de Elisabeth Badinter, Um amor conquistado. O mito do amor materno. Rio, Nova Fronteira, 1985, no qual se lê, à p. 242, a seguinte citação extraída da obra Le Livre des Meres, 2ª ed., 1904, p. 5, de autoria do dr. J. Gérard: "Quando põe um ovo, a galinha não tem a pretensão de ser mãe por tão pouco. Botar um ovo não é nada... mas onde começa o mérito da galinha, é quando ela choca com consciência, privando-se de sua querida liberdade... numa palavra, é quando desempenha seus deveres de mãe que ela faz jus realmente a esse título".



in O espelho do mundo: Juquery, a história de um Asilo; Cunha, Maria Clementina Pereira – Paz e Terra – Rio de Janeiro, 1986 – Ilustração: Fotografia de prontuário (1918). Mulher internada por viajar só, vestida como homem.

O “super-homem” de Nietzsche e sua dimensão mítica



Mauro Araujo de Sousa
Mestrando em Ciências da Religião — PUC-SP

Resumo: O objetivo desse trabalho é mostrar que o ser humano sempre busca narrar suas experiências, sua história e que jamais pode, efetivamente, furtar-se à sua união com o cosmo. Usamos para isso um resgate do mito e do herói, pois muitas vezes eles são tratados pejorativamente como categorias fantasiosas. No caso do herói é pior ainda, pelo mau uso via nacionalismos e suas ideologias. Contudo, num entrosamento entre a narrativa de Propp, a potencialidade da personagem em Todorov e a elaboração do Übermensch (super-homem) de Nietzsche, oferecemos uma possibilidade de leitura que se pretende mais aberta e, portanto, não preconceituosa. Propomos mesmo um desafio ao apresentarmos o projeto nietzscheano do “além-do-homem” como mito.

Palavras-chave: mito; herói; “super-homem”; narrativa.


Abstract: The objective of this article is to show that human beings always want to narrate their experiences, their history and that they can never really avoid their union with the cosmos. To accomplish this, I propose a re-reading of the myth and of the hero, for they are often treated pejoratively as imaginary categories. In the case of the hero it is even worse, due to the bad use through nationalisms and their ideologies. However, by means of a dialogue between Propp's narrative, the character's potentiality in Todorov and Nietzsche's elaboration of the Übermensch (superman), the article offers a reading possibility that is intended to be more open and, therefore, unprejudiced. In fact, a challenge is proposed when the “beyond-the-man” nietzschean project is presented as a myth.

Key-words: myth; hero; “superman”; narrative.


in Último andar, caderno de pesquisa em ciências da religião – Educ – São Paulo, 2000

Questões



...Só há uma maneira possível de ser homogêneo; há uma infinidade de maneiras de ser heterogêneo.
...Parece-me tão impossível que todos os seres da Natureza tenham sido produzidos com uma matéria perfeitamente homogênea, como o seria representá-los com uma só e mesma cor. Creio ainda entrever que a diversidade dos fenômenos não pode ser resultado de uma heterogeneidade qualquer. Chamarei, pois, "elementos" às diferentes matérias heterogêneas necessárias à produção geral dos fenômenos da Natureza, e chamarei "Natureza" ao resultado geral atual ou os resultados gerais sucessivos da combinação dos elementos.
...Os elementos devem ter diferenças essenciais, sem que tudo haja podido nascer da homogeneidade, posto que tudo poderia retornar a ela. Há, houve ou haverá uma combinação natural ou uma combinação artificial na qual um elemento é, foi ou será levado à sua maior divisão possível. A molécula de um elemento, neste estado de divisão última, é indivisibilidade, posto que estando uma divisão ulterior fora das leis da Natureza e da esfera da arte, não é mais que inteligível. Não sendo o mesmo o estado de divisão última possível na Natureza ou pela arte, segundo toda a aparência para matérias essencialmente heterogêneas, se conclui que há moléculas essencialmente diferentes em massa, e sempre absolutamente indivisíveis em si mesmas. Quantas matérias há essencialmente — heterogêneas ou elementares? Quais são as diferenças essenciais nas matérias que olhamos como absolutamente heterogêneas ou elementares?
...Até onde a divisão de uma matéria elementar pode levar-se, quer nas produções da arte, quer nas obras da Natureza?
...Ignoramo-lo.

in Obras filosóficas: Denis Diderot; Prefácio, tradução e notas do Prof. Nelson Fonseca Pires – Edições e Publicações Brasil Editora – São Paulo, 1952 – Ilustração: Rousseau, Henri; The Dream – 1910; Oil on canvas, 6' 8 1/2" x 9' 9 1/2"; The Museum of Modern Art, New York

Caixa sobre scanner




in Tupi; Guran, Agni – Senhoras de Santana – São Paulo, 2007

Sósia da cópia



vingança de português

o português plantou
um pé de ipê
na calçada do prédio

no dia seguinte
os transeuntes desfolharam o ipê

indignado
o português não teve dúvida
— é coisa de índio!


in Sósia da cópia; Bonvicino, Régis – Edição do autor – São Paulo, 1983 – Ilustração: Silva, Oscar Pereira da; Desembarque de Cabral em Porto Seguro – SP, Museu Paulista

Uma doença social



...Ao atingir grandes massas humanas, a fome não prejudica apenas o indivíduo, mas torna doente a própria sociedade por onde se propaga. Vejamos três das mais importantes manifestações desta doença social.
...1) O rendimento escolar do faminto costuma ser pior que o do bem nutrido. Não que a criança pobre tenha um potencial intelectual inferior ao da rica. Absolutamente. Mas a fome, por um lado, e a falta de estímulo com que a criança se defronta em grande parte das famílias de baixa renda são fatores que prejudicarão sua capacidade de aprendizagem. O índice de repetência e abandono da escola é tanto maior quanto menores são as possibilidades econômicas da família.
...Ora, com isso, o país perde duplamente. Por um lado, a criança desnutrida de hoje será o trabalhador pouco qualificado de amanhã. É todo um potencial de inteligência e criatividade totalmente desperdiçado. Se é verdade que a maior riqueza de um país é seu povo, o tamanho desta riqueza depende em grande parte da capacidade deste povo. Neste sentido, não há dúvida de que é impossível construir uma grande nação sobre a base de uma massa faminta, pouco instruída e pronta apenas a ser pau-pra-toda-obra.
...2) Além disso, é preciso lembrar que o trabalhador pouco qualificado é em geral mal remunerado. E quanto pior é a remuneração da base da sociedade, da grande massa, menor tende a ser seu mercado interno, o que limita imensamente suas possibilidades de desenvolvimento econômico.
...3) Evidentemente, o custo social e humano da fome é tão alto que não pode sequer ser contabilizado, salvo num aspecto: o que concerne à previdência social. Médicos da Universidade de Londrina (PR) realizaram um estudo onde comparam o custo econômico do atendimento hospitalar a desnutridos com o custo daquilo que seria uma dieta equilibrada para estas crianças. Conclusão: o que foi gasto no atendimento a 81 crianças em estágios variados de desnutrição seria suficiente para alimentar de maneira adequada nada menos que 430 crianças até a idade média em que aquelas 81 foram hospitalizadas. O gasto com atendimento hospitalar a desnutridos poderia, de maneira muito mais rentável, ser investido — em lugar da tentativa de cura sempre provisória e restrita ao tempo em que a criança permanecer no hospital — na prevenção do mal: investido em alimentação para as populações carentes.
...Mas além deste custo social e econômico da fome, é preciso citar também o seu custo político. Não é à toa que a maior parte dos regimes ditatoriais no mundo existem em países onde impera uma grande desigualdade social. É muito difícil a estabilização política pacífica, o respeito por determinadas instituições como a propriedade, por exemplo, num ambiente marcado pelo contraste entre a opulência e a miséria. Os saques que surpreenderam a cidade de São Paulo logo no início do primeiro governo eleito após o Golpe de 1964, em abril de 1983, são um bom exemplo do foco permanente de instabilidade política representado pela fome massiva.
...A desnutrição, quando atinge um certo ponto, faz aflorar no homem seus instintos mais destrutivos (e que paradoxalmente são também instintos de sobrevivência) diante dos quais só há duas possibilidades: a satisfação de suas necessidades ou a repressão sistemática, a montagem de um corpo armado, capaz de defender os que têm contra os que não têm. Neste sentido, e esta é uma questão que nos interessa de perto, todo o esforço de construção de uma estrutura institucional capaz de auxiliar um processo democrático em nosso país terá pés de barro, desde que não seja rapidamente eliminado o flagelo da fome. Mais quais são, na verdade, as dimensões deste flagelo entre nós? É o que examinaremos no próximo capítulo.

in O que é fome; Abramovay, Ricardo – Brasiliense – São Paulo, 1986 – Ilustração: Botero, Fernando; La siesta – Oliu su tela; 130x115 – 2000

Biblioteca Dramática Popular



Personagens

COMENDADOR MATTOSO, 50 anos
LUIZ DE MATTOSO, 23
DR. JUVÊNCIO, 35
TOBIAS, 55
JOANNA, 45
MATHILDE (a órfã), 16
JULIÃO, 50
JOSÉ (criado), 30

PRIMEIRO ATO

(O teatro representa bosque, cozinha ao lado, residência de Tobias, ou pode ser substituído o cenário por uma sala pobre).

CENA I

TOBIAS e JOANNA
(Joanna só em cena ocupa-se em qualquer trabalho, até que entre Tobias)

TOBIAS (saindo do interior traz uma adaga na mão) — Repara bem, Mathilde tem alguma cousa que a incomoda.

JOANNA (parando de trabalhar) — Ora essa! Estás sempre a desconfiar da tristeza da pequena. Deixá-la! (levantando-se). O que te posso asseverar, é que não somos os causadores dos seus desgostos.

TOBIAS — Mas olha Joanna, considero que Mathilde, a menina de 16 anos que criamos como se fora nossa filha, não se havia ainda mostrado um dia pensativa ou triste. Agora, porém, o seu estado melancólico, aquelas lagrimas que lhe desbotam as faces; tudo isso me dilacera o coração.

JOANNA (com carinho) — Não te atormentes assim Tobias, Não sabes que aos 16 anos de idade, os corações feminis pululam cheios de ilusões? Como queres, pois que nossa filha não pense no porvir, a ponto de abstrair-se de tudo que a cerca?

TOBIAS —Tens razão. Sou um velho estonteado e estóico... um louco... o que me queiras chamar: mas idolatro Mathilde, como se nossa própria filha fosse.

JOANNA (atalhando) — Basta, meu amigo, confia na minha ternura e carinhos de mãe. Uma filha dócil e obediente nada deve recusar, quando seus pais imploram. Aguardaremos um momento favorável para interrogá-la, estou certa que nada ficará reservado naquele coração de anjo.

TOBIAS — Seria isso para mim a mais suprema das venturas. (Olhando para o interior) Ela aí vem, vou deixar-te em liberdade, esperando que a tua ternura vença os seus escrúpulos. (Sai pelo fundo ocultando-se entre as árvores).

JOANNA (acompanhando-o até ao fundo) — Vai tranqüilo, eu velarei por ela. (volta).


in A órfã de Goiás: Drama em 4 atos; Goulart, Napoleão – Ferreira Girão & Cia. Editores – São Paulo, sd