março 25, 2007

Movimentos rústicos



...Morto o Conselheiro, esperou-se, de acordo com o que anunciara, que ressuscitasse no terceiro dia; terminados os três dias, como “antes mesmo de sucumbir já catingava!, os adeptos não suportaram o odor e sepultaram-no. Persistiu, porém, a crença de que ressurgiria entre milhões de arcanjos de espadas flamejantes, que destruiriam todos os inimigos. (88) Medidas foram tomadas pelo governo para que a legenda não se espraiasse, (89) mas ainda em 1950 era assinalada no local pelo menos uma família que aguardava o regresso do Conselheiro em carne e osso. (90) O “tempo do Conselheiro” adquiriu conotação de Idade de Ouro, na região: “havia de tudo por estes arredores. Dava de tudo, e até cana-de-açúcar de se descascar com a unha nascia bonitona por estes lados. Legumes em abundância e chuvas à vontade (...) Esse tempo parece mentira...” Hoje, no entanto, o quadro mudou, “as secas assolando tudo, o terreno de Canudos não dando para nada”. (91)
...De todas essas lendas só restam atualmente vestígios em poesias e trovas de vates locais, celebrando o Conselheiro como o grande taumaturgo, o grande chefe guerreiro do interior nordestino, mas perdendo-se quase o seu renome de santo.

Quem quiser remédio santo
Lenitivo para tudo
Procure o Conselheiro
Que ele está lá nos Canudo.
Santo Antônio Conselheiro
Era um velho endiabrado;
Fez trincheira na Igreja
Sem ser visto nem notado.
(92)

(88) A. MONTENEGRO, 1954, págs. 41, 59; Calazans, 1950, págs. 91, 94-95; Macedo SOARES, 1959, pág. 413. Relativamente à luta, ver o excelente trabalho de Walnice Nogueira GALVÃO, I974.
(89) Para isso, foi o cadáver de Antônio Conselheiro exumado, separada a cabeça do corpo, e aquela enviada ao Dr. Nina RODRIGUES, em Salvador, a fim de que este verificasse ou não a existência de estigmas de loucura. Este cientista conclui que "o crânio de Antônio Conselheiro não apresentava nenhuma anomalia que denunciasse traços de degenerescência" (Nina RODRIGUES, 1939, pág. 131). Ver em Optato GUEIROS o relato de que a cabeça não era do Conselheiro mas sim de Manuel Quadrado (1956, págs. 220-221).
(90) Em 1916 várias famílias habitam ainda o local e crêem no regresso; em 1950, parece que apenas uma ali restava, mas sempre fiel à crença (A. MONTENEGRO, 1954, pág. 59).
(91) Odorico TAVARES, 1951, págs. 272, 275.
(92) CALAZANS, s. d., pág. 62; CALAZANS, 1950, págs. 95-97.

in O messianismo no Brasil e no mundo; Queiros, Maria Isaura Pereira de – Alfa-Omega – São Paulo, 1977 – Foto: Flávio de Barros

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