março 28, 2007

Poemas



Tanto para as pessoas fascinadas pela China, como para as que exorcizam sua presença política no mundo contemporâneo, o nome de Mao parece sempre cercado de um prestígio mitológico. Não é por acaso que, na Europa como na América, venderam-se milhões de exemplares do pequeno breviário vermelho de seus “Pensamentos”, traduzido em todas as línguas. Criador da nova China, um país com perto de um bilhão de habitantes, foi sobre a poesia que Mão Tse-tung fundou a grande marcha de seu povo para a liberdade. Como Ho Chi Minh, seu contemporâneo, e que se dirigia aos seus soldados em poemas, sabia a lição de Hoelderlin de que “só os poetas fundam as coisas permanentes”. Alexandre Magno proclamava que a Grécia fora fundada pelos versos de Homero, e era ao ritmo das estrofes de Tirteu, de Alceu ou de Píndaro, que os soldados gregos ganhavam as batalhas, quando o povo era convocado por uma elegia para ordenar sua constituição política. A grandeza de Roma se fez sobre a epopéia de Virgílio, a unidade italiana foi construída sobre o poema de Dante. Portugal sobreviveu graças aos versos de Camões, e ainda na última guerra era com passagens de Shakespeare que Churchill transmitia ordens ao almirantado inglês. Guerreiro e político, homem de refinada cultura e vasta erudição, Mao Tse-tung tinha, na poesia, a força maior de seu espírito e de sua ação. Sua própria obra política há de durar enquanto durarem esses versos plantados nas águas, nas montanhas, no chão de seu país. E no coração de seu povo.

Gerardo Mello Mourão


A GRANDE MARCHA 24

— lüshi 25

O Exército Vermelho não teme a prova de uma longa marcha,
mil montanhas e dez mil rios nada lhe significam,
para ele as Cinco Cordilheiras são ondas em leve dança 26
e os picos da montanha de Wumen rodam como bolas de barro. 27
São tépidas as serras mergulhadas na neblina, lavadas pelo rio Areias de Ouro 28
e são frescas as cadeias de ferro que atravessam o Dadu. 29
O Exército está feliz entre as infinitas neves de Minshan 30
quando as cruzamos,
um sorriso nasce em cada rosto.


24) Em outubro de 1934, o Exército Vermelho abandonou a base de Chiangsi e realizou uma marcha de 25 mil li — uns 12 mil e 500 quilômetros, através das províncias de Fuchien, Chiangsi, Guangdong, Hunan, Guangsi, Güichou, Yunnan, Sechuán e Gansu. Em outubro de 1935, chegou à base antijaponesa no norte de Shensi.
25) Um lüshi se compõe de oito versos, com sete ou cinco hieroglifos em cada um.
26) As Cinco CordIlheiras se estendem através das províncias de Hunan, Guangdong, Guangsi e Güichou.
27) Montanha situada entre Yunnan e Güichou.
28) Rio no curso superior do Yangtsé, emYunnan.
29) Rio de Sechuán. A ponte Luding, sobre este rio, foi construída
com treze cadeias de ferro que sustentam pranchas de madeira soltas.
30) Montanha que se estende através de Chinghai, Gansu, Shensi e
Sechuán.



in Poemas; Tse-tung, Mao – Paz e Terra – Rio de Janeiro, 1979

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