maio 31, 2009

A Função do Livro



8. LIVRO 

A palavra "livro", portuguêsa, deriva da latina liber, libri, no acusativo librum — e tem como correspondentes, em francês, livre, em espanhol, libra, em italiano, libro, em inglês, book, em alemão Buch. Primitivamente, liber em latim significava provàvelmente o córtice de vegetais, particularmente de certos vegetais em que êsse córtice se apresentava de forma laminada. Em sua significação mais genérica, é uma reunião de fôlhas, em branco, manuscritas ou impressas (três graus, já daí), sobretudo, hoje em dia, de fôlhas impressas tipogràficamente, elaborado e conservado com a finalidade de transmitir às gerações vivas, vivendas e vivituras o conhecimento passado e coetâneo já adquirido, para inserir-se na práxis social, como elemento da ação humana, factual, factiva e cognitiva. 

8.1 ORIGEM DO CONCEITO

A origem é remota, mas não anterior, é óbvio, à invenção pelo homem da representação gráfica das idéias, da escrita, em suma. A representação gráfica, desde a pictográfica à fonográfica, superpõe-se a matéria-prima contingente, superfícies isoladas, depois reunidas, que condicionam a existência dos primeiros "livros". Formas antigas são os cilindros de terra cozida, as tábulas ou tábuas de argila cozida, as parietais — desde as trogloditas, naturais, às edificadas pelo homem —. Antigo é o uso, também, de tábuas de madeira com igual fim — presumindo já não a incisão com estilos de pedra ou de metal, mas a pintura com tinta — entre fenícios e hebreus, sobretudo, porém, gregos; e, antes quiçá, tábuas recobertas de cêra, sôbre a qual se fazia a incisão — estilo ainda — dos caracteres, tábuas, aquelas e estas, ligadas entre si, em dípticos, trípticos ou polípticos, que se assemelhavam à "encadernação", embora de ligação contínua. Com fôlhas vegetais, lâminas metálicas, tecidos de linho, de sêda, se fizeram superfícies para escrever, e com o papiro particularmente, fôlha vegetal, é que os egípcios, pelo terceiro milênio antes de Cristo, intensificaram o uso do livro "portátil". Modernamente, sob o nome genérico de livro, há uma grande variedade de espécies, conforme a natureza, a extensão, a profundidade de tratamento do assunto ou matéria versada; conforme o formato, a espessura do impresso; conforme sua autonomia ou auto-suficiência relativa ou a sua dependência para com um todo em que se integre como secção ou parte; conforme sua relação com o tempo, isto é, com a periodicidade de publicação ou singularidade de ocorrência; conforme, ainda, sua finalidade ou uso particular e, neste caso ainda, conforme certas características da sistematização da matéria tratada. Além disso, é hábito, retrospectivamente, considerá-lo segundo sua posição dentro da historicidade ou história mesma do conceito e do instituto. Ademais — mas sem esgotar os aspectos por que pode ser examinada — a palavra "livro" se faz acompanhar de epítetos ou de adjuntos terminativos que permitam colocá-la numa daquelas possíveis distinções específicas ou defini-la para outros fins. 

8.1.1 Determinações do conceito

Com o vocábulo "livro" e um epíteto definem-se, freqüentemente, já o dissemos supra, finalidades: (1) "infantil", para leitura ou uso de crianças; (2) "juvenil", para leitura de adolescentes; (3) "azul", em que o govêrno britânico esclarece sua posição numa, em geral, questão de política internacional, mercê de publicação de documentos, ostensivos, reservados, secretos; (4) "amarelo", em que o govêrno francês faz outro tanto; (5) "branco", em que o govêrno norteamericano faz outro tanto: (6) "escolar", para uso nas escolas, em geral de acôrdo com programas, oficiais, oficiosos ou aprovados pelas autoridades competentes; (7) "único", com que o Estado impõe, em determinada disciplina ou conjunto de disciplinas, um tipo de formulação da matéria que passa a dirigir a formação mental das novas gerações, em geral sob pretexto de eficácia didática e de custos mais baixos; (8) "didático", o mesmo, aproximativamente, que escolar, podendo, entretanto, corresponder a níveis vários e a aspectos particulares de apresentação da relação "matéria : docente : discente"; (9) "elementar", (10) "primário", (11) "secundário", (12) "superior", indicam níveis de desenvolvimento de livros escolares ou didáticos; (13) "anotado", em geral é a publicação de um texto acompanhado de notas esclarecedoras do mesmo, sob quaisquer pontos de vista; (14) "premiado", que obteve láurea, oficial, ou privada, de certa relevância; (15) "laureado", o mesmo que o anterior, aproximativamente; (16) "gastronômico", com receitas e indicações de bem comer; (17) " técnico", com exposição de matéria de natureza técnica, preferentemente tecnológica; (18) "científico", com exposição de matéria de natureza científica, preferentemente nas chamadas ciências exatas; (19) "popular", de aceitação generalizada ou de destinação ao nível médio de compreensão de uma coletividade ampla; (20) "clássico", originalmente o adotado em classe de aula, entre os romanos, coincidindo, no pensamento moderno, com o fato de versarem matéria "clássica", isto é, greco-romana; daí, o que apresenta caracteres tradicionais: daí, ainda, o que se supõe elemento ponderável de formação humanista; daí, mais, o que faz época em determinada disciplina, matéria ou questão, quando, de regra, se faz acompanhar de adjunto terminativo relacionado com a disciplina, matéria ou questão em causa; (21) "litúrgico", isto é, relacionado com a liturgia de determinada religião; (22) "ritual", isto é, relacionado com um rito; (23) "doutrinário", isto é, obediente a uma doutrina: (24) "dogmático", isto é, conforme com um ou os dogmas de uma religião; (25) "ortodoxo", isto é, obediente a um cânon; (26) "heterodoxo") isto é, que infringe um cânon; (27) "canônico", isto é, conforme com um cânon; ficando, porém, claro que a relação pode ser multiplicada e ressalvado o fato de que alguns dêsses epítetos podem ser usados para com "obra", "exemplar" e vários outros substantivos da área semântica de "livro" ou de "bibliologia" (cf. LEMA). 


in Elementos de Bibliologia; Houaiss, Antônio – Editora Hucitec – São Paulo, 1983
Ilustração: Jaroslav VodráŽka (1894-1984), painter, graphic artist and illustrator. Ex Libris for Ing. O. Hradečny, lithography, 14 x 4,5 cm

Whadaya mean



Willies, the = the creeps; the shakes 
Nervosismo, inquietude: 
Cloudy days give me the Willies. 

willy-nilly 
Descuidado, sem método, desordenado: 
He always works in a willy-nilly manner. 

Wimpy; wimpy 
Sanduíche "hambúrguer": 
Give me a wimpy. 

wim-wams 
Sensação de nervosismo: 
I get the wim-wams when I climb a ladder. 

Winchester 
Rifle (de qualquer marca): 
So I ups with my Winchester and knocked down twenty Indians. 

windbag 
Fanfarrão, indivíduo garganta, pessoa tagarela: 
Can't someone shut off that old windbag? 

winder-upper 
Música ou canção que encerra um programa radiofônico: 
The winder-upper began and us kids knew it was time to shut off the radio and go to bed. 

wind-jammer 
Indivíduo tagarela, fanfarrão: 
Don't get him going. He's a real wind-jammer. 

window, out the 
Sem nada, totalmente destituído, perdido, arruinado: 
Everything went out the window for my family in 1929. 

window-shop 
Observar artigos exibidos em vitrinas: 
I like to go window-shopping at Christmas time. 

windup 
Fim, término: 
Well, this is the windup of our money. 

windy 
Tagarela, indivíduo tagarela: 
Here comes old windy Joe. 

Windy City 
Chicago: 
I've never been to the Windy City. 

wing 
1) Atingir, ferir (com bala): 
The bullet winged him but didn't kill him. 
2) Ferir a asa (com bala): 
He winged two ducks. 
3) Braço: 
My left wing is broken. 
4) Ala (posição em equipe de futebol): 
He played right wing. 

wing-ding; whing-ding 
1)Acesso de raiva, ataque de nervos: 
Ma took a wing-ding when I told her that I had lost the money. 
2)Festa, farra, celebração estrondosa: 
Just before my army unit broke up we had one hell of a wing-ding at the expense of UncIe Sam. 

wino 
Alcoólatra cuja bebida favorita é o vinho: 
The Bowery winos have gathered together to petition the mayor for a warm place to sleep. 

win one's spurs 
Fazer sua reputação, tornar-se um profissional, "diplomar-se" em qualquer atividade: 
When you win your spurs come around to me for a job. 

win out 
Vencer pela persistência, obter finalmente o sucesso, a vitória: 
You can win out if you concentrate on your opponent's weaknesses. 


in Dicionário de Gíria Americana Contemporânea; E. Collins, Donald and L. Gomes, Luiz – Pioneira – São Paulo, 1989 

maio 29, 2009

99ROOMS

ROOM 65


ROOM 77


ROOM 80



maio 27, 2009

Jabre


Jabá. "Nádegas femininas, região glútea feminina" (Sul), registra Ariel Tacla (12). 

Jaca. "Nádegas, ânus" (Nordeste, Maranhão), registram Domingos Vieira Filho (14) e Ariel Tacla (12). 

Jacarandá. Órgão sexual masculino (Nordeste, Bahia). Madeira de lei, forte, que o cupim não rói. 

Jacinto. "Evacuação menstrual da mulher" (Portugal), registra Albino Lapa (62). Vocábulo corrente no Sul e propagado pela colônia portuguesa. 

Já deu fogo. Diz-se do velho sexualmente impotente (Sul). Já era. 

Jaguara. a) Cão sem raça, pessoa vil; b) Mulher da vida; homem sem caráter (Sul, Rio Grande do Sul). 

Jamanta. Órgão sexual masculino, quando avantajado (Nordeste, Sul). 

Jamijão. "Pessoa que urina na cama" (Sul), registra Silveira Bueno (3). 

Janeco. "Homem bonito com tendência para pederasta" (Portugal), registra Albino Lapa (62). 

Janeleira. Moça sapeca, namoradeira, que passa o dia todo na janela. Diz uma quadrinha popular: 
Toda moça janeleira 
Tem um vergão na barriga! 

Já nos dias. Diz-se da mulher quando está prestes a parir (Nordeste). 

Japonesa. Posição da cópula em que a mulher, deitada de costas, põe as pernas no ombro do parceiro (Sul, Rio de Janeiro, Centro-Oeste, Goiás). Abon.: "Meter de japonesa é muito mais erótico, comentou Lídia." [FERNANDES SAMPAIO, Adovaldo. "Lídia, Lígia e Lívia" in Antologia do conto erótico. Rio de Janeiro, Eroticon, 1977, p. 116].
 
Jatoba. Nádegas, ânus (Nordeste): "Vá tomar na jatoba!" 

Jeba. Órgão sexual masculino (Sul, Rio de Janeiro). 

Jegue. "Órgão sexual masculino, quando avantajado" (Nordeste), registram Mauro Mata (10) e Edson Carneiro (7). 

Jequitibá. Órgão sexual masculino (Sul). 

Jereba. "Meretriz", registram Aurélio Buarque de Holanda (2), Ariel Tacla (12) e Manuel Viotti (32). 

Jerianta. "Meretriz que sustenta malandro na cadeia" (Sul), registra Ariel Tacla (12). 

Jeroma. "Mulher dos seios grandes" (Sul), registra Ariel Tacla (12). 

Jiló. Pederasta (Sul, Rio de Janeiro). 

Jibóia. Pênis, quando avantajado (Nordeste). 

Jiribaita. Órgão sexual masculino (Nordeste, Rio Grande do Norte). 

João-cotoco. "Gesto desprezível e semi-obsceno" (Nordeste, Ceará), registra Leonardo Mota (45). 

João-mainato. "Prostituta", em Tete, Moçambique, registra Antônio Cabral, ob. cit., p. 57. 

Joaquim-madrugada. Órgão sexual masculino (Nordeste, Bahia). Abon.: "Mas Filó, não se satisfazendo com o efeito da pilhéria, recorreu a uma expressão da gíria: "Lá vocês pegam é em joaquim-madrugada" (SALES, Herberto. Cascalho (3ª ed.). Rio de Janeiro, Tecnoprint, 1967, p. 94]. 

Jogar água fora da bacia. "Ser homossexual ou tomar atitudes de homossexual" (Sul, Rio de Janeiro), registra Euclides Carneiro da Silva (4). 

Jogar com duas bolas. Copular (Nordeste, Sul). As duas bolas são os testículos. 

Jogar merda no ventilador. Diz-se de quem, vendo-se em apuros, denuncia os demais culpados (Sul, São Paulo). 

Jogar pra cima. "Copular, deflorar" (Nordeste, Bahia), registra Edson Carneiro (7). 

Judas. Órgão sexual masculino (Nordeste) (v. Afogar o judas.) 

Judiadeira. "Dor ovariana", dor de mulher (Nordeste) registra Edilberto Trigueiros (73). 

Juntar os trapos. Amigar-se (Nordeste, Sul). 

Juntar-se. "Amigar-se" (Nordeste, Sul), registram Antenor Nascentes (11) e Tomé Cabral (6). 

Juntar terra ao pé da bananeira. "Copular" (Nordeste), registra Hugo Moura (51). 

Jurema. "Mundana, amásia de ladrão" (Sul), registra Ariel Tacla (12). 

Jurumba. Órgão sexual masculino (Nordeste). 

Juruveva. "Égua. Mulher da vida", registra Valdomiro Silveira (63). 


2 BUARQUE DE HOLANDA, Aurélio. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1975. 
3 BUENO, Silveira. Grande dicionário etimológico-prosódico da língua portuguesa. São Paulo, Saraiva, 1963. 
4 CARNEIRO DA SILVA, Euclides. Dicionário da gíria brasileira. Rio de Janeiro, Edições Bloch. 1973. 
6 CABRAL, Tomé. Dicionário de termos e expressões populares. Fortaleza, 1972. 
7 CARNEIRO, Edson. A linguagem popular da Bahia. Rio de Janeiro, 1951. 
11 NASCENTES, Antenor. O linguajar carioca. Rio de Janeiro, Organização Simões Editora, 1953. 
12 TACLA, Ariel. Dicionário dos marginais. Rio de Janeiro, Record, 1968. 
32 VIOTTI, Manuel. Novo dicionário da gíria brasileira (3ª ed.). Rio de Janeiro, Livraria Tupã Editora, 1957.
45 MOTA, Leonardo. Cantadores (3ª ed.). Fortaleza, Imprensa Universitária do Ceará, 1961. 
51 MOURA, Hugo. "Contribuição ao estudo do linguajar paraibano", in Revista da Faculdade de Filosofia da Paraíba, João Pessoa, 2 (4): 117-140, 1959-1964.
62 LAPA, Albino. Dicionário de calão (2ª ed.). Lisboa, Editorial Presença, 1974. 
63 SILVEIRA, Valdomiro. O mundo caboclo. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1974.
73 TRIGUEIROS, Edilberto. A língua e o folclore da bacia do São Francisco. Rio de Janeiro, Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, 1977. 



in Dicionário do palavrão e termos afins; Souto Maior, Mário – Record – Rio de Janeiro, 1990

maio 26, 2009

Manicômio



O grampo
O trampo
Os corpos opiados
Quase nus
Um quentar mole pelos chãos
Coisas privadas
Inocentes
Espalhados
Déo em déo
Uma paisagem linda


in O Lamento de Píndaro; Pimentel, Cid – Hucitec – São Paulo, 1987
Ilustração: Francisco de Goya, Casa de locos (detalle de una figura en primer plano), hacia 1814-1816, Madrid, Real Academia de Bellas Artes de San Fernando 

maio 21, 2009

Lobato



Muda-se para a Argentina em 1946, não sem antes reafirmar a velha ojeriza pelo modernismo nas artes plásticas: manifesta-se contrariamente à fundação de um Museu de Arte Moderna em São Paulo, lançando mão de argumentos muito parecidos com aqueles que, em 1917, usara contra Anita Malfatti. 

Suas esperanças, nesse momento, são todas postas na Argentina, onde suas obras são traduzidas e onde ele funda com amigos a editora Acteon. Lá, escreve mais um livro, com o pseudônimo de Miguel Garcia: La nueva Argentina, obra que defende o plano qüinqüenal, texto corrido e didático, onde um pai — fazendo de D. Benta — explica aos filhos a plataforma (peronista) que transformará a Argentina num país forte e feliz. 

Mas o exílio voluntário lhe pesa. Sente falta dos amigos, planeja novas histórias infantis e acaba por regressar ao Brasil. E na bagagem do Lobato que em 1947 desembarca em São Paulo parece vir aprendida uma importante lição: O Lobato de agora parece compreender mais amplamente a natureza do capitalismo, aperfeiçoando a compreensão que, já em 1935, no auge da campanha do petróleo, num artigo intitulado "os grandes crimes contra os povos", o fazia referir-se ao "capitalismo anônimo internacional que paira sobre o mundo como tremendo Pássaro Roca controlador dos governos fracos [que] não passam de bonecos nas mãos do Poder Oculto do Capitalismo Internacional Anônimo do qual até agora só um país se salvou: A Rússia". 

Antes ainda de viajar para a Argentina, a mesma compreensão inspirou-lhe em 1944 o desligamento da União Cultural Brasil-Estados Unidos justificada numa carta (Cartas escolhidas) onde confessa seu desengano ao ter verificado que "os americanos fazem a maior das guerras ao fascismo na Europa e dão todo o apoio moral e material ao mesmo fascismo aqui". 


desde seus conservadores anos 20. A partir dos anos 40, com breves interregnos (como quando, por exemplo, Lobato não admite a aliança dos comunistas com Vargas) as coincidências entre as posições de Lobato e as do PCB vão se estreitando e se multiplicando. 

Muito embora Lobato jamais tenha se filiado ao PCB, é convidado, em 1945 a integrar a chapa dos comunistas, o que ele recusa alegando recentes (e verdadeiros) problemas de saúde. Mas não se furta a fazer uma saudação a Prestes, lida no comício de 15.7.1945 no Pacaembu. Manifestação de simpatia que se repete três anos depois, em 1948 quando, regressado da Argentina, envia o texto O rei vesgo para ser lido no comício de protesto pela cassação dos parlamentares do PCB. 

É no bojo desse realinhamento ideológico que a figura do caipira ressurge pela terceira e última vez na obra de Lobato, agora numa perspectiva que supera integralmente a ótica patronal e paternalista que orientava os textos de "Velha praga", "Urupês" e "Jeca Tatuzinho". 

Trata-se de Zé Brasil, livreto que representa uma autocrítica ao jovem Lobato que em 1914 não soubera entender a dimensão econômica do problema agrário brasileiro e que nos anos 20, no bojo das campanhas pela saúde pública, avança a questão, mas não chega a atinar que o problema das condições de saúde mascarava outros, mais concreto, da infraestrutura brasileira. Nesta última versão, a de 1947, o Jeca se metaforiza em Zé Brasil, camponês sem terra e cuja única esperança reside no Cavaleiro da Esperança, Luís Carlos Prestes. 

Zé Brasil é o último texto de Lobato, que morre um ano depois de sua publicação, no auge da fama. 

Ao retomar da Argentina, Lobato não tem onde morar. Vai ficando provisoriamente em hotéis, enquanto não acha onde instalar-se definitivamente. E crê ser também provisoriamente que se instala com a mulher e a filha no último andar de um prédio na paulistaníssima Rua Barão de Itapetininga, onde funcionava a Editora Brasiliense. 

De um terraço na cobertura, contempla a sua São Paulo. Em sua cadeira de balanço, rumina seus planos. Alguns andares abaixo, a Editora Brasiliense, agora a sua editora, que fundou com Artur Neves e Caio Prado Jr. 

É lá neste décimo segundo andar — a poucos quarteirões do velho Café Guarany e das velhas arcadas do Largo de São Francisco, que ele tanto viveu no começo do século — que Lobato tem seu escritório, recebe seus amigos, joga suas partidas de xadrez, escreve cartas aos amigos. São suas últimas cartas, onde se amiúdam as reflexões sobre a morte pressentida nas indisposições freqüentes, nos remédios receitados, no rigor da dieta prescrita. 

Remédios que Lobato não toma e prescrições que não segue, como que se recusando a retardar a morte, que chega solitária, na madrugada de 5 de julho. 

Seu enterro transforma-se numa apoteose gigantesca, conduzida pela multidão que vai velá-lo na Biblioteca Municipal e que depois carrega carinhosamente seu ataúde nos braços, até o Cemitério da Consolação. Fato que aponta decisivamente para a sintonia de Lobato com o Brasil de seu tempo. 

Sintonia que, como tudo o que diz respeito a Lobato, foi apaixonada e radical. 

Sintonia dolorosa e difícil, da qual Lobato foi ao mesmo tempo estrela e vítima. 

Reconheciam-no nas ruas, pediam-lhe autógrafos, entrevistavam-no a propósito de tudo, solicitavam-lhe prefácios e cartas de apresentação; mas suas entrevistas eram proibidas em jornais e rádios do Estado Novo, que não podiam sequer mencionar-lhe o nome... 

Lobato era amado pelas crianças, para as quais criara o sítio de Dona Benta. Com elas se correspondia, visitava-as em escolas e bibliotecas, quando submergia em carinhos e perguntas. Mas sua obra infantil foi proibida em bibliotecas, banida de escolas públicas, queimada em colégios religiosos. A marca de escritor infantil maldito foi ficando tão forte, que Lobato acabou transferindo seus títulos da Companhia Editora Nacional para a Editora Brasiliense, tanto incomodava a Octales a campanha sistemática contra os livros de seu ex-sócio... 

Sintonia, como se disse, difícil e dolorosa. E se a glória póstuma não cala a dor vivida, pode ao menos resgatá-la, dando-lhe um sentido. Que no caso de Lobato, talvez tenha começado a delinear-se nos milhares de braços que o carregaram até o Cemitério da Consolação e, mais do que isso, nos milhares de leitores para os quais, abrindo as porteiras do Sítio do Picapau Amarelo, Lobato abria também as porteiras de uma vida mais intensa e mais humana. 


in Monteiro Lobato; Lajolo, Marisa – Coleção Encanto Radical – Brasiliense – São Paulo, 1985

maio 20, 2009

O dia de S. Martinho: comemorações e tradições



No calendário litúrgico, o dia de S. Martinho celebra-se a 11 de Novembro, data em que este Santo, falecido dois ou três dias antes em Candes, no ano de 397, foi a enterrar em Tours, França.

Hoje em dia, não sendo o uso do missal tão frequente, nem todos os crentes católicos se lembrarão de ver, nos dias festivos do ano, o que se diz relativamente ao dia 11 de Novembro e ao seu Santo: «São Martinho é o primeiro dos Santos não Mártires, o primeiro Confessor, que subiu aos altares do Ocidente (...) A sua festa era de guarda e favorecida frequentemente pelos dias de “verão de S. Martinho”, rivalizando, na exuberância da alegria popular, com a festa de S. João.» (in Missal de Dom Gaspar Lefebvre )

Com efeito, S. Martinho foi, durante toda a Idade Média e até uma época recente, o santo mais popular de França. O seu túmulo, abrigado desde o séc. V por uma Basílica (sucessivamente destruída e reconstruída) em Tours, era o maior centro de peregrinação de toda a Europa Ocidental. A sua generosidade e humildade, aliadas a uma enorme fama de milagreiro fizeram dele um dos santos mais queridos da população. E ainda hoje o seu espírito de partilha é fonte de inspiração. 

São Martinho é santo patrono dos alfaiates, dos cavaleiros, dos pedintes, dos restauradores (hoteis, pensões, restaurantes), dos produtores de vinho e dos alcoólicos reformados, dos soldados... dos cavalos, dos gansos, e orago de uma série infindável de localidades de Beli Benastir, na Croácia, a Buenos Aires, na Argentina (fonte Catholic Community Forum) passando, evidentemente, por numerosíssimas sítios de Norte a Sul de Portugal. 

O facto de o seu dia coincidir com a época do ano em que se celebra o culto dos antepassados e com a altura do calendário rural em que terminam os trabalhos agrícolas e se começa a usufruir das colheitas (do vinho, dos frutos, dos animais) leva a que a festa deste Santo tenha toda uma componente de exuberância que actualmente tende a prevalecer. 

Assim, em Portugal, o dia de S. Martinho é invocado nas cerimónias religiosas dos locais de culto, e o seu espírito de solidariedade lembrado, quanto mais não seja, através do relato do episódio em que partilhou a sua capa com um pobre; mas de resto, e por todo o lado, as pessoas andam ocupadas nas actividades mencionadas nos provérbios sobre este dia: assam-se castanhas, prova-se o vinho...

Acerca do assunto, escreve o conceituado etnólogo Ernesto Veiga de Oliveira (1910-1990) o seguinte: «O S. Martinho, como o dia de Todos os Santos, é também uma ocasião de magustos, o que parece relacioná-lo originariamente com o culto dos mortos (como as celebrações de Todos os Santos e Fiéis Defuntos). Mas ele é hoje sobretudo a festa do vinho, a data em que se inaugura o vinho novo, se atestam as pipas, celebrada em muitas partes com procissões de bêbados de licenciosidade autorizada, parodiando cortejos religiosos em versão báquica, que entram nas adegas, bebem e brincam livremente e são a glorificação das figuras destacadas da bebedice local constituída em burlescas irmandades. Por vezes uma dos homens, outra das mulheres, em alguns casos a celebração fracciona-se em dois dias: o de S. Martinho para os homens e o de Santa Bebiana para as mulheres (Beira Baixa). As pessoas dão aos festeiros. vinho e castanhas. O S. Martinho é também ocasião de matança de porco.» (in As Festas. Passeio pelo calendário, Fundação Calouste Gulbenkian, 1987) 


maio 19, 2009

Travestis tipo exportação


Em quase todas as cidades brasileiras com mais de 500.000 habitantes, pode-se encontrar, ao lado da prostituição feminina, uma ativa prostituição de travestis. O delegado Guido Fonseca, um dos responsáveis pela mais recente onda de repressão aos travestis em São Paulo, calculava que em 1976, só nessa cidade, haveria em torno de 2.000 deles trabalhando na prostituição; numa única delegacia, ele contou 243 travestis fichados.3 Evidentemente, a questão não é simples, em se tratando de travestis, porque a prostituição acaba se tornando um fator quase inerente ao travestismo enquanto profissão. Geralmente vindos das camadas populacionais mais pobres do país, esses rapazes não encontram muitas opções, diante da família e da sociedade, para viverem sua homossexualidade. Independentemente do folclore dos concursos tipo Miss Brasil Gay, anualmente realizados entre os travestis, é indiscutível que eles precisam se prostituir, como um preço pago à sua compulsória marginalidade social. Cria-se então um efeito de bola-de-neve, em termos de violência: os clientes correm perigo de assalto, os travestis correm perigo de agressão; há, inclusive, vários casos onde travestis são espancados por grupos de machões ou simplesmente assassinados à queima-roupa, em plena avenida. Quanto à polícia, além de cobrar "taxas de proteção", pratica extorsões mais diretas, quando das batidas nas quais os travestis são presos e gratuitamente agredidos. Aliás, em certos lugares do Brasil, é comum a polícia prender travestis apenas para que façam limpeza gratuita nas delegacias e celas. Visando garantir seu direito de estar em via pública, sem serem acusados de vadiagem (já que, no Brasil, não existe crime de prostituição), muitos travestis solicitaram e conseguiram, no final da década de 70, que a Justiça lhes fornecesse habeas-corpus; que carregavam na bolsa. Num gesto bem característico de sua impune arbitrariedade, a polícia brasileira passou a apreender esses documentos, rasgando-os, provocadoramente, diante dos próprios repórteres. Muitas vezes, os travestis revidam também violentamente, atacando a polícia e depredando delegacias ou prisões. Mas a forma clássica de revanche, entre eles, é a auto-mutilação: às vezes até coletivamente, nas celas ou delegacias, praticam cortes nos próprios pulsos, braços, pescoços e até órgãos genitais, com pedaços de gilete cuidadosamente metidos debaixo da língua; é assim que conseguem ser transferidos para hospitais, de onde podem sair mais facilmente. Esses fatos foram objeto de um curioso trabalho onde o antropólogo Luís Mott analisa como, relegados à condição de párias, os travestis brasileiros criaram um inusitado sistema de coação e defesa mediante o recurso à auto-destruição.4

Para realizar prisões contra travestis, os motivos alegados pela polícia ainda são objeto de polêmica entre os juristas. Além da famosa acusação de "vadiagem", usa-se também a de "Importunação Ofensiva ao Pudor", presente na Lei das Contravenções Penais. Assim, uma portaria baixada em São Paulo, pelo então delegado de polícia da Seccional Centro, em 1976, determinava a prisão em flagrante de travestis encontrados na via pública, e solicitava que fossem fotografados em seus trajes femininos, para que "os MM. Juízes possam avaliar a sua nocividade". 5 Tais argumentos tornam a situação ainda mais confusa, sobretudo quando esse mesmo delegado aceita que, ao contrário da prostituição masculina, a feminina é um mal necessário para "preservar a moralidade dos lares".6 Há portanto, perante a lei, uma clara diferença de tratamento determinada pela homossexualidade em questão. Na verdade os travestis são considerados vadios por um juízo moral e não legal; evidência disso é que o acima mencionado delegado se refere a eles como "pervertidos". Tal confusão de conceitos não é nova, a julgar pelas informações. Desde o século passado a polícia vem, impunemente, fichando pessoas e às vezes instaurando contra elas inquéritos "por prática de pederastia passiva"; mas não só: em 1923, cinco homens foram fichados por pederastia ativa, em São Paulo onde, no ano de 1936, o Gabinete de Investigações da Polícia fichou criminalmente 38 bichas, instaurando inquérito contra 8 delas.7 

Essa teimosa repressão evidentemente não resolveu problema algum. Em São Paulo, os travestis que a polícia expulsou do centro da cidade acabaram indo prostituir-se em bairros de classe-média mais ermos, no começo dos anos 80. Expondo-se semi-nus ou mesmo inteiramente nus sob suas capas, é evidente que eles despertaram a fúria dos moradores, acostumados ao recatado lar cristão. Denunciando a prática de atos sexuais em carros ou mesmo ao ar livre, esses cidadãos reagiram com faixas e abaixo-assinados que pediam a intervenção da polícia. Não satisfeitos. iniciaram a elaboração de uma lista contendo o número das chapas, cuidadosamente anotados, dos carros dos clientes que freqüentam os travestis locais; e ameaçaram publicá-la como matéria paga nos jornais, para coagir os clientes a não mais comparecerem a esses encontros amorosos. Evidenciando que se trata de um gravíssimo problema social, a situação dos travestis pode se complicar graças a fatores inusitados. 



Em 1983, a cidade de São Paulo viu-se abalada pela notícia de que um grande número de travestis estava ameaçado de morte dolorosa, quando não efetivamente morrendo, em conseqüência da aplicação — nos seios, quadris e rosto — de silicone industrial tóxico, fraudulentamente vendido como silicone filtrado. Nem os médicos sabiam o que fazer para evitar que aumentasse o número de óbitos, até hoje desconhecido. Acuados dentro de um beco-sem-saída, os travestis brasileiros passaram a ver a Europa como seu grande sonho de viver uma vida tranqüila e financeiramente mais folgada. A partir do final da década de 70, grande número deles aportou em Paris, tida como o paraíso da prostituição para travestis. Lá, segundo consta, eles conseguiram fazer pequenas fortunas no trottoir ou, mais raramente, em shows de cabaré. No auge desse inusitado movimento migratório, houve até mesmo vôos charter organizados especialmente para transportar travestis do Brasil a Paris. Calcula-se que, dos 700 travestis trabalhando na França, 500 seriam brasileiros — com enorme sucesso na praça. É verdade que eram mais bem tratados pela polícia francesa do que pela brasileira: como informa o travesti Lora, "aqui me chamam de madame, enquanto no Brasil somos tratadas como verdadeiros animais". 8 Na França, porém, mudou apenas o pano-de-fundo, já que os travestis brasileiros continuam fundamentalmente vivendo à margem e sujeitos a outros tipos de extorsão, na mesma espiral de violência que tem provocado até assassinatos. Trabalhando em Paris, eles devem pagar uma fortuna pelo "ponto" na praça, além da taxa de proteção cobrada pela polícia, altíssimos preços de aluguéis e pequenas fortunas para obter documentação falsificada. Acima de tudo, não passam de exóticos objetos de consumo — tanto quanto eram exóticos os primeiros índios levados para a Europa, após a descoberta do Brasil. Além disso, a Associação pela Defesa das Prostitutas francesas mobilizou-se através de passeatas, cartas à Embaixada do Brasil, entrevistas aos jornais e TVs, alegando que os travestis brasileiros as ameaçavam com uma concorrência desleal, por não pagarem impostos, na condição de estrangeiros e clandestinos. Suspeita-se que, justamente em função desse episódio, o governo francês tinha passado a exigir visto de entrada obrigatório para todos os latino-americanos que chegam à França. Além de estarem ameaçando a mão-de-obra local, os travestis brasileiros foram acusados de ter provocado o aumento do índice de criminalidade na França.*

* Não será provavelmente a última nem foi a primeira vez que nossos travestis aportaram na Europa. É muito curioso, a respeito, o relato divulgado, com foto ilustrativa, nas publicações do antigo Instituto de Pesquisas Sexuais, do Dr. Magnus Hirschfeld, destruído pelos nazistas em Berlim, 1933. Trata-se do caso de um jovem brasileiro travestido que se apaixonou por um professor alemão, em Paris. De lá, viajaram juntos para a Alemanha, onde ficaram oficialmente noivos. Mas a dona da hospedaria desconfiou da história e denunciou a noiva. Quando o médico da polícia entrou no quarto para realizar o exame de perícia, a noiva brasileira ingeriu veneno, diante dele, e morreu. Isso aconteceu aparentemente no começo deste século. 9

3. "A prostituição masculina em São Paulo", de Guido Fonseca, in Arquivos da Polícia Civil, vol. XXX, São Paulo, 2º semestre de 1977, págs. 70/71. 
4. Gilete na carne: etnografia das auto-mutilações dos travestis da Bahia, de Luís Mott, 1981 (mimeo). 
5. apud Guido Fonseca, op. cit., pág. 76. 
6. apud Guido Fonseca, op. cit., pág. 76. 
7. Guido Fonseca, op. cit., pág. 67. 
8. "As estrelas caem", in Visão, São Paulo, 23 de agosto de 1982, pág. 46. 
9. apud  Race d'ep!, de Guy Hocquenghem, Éditions Libres/Hallier, Paris, 1979, pág. 85. 


in Devassos no Paraíso; Trevisan, João Silvério – Editora Max Limonad – São Paulo, 1986
Ilustrações: Guinigui over internet & Dirty: A Self Portrait by Sylvia Ji

maio 17, 2009

De l'art et du cochon



Ilustração: Guinigui over Fred Einaudi in fredeinaudi.com

maio 14, 2009

Transafetos I



Ilustração by Guinigui over Burkhardt Jürschik – Fürstenwalde, Berlin, 2003

Transafetos II



in IDX1274 – Cascadia, Oregon – 2003

maio 13, 2009

Homme (l') — Femme (la)



Grec. 
— La femme est moins portée que l'homme aux nobles actions, et beaucoup plus aux actions honteuses.
(Euripide, Ino, fragments; ve s. av. J.-C.)

— La gloire de la femme est sa beauté, celle de l'homme est sa force.
(Bion de Boristhène, Fragments, IIIe s. av. J.-C.) 

Bible. 
— J'ai trouvé un homme entre mille, mais ie n'ai pas trouvé une femme dans le même nombre. 
(L'Ecclésiaste. VII, 28; IIIe s. av. J.-C.) 

Sanskrit. 
— La vie de l'homme, c'est l'ambition; la vie de la femme, c'est l'homme. 
(Mahabharata, XII; Ier s.) 

Allemand. 
— L'homme, comme l'alouette, chante en plein air; la femme, comme le rossignol, chante dans l'ombre. 
(J. P. Richter, Blumen, Frucht und Dornenstücke [1818].) 

Anglais. 
— L'homme, la femme, le démon : trois degrés de comparaison. 
(Th. Fuller, Gnomologia [1732].) 

— Les hommes diffèrent entre eux comme le ciel et la terre, et les femmes comme le ciel et l'enfer. 
(Tennyson, Melin and Vivien [1859).)

Français. 
— La vérité parle aussi bien contre les femmes que contre les hommes. 
(Marguerite de Navarre, Heptaméron, IV, XXXVI [1559].) 

— Les hommes emploient leur capacité à bien, les femmes l'emploient à mal. 
(Cardinal de Richelieu [1585-1642], Maximes d'État, LXXXIII.) 

— Les femmes sont extrêmes : elles sont meilleures ou pires que les hommes. 
(La Bruyère, les Caractères, «Des femmes », 53 [1688].) 

— Les hommes font les lois, les femmes font les mœurs. 
(Comte de Guibert, le Connétable de Bourbon, I, IV, 384 [1775].) 

— Il y a dans le cerveau des femmes une case de moins, et dans leur cœur une fibre de plus que chez les hommes. 
(Chamfort [1741-1794], Maximes et Réflexions.) 

— La personnalité des femmes est toujours à deux, tandis que celle de l'homme n'a que lui-même pour but. 
(Mme de Staël, De l'Allemagne, I, III [1810].) 

— Les hommes n'aiment pas toujours ce qu'ils estiment, les femmes n'estiment que ce qu'elles aiment. 
(J. Sanial Dubay, Pensées sur les mœurs, 580 [1813].) 

Kurde. 
— L'homme est un fleuve, la femme est un lac. 

Malais. 
— Dieu donne à tout homme son jour de sainteté, el à toute femme son jour de diablerie. 
V. SEXES (Inégalité des). 


in Dictionnaire des Proverbes, Sentences et Maximes; Maloux, Maurice – Larousse – Paris, 1990
Ilustração: Guinigui over Klimt

maio 11, 2009

Como diz Denis Milhau¹



«Se os homens elaboraram e praticaram durante tanto tempo, conscientemente ou não, esta produção particular que é a arte, de que a ciência nos dará os caracteres relativos, ideológicos, históricos e mesmo efémeros, é porque a beatitude diante do real os deixava insatisfeitos: era preciso apropriá-lo por todos os meios; através do conhecimento, mas também por outros meios. E estes são também para conhecer para com eles melhor agir e para produzir novos.» 

Há, pois, toda a razão para desconfiar, tanto no cinema como em relação às outras artes, da ideia que pretende que a noção de arte é uma noção burguesa, com o pretexto de que a burguesia se serve da arte de uma maneira mistificadora, para fazer passar às escondidas os seus temas ideológicos e para nos desviar do conhecimento das relações reais. Mesmo neste caso, é necessário não confundir a utilização que a ideologia dominante faz de uma realidade e a imagem que dela dá com a própria realidade. 

Se estas obras de arte exercem um efeito ideológico reaccionário ou mistificador, pode-se apreciá-las esteticamente sem por isso se ser necessàriamente a vítima da sua mistificação ideológica (é precisamente uma questão de cultura e de informação). Apesar desta mistificação só poder agir por intermédio deste prazer estético, esta não é necessàriamente transportada por ele. A instância ideológica e a instância estética não se confundem, e se a mesma ideologia se manifesta através de outra forma que a forma estética, as suas características ideológicas permanecerão, mas não as suas características estéticas. 

Do mesmo modo, se a burguesia procura promover uma concepção eterna da arte, separada da realidade e não determinada por ela, isto não implica que seja realmente assim. É igualmente uma questão de cultura e de informação poder gostar esteticamente de uma obra (segundo o prazer estético que proporciona), tendo ao mesmo tempo conhecimento da relação necessária que estabelece com a realidade e das determinações reais de que é índice e reflexo. 

E se se pode dizer que a arte e a ideologia, assim como a arte e o conhecimento, não se confundem, é preciso igualmente dizer que a arte participa necessàriamente do conhecimento e da ideologia. 

Não podemos, pois, seguir aqueles que associam mecânicamente a arte às noções de evasão, de divertimento, de mistificação, de ilusão,etc., mas consideramos, pelo contrário, que o combate por uma arte desalienada e um prazer estético com conhecimento de causa, presentemente e para sempre, integra-se no mesmo combate político pela democracia e pelo socialismo, no combate ideológico geral. 

Também no campo do cinema devemos travar este combate; pela mesma razão que nos devemos esforçar por contribuir para o conhecimento científico da arte contribuindo para o conhecimento do cinema, enquanto parte integrante da arte. 

(¹) Na página «Spéciales Idées» de l'Humanité, de 13 de Junho de 1969. 


in Cinema e ideologia; Lebel, Jean-Patrick – Editorial Estampa – Lisboa, 1975
Ilustração: Guinigui