maio 31, 2009

A Função do Livro



8. LIVRO 

A palavra "livro", portuguêsa, deriva da latina liber, libri, no acusativo librum — e tem como correspondentes, em francês, livre, em espanhol, libra, em italiano, libro, em inglês, book, em alemão Buch. Primitivamente, liber em latim significava provàvelmente o córtice de vegetais, particularmente de certos vegetais em que êsse córtice se apresentava de forma laminada. Em sua significação mais genérica, é uma reunião de fôlhas, em branco, manuscritas ou impressas (três graus, já daí), sobretudo, hoje em dia, de fôlhas impressas tipogràficamente, elaborado e conservado com a finalidade de transmitir às gerações vivas, vivendas e vivituras o conhecimento passado e coetâneo já adquirido, para inserir-se na práxis social, como elemento da ação humana, factual, factiva e cognitiva. 

8.1 ORIGEM DO CONCEITO

A origem é remota, mas não anterior, é óbvio, à invenção pelo homem da representação gráfica das idéias, da escrita, em suma. A representação gráfica, desde a pictográfica à fonográfica, superpõe-se a matéria-prima contingente, superfícies isoladas, depois reunidas, que condicionam a existência dos primeiros "livros". Formas antigas são os cilindros de terra cozida, as tábulas ou tábuas de argila cozida, as parietais — desde as trogloditas, naturais, às edificadas pelo homem —. Antigo é o uso, também, de tábuas de madeira com igual fim — presumindo já não a incisão com estilos de pedra ou de metal, mas a pintura com tinta — entre fenícios e hebreus, sobretudo, porém, gregos; e, antes quiçá, tábuas recobertas de cêra, sôbre a qual se fazia a incisão — estilo ainda — dos caracteres, tábuas, aquelas e estas, ligadas entre si, em dípticos, trípticos ou polípticos, que se assemelhavam à "encadernação", embora de ligação contínua. Com fôlhas vegetais, lâminas metálicas, tecidos de linho, de sêda, se fizeram superfícies para escrever, e com o papiro particularmente, fôlha vegetal, é que os egípcios, pelo terceiro milênio antes de Cristo, intensificaram o uso do livro "portátil". Modernamente, sob o nome genérico de livro, há uma grande variedade de espécies, conforme a natureza, a extensão, a profundidade de tratamento do assunto ou matéria versada; conforme o formato, a espessura do impresso; conforme sua autonomia ou auto-suficiência relativa ou a sua dependência para com um todo em que se integre como secção ou parte; conforme sua relação com o tempo, isto é, com a periodicidade de publicação ou singularidade de ocorrência; conforme, ainda, sua finalidade ou uso particular e, neste caso ainda, conforme certas características da sistematização da matéria tratada. Além disso, é hábito, retrospectivamente, considerá-lo segundo sua posição dentro da historicidade ou história mesma do conceito e do instituto. Ademais — mas sem esgotar os aspectos por que pode ser examinada — a palavra "livro" se faz acompanhar de epítetos ou de adjuntos terminativos que permitam colocá-la numa daquelas possíveis distinções específicas ou defini-la para outros fins. 

8.1.1 Determinações do conceito

Com o vocábulo "livro" e um epíteto definem-se, freqüentemente, já o dissemos supra, finalidades: (1) "infantil", para leitura ou uso de crianças; (2) "juvenil", para leitura de adolescentes; (3) "azul", em que o govêrno britânico esclarece sua posição numa, em geral, questão de política internacional, mercê de publicação de documentos, ostensivos, reservados, secretos; (4) "amarelo", em que o govêrno francês faz outro tanto; (5) "branco", em que o govêrno norteamericano faz outro tanto: (6) "escolar", para uso nas escolas, em geral de acôrdo com programas, oficiais, oficiosos ou aprovados pelas autoridades competentes; (7) "único", com que o Estado impõe, em determinada disciplina ou conjunto de disciplinas, um tipo de formulação da matéria que passa a dirigir a formação mental das novas gerações, em geral sob pretexto de eficácia didática e de custos mais baixos; (8) "didático", o mesmo, aproximativamente, que escolar, podendo, entretanto, corresponder a níveis vários e a aspectos particulares de apresentação da relação "matéria : docente : discente"; (9) "elementar", (10) "primário", (11) "secundário", (12) "superior", indicam níveis de desenvolvimento de livros escolares ou didáticos; (13) "anotado", em geral é a publicação de um texto acompanhado de notas esclarecedoras do mesmo, sob quaisquer pontos de vista; (14) "premiado", que obteve láurea, oficial, ou privada, de certa relevância; (15) "laureado", o mesmo que o anterior, aproximativamente; (16) "gastronômico", com receitas e indicações de bem comer; (17) " técnico", com exposição de matéria de natureza técnica, preferentemente tecnológica; (18) "científico", com exposição de matéria de natureza científica, preferentemente nas chamadas ciências exatas; (19) "popular", de aceitação generalizada ou de destinação ao nível médio de compreensão de uma coletividade ampla; (20) "clássico", originalmente o adotado em classe de aula, entre os romanos, coincidindo, no pensamento moderno, com o fato de versarem matéria "clássica", isto é, greco-romana; daí, o que apresenta caracteres tradicionais: daí, ainda, o que se supõe elemento ponderável de formação humanista; daí, mais, o que faz época em determinada disciplina, matéria ou questão, quando, de regra, se faz acompanhar de adjunto terminativo relacionado com a disciplina, matéria ou questão em causa; (21) "litúrgico", isto é, relacionado com a liturgia de determinada religião; (22) "ritual", isto é, relacionado com um rito; (23) "doutrinário", isto é, obediente a uma doutrina: (24) "dogmático", isto é, conforme com um ou os dogmas de uma religião; (25) "ortodoxo", isto é, obediente a um cânon; (26) "heterodoxo") isto é, que infringe um cânon; (27) "canônico", isto é, conforme com um cânon; ficando, porém, claro que a relação pode ser multiplicada e ressalvado o fato de que alguns dêsses epítetos podem ser usados para com "obra", "exemplar" e vários outros substantivos da área semântica de "livro" ou de "bibliologia" (cf. LEMA). 


in Elementos de Bibliologia; Houaiss, Antônio – Editora Hucitec – São Paulo, 1983
Ilustração: Jaroslav VodráŽka (1894-1984), painter, graphic artist and illustrator. Ex Libris for Ing. O. Hradečny, lithography, 14 x 4,5 cm

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