outubro 31, 2008

Os gatos não são assim tão maos



Ainda que se persigam os gatos por motivos hygienicos, não impede, isso, que elles tenham tido grandes amizades entre os homens mais illustres das letras.

Victor Hugo tinha o seu "Conego" favorito, um gato roçagante e bonito, possuidor de longos bigodes, de olhos verdes e pello que parecia seda. Era immodesto, manso se o acariciavam, fugidio e até aggressivo se não faziam grande caso delle. Occupava o melhor divan do gabinete do poeta e nínguem se atrevia a tiral-o dali.

Richelieu tinha varios gatos favoritos, distrahindo-o muito os seus saltos e cabriolas, que enchiam os seus momentos de descanso.

Baudelaire era muito acanhado e quando visitava pessoas com quem não tinha grande confiança quasi perdia o uso da palavra. Entretanto, bastava que tivesse um gato sobre os joelhos para que se transformasse em amavel conversador.

Chateaubriand tambem era grande amigo dos gatos e ao ser nomeado secretario da Embaixada Franceza em Roma, o pontifice Leão XII presenteou-o com o seu proprio gato favorito, chamado "Micetto".

Durante o seu desterro, em Londres viveu em casa de uma tia éxcentrica irlandeza senhorita O' Larry, da qual dizia em carta um amigo: "É uma pessoa muito sympathica e com a qual me dou muito bem. Unidos ambos pelo affecto dos gato choramos actualmente a perda de dua gatinhas preciosas, brancas, como o arminho, á excepção da extremidade da cauda, que era negra."

O humorista americano Mark Twain, teve dois gatos chamados Satanaz e Peccado, aos quaes queria como á menina dos seus olhos, e a sra. Janotha, pianista da Corte Britannica, tinha um chamado "Marquez de Haddock", baptizado pelo kaiser Guilherme II, com a alcunha de Othello por motivo do seu pello retinto.


in Revista Popular Brasileira; Moraes, J. da Silva e Gimeno, Francisco; nº 43, pag. 44; Rio de Janeiro, 09-05-1925
Ilustração: Cat and Bird; Klee, Paul, 1928 (MOMA)

outubro 30, 2008

Transgentes





in VAMPIRE The Complete Guide to the World of the Undead; Mascetti, Manuela Dunn – Vicking Studio Books – New York, 1992
Ilustrações: Labyrinth Publishing (UK) Ltd., 1992

Primeira edição



Ópio de cor¹

— Não tem mais papel de seda em nenhuma venda. Já fui no seu Domingos e no seu Fernando. Só se a gente for na Avenida.

Todas as operárias se pintam. Estragam a cara esfregando papel vermelho e cuspe.

— Vamos para Avenida! Anda gente!

— Vou botar pó-de-arroz na cabeça…

— Quer fazer uma vaca pra comprar uma lança-perfume?

— Eu não. O meu bigodinho me dá.

Cadeiras na rua. Caixotes. Italianas gordas. Comadres escancaradas nas sarjetas. Os colos de aventais azuis de pintas e babados com amendoins. Meninos grandes chupam as mamas de quilos.

O confeti vai da cabeça pro chão. Do chão pra cabeça.

— Olha o bando! Olha o bando! Chiquita!

As meninas atiram-se como gatas pegando os rolos das serpentinas. Os sexos estão ardendo. Os grilos estrilam nos sinais. Os burgueses passam nos carros concordando que o Brás é bom no Carnaval.

No Colombo, as damas brancas, pretas ou mulatas como as meninas fugidas de casa, não pagam entrada.

— Alerta, rapaziada maxixeira!

Um urso vende serpentinas nos estribos dos carros em movimento. Mocinhas urram histericamente com medo do bicho.

Todas as meninas bonitas estão sendo bolinadas. Os irmãozinhos seguram as velas a troco de balas. A burguesia procura no Brás carne fresca e nova.

— Que pedaço de italianinha!

— Só figura! Vá falar com ela. Uma analfabeta.

— Pruma noite, ninguém precisa saber ler.

— Passei um bilhete praquela tipa.

No fordinho novo, Eleonora ao lado de Alfredo, se empertiga numa fantasia cara de boneca Lenci e sacode todas as pulseiras do braço, querendo voltar para o Esplanada.

— Aqui só tem barbeirinhos!

As filas de automóveis se misturam, engrossam, lavando a promessa das meninas pobres, cheias de venta rolas e rolos catados. Pierrôs vermelhos. Arlequins. Dominós. Fantasias irreconhecíveis.

— Ah! Se eu pudesse fazer o corso!

Chinesinhas barulhentas tomam guaraná na garrafa, afogando e tossindo.


As orquestras sádicas incitam:– Dá né-la! Dá né-la!

Aquele pierrô feminino está cheirando éter. Aprendeu. Uma baiana imensa ronca num degrau.


— Não olhe praquele sujeito da baratinha!

— Vê lá se eu vou deixar aquere batuta por causa de você!

— Vem embora! Anda!

— Não vou. Me deixa!

Uma facada. Um grito. Viúva alegre. Um lençol. Desaparecem as rodelas vermelhas de carmim dentro do carro branco de sinos.

A borboleta de lentejoulas, caída de um cabelo frouxo, espeta as antenas duras na poça de sangue.

O carnaval continua. Abafa e engana a revolta dos explorados. Dos miseráveis. O último quinhentos réis no último copo.


— Moço, me dá um rolo?


A rua Bresser está iluminada. Os garotos de bigode de rolha catam confeti no chão.

— Mas cara-do! Cu ras-gado!

¹Este subtítulo identifica o capítulo de que foi extraído os trechos de Parque Industrial (1933).


in PAGU Patrícia Galvão VIDA-OBRA; Campos, Augusto de – Brasiliense – São Paulo, 1982
Ilustração: Foto de Patrícia. Data e local não identificados. 1926? (Coleção de Adelaide de Andrade)

outubro 29, 2008

O objeto-paixão


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"O gosto pela coleção", diz Maurice Rheims, "é uma espécie de jogo passional" (La Vie étrange des objects, p. 28). Com a criança é o modo mais rudimentar de domínio do mundo exterior: arranjo, classificação, manipulação. A fase ativa de colecionamento parece situar-se entre sete e doze anos, no período de latência entre a pré-puberdade e a puberdade. O gosto pela coleção tende a desaparecer com a eclosão pubertária para ressurgir algumas vezes logo depois. Mais tarde, são os homens de mais de quarenta anos que freqüentemente são tomados por esta paixão. Enfim, uma relação com a conjuntura sexual é visível por toda a parte; a coleção aparece como uma compensação poderosa por ocasião das fases críticas da evolução sexual. É sempre própria de uma sexualidade genital ativa mas não a substitui pura e simplesmente. Constitui, em relação a esta, uma regressão ao estado anal que se traduz por condutas de acumulação, ordem, retenção agressiva etc. A conduta de colecionamento não equivale a uma prática sexual, não visa a uma satisfação pulsional (como o fetichismo), contudo pode chegar a uma satisfação reacional igualmente intensa. No caso o objeto toma inteiramente o sentido do objeto amado. "A paixão pelo objeto leva a considerá-lo como algo criado por Deus: um colecionador de ovos de porcelana acha que Deus jamais criou forma tão bela nem mais singular e que a imaginou unicamente para alegria dos colecionadores…" (M. Rheims, p. 33.) "Sou louco por este objeto", declaram e todos, sem exceção, ainda que não intervenha a perversão fetichista, conservam à volta de sua coleção um ambiente de clandestinidade, de seqüestro, de segredo e de mentira que apresenta todas as características de uma relação culposa. É este jogo apaixonado que constitui o sublime desta conduta regressiva e justifica a opinião segundo a qual todo indivíduo que não coleciona alguma coisa não passa de um cretino e um pobre destroço humano."¹


O colecionador não é sublime portanto pela natureza dos objetos que coleciona (variando este com a idade, a profissão, o meio social), mas pelo seu fanatismo. Fanatismo idêntico tanto no rico amador de miniaturas persas como no colecionador de caixas de fósforos. Nesta qualidade, a distinção que se faz entre o amador e o colecionador, o último amando os objetos em função de sua ordem em uma série, e o outro por seu encanto diverso e singular, não é decisiva. O prazer, tanto em um como no outro, vem do fato de a posse jogar, de um lado com a singularidade absoluta de cada elemento, que nela representa o equivalente de um ser e no fundo do próprio indivíduo — de outro, com a possibilidade da série, e portanto da substituição indefinida e do jogo. Quintessência qualitativa, manipulação quantitativa. Se a posse é feita da confusão dos sentidos (mão, olho), de intimidade com um objeto privilegiado, é igualmente toda feita de procura, de ordem, de jogo e de agrupamento. Para se falar claro, existe aí um perfume de harém em que todo o encanto é o da série na intimidade (todavia com um termo privilegiado) e o da intimidade na série.


Dono de um serralho secreto, o homem é por excelência senhor no seio de seus objetos. Nunca a relação humana, que é o campo do único e do conflituoso, permite esta fusão da singularidade absoluta e da série indefinida: daí ser ela fonte contínua de angústia. O campo dos objetos, ao contrário, que é o dos termos sucessivos e homólogos, é tranqüilizador. A preço, bem entendido, de uma astúcia irreal, de abstração e regressão, mas que interessa. "O objeto, diz Maurice Rheims, é para o homem como uma espécie de cachorro insensível que recebe as carícias e as restitui à sua maneira, ou antes as devolve como espelho fiel, não às imagens reais, mas às desejadas" (p. 50).


¹ M. Fauron, presidente dos colecionadores de anéis de charutos (revista Liens do Clube francês do Livro, maio de 1964).



in O sistema dos objetos; Baudrillard, Jean – Perspectiva – São Paulo, 1968
Itustração: Sammekull, Mattias; The Collector – 2008 – Oil on canvas, 90x75cm

O caminho das Pedras

outubro 28, 2008

&




ÉGIDE — amparo, defesa, proteção.
Do grego aigis, o escudo que Minerva usava e que era coberto com couro de cabra. Com o tempo o sentido evoluiu para o de proteção: estar sob a égide das leis.

ELETRICIDADE — do grego elektron, âmbar amarelo.
O âmbar fricionado produz fenômenos elétricos e essa propriedade fôra descoberta por Tales, 700 anos, antes de Cristo.

EMBORA — contração de em boa hora.
Usava-se a princípio com qualquer verbo; hoje o seu emprêgo está restringido aos verbos ir e vir. Nos velhos tempos,seu oposto era aramá, por hora má.

EMBOSCADA — cilada, traição.
Particípio passado substantivado do verbo emboscar, esconder-se num bosque, para armar cilada.

EMÉRITO — insigne.
Do latim emeritu, de emerere, merecer, e aplicava-se, sobretudo, ao soldado veterano, quando êste se retirava da vida ativa do exército. O sentido evoluiu, em seguida para distinto, valoroso.

EMOLUMENTO — retribuição paga.
Da velha raiz mol, moer, Originàriamente, a paga do moleiro, pela moagem do trigo.

EMPÍREO — morada dos deuses mitológicos.
Do grego empyreos, inflamado, ígneo. Segundo a mitologia, era nessa esfera celeste, habitada pelo deuses, que estava reunido o elemento ígneo.

ENTUSIASMO — do grego entousiasmos.
Espécie de furor de inspiracão divina que se apossa da alma; de enthous, inspirado por um deus e asthma, sôpro.

EPICURIST A — aquêle que segue os princípios do epicurismo.
Baseados na doutrina de Epicuro, filósofo grego, cuja doutrina substitui o bem pelo prazer e o mal pela dor, e segundo a qual, a felicidade está em assegurar-se o máximo de prazeres, com o mínimo de dores.

ESCÂNDALO — do grego skandalon, passou ao latim scandalum.
Êste significado passou, depois, por metonímia, a significar as ocasiões que provocam a queda; em seguida por uma progressão da idéia, a indignação que por ela se sente, ou a repercussão de atos ou palavras de mau exemplo.

ESCOLA — do grego schole, descanso, ou ainda o que se faz na hora do descanso.
Na antiguidade, o estudo era reservado aos que não precisavam de trabalhar.


in Dicionário da Origem e da Vida das Palavras; Victória, Luiz A. P. – Livraria Império – Rio de Janeiro, 1958
Ilustração: Steinberg, Saul

Hi, Phone...



Ilustração: Guinigui

outubro 27, 2008

Basil(i/o)



▪ elemento de composição
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antepositivo, do gr. basileús,éós 'rei' (em Homero, mas o termo aplica-se a todos os chefes aqueus e não apenas a Agamêmnon); na Grécia clássica, diz-se não só do arconte-rei e dos reis de Esparta, mas tb. dos reis bárbaros e sobretudo do rei dos persas, e, mais tarde, dos macedônios etc.; a cognação gr. inclui basileía,as 'realeza', o dim. basilídion,ou e o adj. basilikós,ê,ón 'real, de rei', latinizado em basilìcus,a,um, que se especializou em diversas acp. técnicas: basilìcum,i 'o lance do rei no jogo de dados', basilìca,ae 'termo da arquitetura que designava um grande edifício público onde funcionavam os tribunais de justiça e onde os negociantes efetuavam transações'; a partir do sIV, passou a designar um 'edifício destinado ao culto cristão', sentido que repercutiu nas línguas român.; basilìcum (doc. tb. nas formas basilìca, basiliscus) serviu para designar a planta conhecida como manjericão; à cognação lat. pertencem tb. basiliscus,i (gr. basilískos) 'basilisco, serpente peçonhenta' e basilicarìus,ìi 'que anda pelas basílicas, mandrião, preguiçoso, vadio', basilicùla,ae 'capela, igrejinha'; a cognação vern. desenvolve-se desde as orig. da língua e inclui: basiléia, basilema, basileólatra, basileolatria, basileolátrico, basileopátor, basileu, basiliano, basílica, basilical, basilicão, basilicário, basílico, basilícula, basílida, basilidianismo, basilidianista, basilidianístico, basilidiano, basilídion, basiliense, basilina, basilisco, basílise, basilítico, basiloma, basilossauro, basilóxilo

in Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa – photo: St Basil's Cathedral by messiahy in flickr

Instantâneas



Nem com cão-guia
 
in Do Papel até a Web; McKinley, Tony – Quark Books – São Paulo, 1998

Gringos

Informe Comercial

outubro 26, 2008

Infecções estafilocócicas

Aparelho digestivo da ave


Original: Card, E. Leslie – Poutry Production – Filadélfia, 1961


As infecções estafilocócicas estão, por assim dizer, subordinadas à ação de cada um dos tipos de germes por elas responsáveis: Staphylococcus aureus, Staphylococcus albus e Staphylococcus citreus.

As infecções estafilocócicas que têm sido observadas em gansos, marrecos, patos, galinhas, perus, pombos e algumas aves silvestres, tanto podem ocorrer em formas agudas, superagudas ou crônicas.

A sintomatologia admite algumas variações, compatíveis com a forma de apresentação do mal. Assim, na forma aguda, onde a morte ocorre entre 2 e 4 dias, normalmente não são encontradas alterações ósteo-articulares; há diarréia; febre; anorexia; tristeza; inchaço eventual das articulações. Na forma crônica, as aves apresentam um período febril no início da moléstia, seguido de tristeza., eriçamento das penas; conjuntivite catarral; andar trôpego, logo transformado em paralisia artrítica; neste caso, a ave coloca-se então em posição esternal e assim permanece até a morte, mostrando emagrecimento rápido e progressivo. Em alguns casos nota-se a presença de dermatite vesicular, em cujas vesículas (encontradas na crista, barbela e partes sem penas) há conteúdo leitoso, esverdeado.

À necrópsia, são encontradas as seguintes lesões anátomopatológicas:

ossos: congestão das epífises; artrites; espassamento das sinóvias, com inflamações purulentas; corrosão das cartilagens; abcesso no esterno;

coração: nódulos hemorrágicos; tumefação; pericardite;

fígado: hipertrofiado; friável; esverdeado; nódulos; congestão; cianose; focos de necrose; hemorragias sub-capsulares;

baço: hipertrofiado;

intestinos: enterites; nódulos esbranquiçados.

Não é ainda conhecido o modo de propagação da doença nos casos epizoóticos. Impõe-se o isolamento das aves doentes. O tratamento com sulfas e com antibióticos, não respondeu positivamente. Nos casos crônicos, pode-se abrir as articulações inflamadas e lavá-las internamente com solução desinfetante.

O diagnóstico é feito com base no isolamento do germe, em provas de laboratório.


in Carne de Ave (Vademecum); Fonseca, Walter – Editora Obelisco – São Paulo, 1964

outubro 25, 2008

Dia de Jorge



Pacaembubairro de S. Paulo, onde se ergue o famoso estádio do mesmo nome.
Do Tupi paca-iembu, o córrego das pacas.

Palestrado grego palaístra, lugar onde a gente se adestra para a luta.
De lugar de exercícios do corpo, passou por associação de idéias, a sinificar o lugar onde se falava e se discutiam idéias, para assumir muito mais tarde, em português, o significado de conversação.

in Dicionário da Origem e da Vida das Palavras; Victória, Luiz A. P. – Livraria Império – Rio de Janeiro, 1958

Considerações sobre o meio do caminho


Arco do triunfo


Litografia


Cinco rapazes estacionados


Lapa (1827) – Aquarela (10x21 cm) – Debret, Jean-Baptiste. (1768-1848)


A Pair of Shoes (1887) – Oil on Canvas, 34 x 41.5cm – Vincent van Gogh (1853-1890)


Voar e ver


Acqua che ribolle – Nino Barbieri
 

outubro 24, 2008

Pétrala



Drawing Hands, 1948 – Lithograph – Maurits Cornelis Escher (1898-1972)

outubro 20, 2008

In Off


Não é o Tarzan


Natália Vidal


Eduardo Benesi


Gilberto, Francis e Eduardo


Carina e Eduardo


Gansos e Gaiolas


Eduardo e Natália


O Ôvo caiu


A vida é voar e ver


Tsuru e os Gansos


Banzai
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Primeiro ato



Cenário

Diante da casa de SIMBITA. Um caminho entre arbustos, alguns degraus, frente da casa com porta e duas janelas. Em cima escrito: "Lar de Simbita". Mais embaixo uma tabuleta dizendo: "É proibida a entrada de Mosquitos, Feiticeiras e Cobradores." No momento em que sobe o pano, a cena está vazia, a casa com as portas e janelas fechadas. Entra SACI. Na frente da casa existe um sino. O SACI vem muito alegre, cantando sua canção favorita. Carrega uma marmita.

SACI — Saci Pererê / Vai pegar você! / Saci Pererê / Vai pegar você!

(Detém-se diante da casa, puxa a cordinha tocando o sino. Abre-se uma janela bem devagar e o PIRATA DA PERNA DE PAU bota a cabeça de fora com muita cautela.)

PIRATA — Quem é?

SACI — Pensão!

PIRATA — Que é que tem na marmita?

SACI — Tutu de feijão com torresmos.

PIRATA — Opa! (Estende o braço para apanhar a marmita.) Pode entregar!

SACI — Primeiro tem que pagar.

PIRATA — Pago amanhã.

SACI — Tem que ser agora, senão eu volto.

PIRATA (Estendendo a cabeça um pouco e olhando para todos os lados com receio de ser visto.) — Olha aqui, Saci, se deixar comida aqui para mim durante cinco dias eu prometo dar a você um carneirinho que quando fica triste chora diamantes.

SACI — Não quero. Eu quero é fumo.


Quem escreveu a história de Simbita e o Dragão é a pioneira do teatro para crianças no Brasil. A jornalista e escritora Lucia Benedetti, autora desta divertida história sobre um marinheiro que enfrenta um dragão e um pirata, em meio a fadas, sacis e formigas, inaugurou com outra deliciosa história, a do Casaco encantado, 1948, a tradição do teatro infantil em nosso país.

Para quem começou a inventar o teatro para crianças, Lucia Benedetti nunca deixou de manter o encanto que vestiu sua primeira peça. Em Simbita e o Dragão, o marinheiro luta contra inimigos poderosos que se transformam em amigos e ganha o prêmio de viajar por caminhos inimagináveis num barco que cabe na mão. Pela magia da contadora de histórias, tudo vira encantamento.

Macksen Luiz


in Simbita e o Dragão; Benedetti, Lucia – Editora José Olympio – Rio de Janeiro, 2003

Preocupações de uma Velhinha


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Se o ronco de um quadrimotor rompe a calma da manhã, os olhos da velhinha se erguem assustados do canteiro de couves para o céu onde o monstro de metal passa com imponência aterradora cintilando ao sol, e de sua mão pende por um momento o velho regador de lata, que ela pousa depois lentamente no chão, quando o som já se perdeu e a distância apagou o minúsculo ponto no azul; e então ela olha para os canteiros, seus canteiros que ela rega toda manhã e de tempos em tempos cava com a enxadinha e semeia, ela olha e tem medo, seu coração que já morreu em muitas mortes e que sempre ressuscitou com a valentia de uma planta rebelde parece agora temer coisas jamais vistas, coisas obscuras e terríveis que lhe anunciam o ronco do avião sobre sua cabeça, as notícias que os olhos, num intervalo do crochê, vão tentando decifrar no jornal largado sobre a mesa, ou os ouvidos atentos recolhem das conversas.

— Antero, os chineses são gente má? …

— Os chineses? Por quê? São gente feito nós mesmos.

— Hoje li no jornal que eles estão matando muita gente …

— Guerra, Mamãe.

— Guerra pra quê?

— Pra que; guerra, uai, um é inimigo do outro e quer destruir o outro.

Guerra que lembra é a do Paraguai, era menina ainda, o pai contando histórias, umas bonitas, outras tristes — mas não pareciam matar tanta gente. Depois outra guerra, muito longe, e depois, mais perto, a guerra da Itália, quando diziam que o Jaime podia ser chamado a qualquer hora e em que o Amadeu foi, tinha até um retrato dele vestido de soldado — mas essa guerra ficava noutras terras, a milhares de léguas de distância, e era preciso ir de navio ou avião, pois tinha o mar. Agora era esquisito, parecia que a guerra estava em toda parte (tantos nomes de lugares que ela nunca tinha ouvido falar), no mundo inteiro — e decerto de uma hora para outra estaria ali também na cidade, no meio deles, aviões jogando bombas, soldados atirando nas pessoas e as casas pegando fogo, sangue e gente morta nas ruas.

— O Brasil também está na guerra? …

— O Brasil? Não.

— Então como que eu li que foi um batalhão de soldados brasileiros para um lugar estrangeiro …

— Onde? Ah, isso é outra coisa, Mamãe; é guerra, mas não é o Brasil, é a ONU, um batalhão de soldados do mundo inteiro, vários paises, mesmo quem não está na guerra; é para acabar com a guerra, entende?

Diz que entende e pára de falar; depois ela vai pensar sozinha para ver se entendeu mesmo, mas agora não está entendendo: pois se não está na guerra então pra que mandar soldado? Mas não gosta de perguntar aos filhos, eles não gostam de explicar, dizem que é muito complicado, a senhora não entende, Mamãe. Mas tem hora que dá uma comichão na língua e quando vê já está falando:

— Quê que é belico?

— Bélico: acento no é. Bélico é guerra, coisas de guerra.

— Material bélico …

— Fuzil, metralhadora, canhão, tanque, morteiro, tudo isso.

— Morteiro? Uai, essa eu não tinha ouvido falar não, é arma também? Como que ela é?

— A senhora anda curiosa, hem, Mamãe; pra que que a senhora quer saber? É arma de matar, destruir; é um cano, a gente joga a bomba dentro e o cano joga a bomba pra longe e ela explode, morteiro é isso.

Tomou uma chamada, bem feito, quem mandou ela ficar perguntando? Sabe que eles não gostam de explicar, já tomou várias chamadas e não aprende; mas é que dá uma comichão e quando vê — ainda bem que tem hora que segura e não fala: melhor deixar para quando estiver sozinha no quarto, de noite, no escuro, antes de deitar; aí vai pensando devagarinho e repetindo o que leu ou falaram para ela: mas quanto mais pensa, mais fica tudo embaralhado na sua cabeça. As vezes reza a Deus pedindo que Ele ajude seu entendimento, mas o que sente é que as coisas no mundo ficaram tão complicadas que nem mesmo Deus pode mais entender direito; sente como se Ele também estivesse numa confusão e num medo igual ela, aquele medo que estava agora dia e noite com ela: era como se de uma hora para outra uma coisa terrível fosse acontecer e acabar com tudo o que havia de bom na terra. De manhã, ao acordar, lembrava-se de sua hortinha, suas couves, alfaces, tomates, cebolas, moranguinhos; estariam lá ainda, no mesmo lugar do mesmo jeito, ou encontraria apenas um montão de cinzas cheio de braços e pernas de gente, cabeças, orelhas, olhos esbugalhados, como vira no sonho?

Ontem, Cidinho, o netinho maior, na hora que ela estava aguando, entrou na horta com um estranho objeto na mão, uma arma que ele falou o nome mas ela não entendeu e que bastava puxar o gatilho que ela e a horta desapareceriam na mesma hora; ele falou que ia puxar; ela pediu pelo amor de Deus que não fizesse isso; ele puxou e então houve um estalo, mas nada aconteceu, e ele ficou rindo dela e dizendo "Vovó boba, Vovó boba", e depois saiu de afasta continuando a rir dela e a dar tiros. Ela ficou parada entre dois canteiros, o coração ainda batendo forte do susto, as pernas trêmulas, e ao olhar para as suas couves, verdinhas e viçosas, começou a chorar — era boba mesmo, era boba.

Luiz Vilela
Um caso raro no Brasil: é escritor profissional. Tem 30 anos e quatro livros publicados. Duas vezes premiado no Concurso Nacional de Contos do Paraná. Tem curso de Filosofia e já trabalhou em jornal mas quer continuar vivendo só de literatura.


in Contos Jovens 1; Coordenadores: Mansur, Gilberto e Lajolo, Maria Philbert – Editora Brasiliense – São Paulo, 1973
Foto: Guinigui

outubro 19, 2008

包裹

Novissima



Il Ballo Delle Rondini (Francesca da Rimini); Luigi Brunelli – Milano

outubro 18, 2008

Carta nº 7



Meus amiguinhos:

Vou contar-lhes hoje alguma coisa da minha vida no studio, sempre tão cheia de distrações e divertimentos. Quando estamos filmando é prohibida a entrada no "set" do studio aos visitantes, para não perturbar a filmagem das scenas que, por vezes, requerem muito trabalho e paciencia, pois muitas vezes são feitas quatro e cinco vezes, até ficarem como o director deseja, e somente visitas muito importantes são admittidas.

O director é o responsavel directo pelo successo dos films, pois é elle, como Vocês devem saber, quem julga antes o effeito que as scenas farão quando vistas depois pelo publico no cinema. É extraordinario como uma pessoa pode saber a emoção que você vae sentir quando vir as scenas, não? Para filmar as scenas mais difficeis, elle descobre sempre um meio de nos fazer chorar e viver realmente a scena. Lembro-me bem de uma vez em que, durante uma das scenas de "A Pequena Orphã", eu me distrahi e quando procurei por Mamãe (ella não sahe de perto de mim um minuto) e não a vi, comecei a chorar. Eu não gosto de ficar longe della, pois me sinto muito sozinha. "Onde está Mamãe?", perguntei, "por favor, digam-me onde ella está". John Boles disse-me que ella tinha sahido um momento para ver os meus novos vestidos para o film e que voltaria logo, mas, isso não adeantou nada. Eu comecei a chorar. Quando Mamãe voltou, riu-se muito e disse que Mr. Cummings tinha filmado as scenas tristes da fita, onde eu tinha de chorar de verdade. Foi mais facil assim, não é mesmo?

Um dos meus mais queridos amigos foi Will Rogers, e eu fiquei realmente muito triste quando soube que elle tinha morrido. Elle estava sempre no studio quando eu estava filmando, e brincava muito commigo. Um dia, quando estavamos filmando as scenas do Orphanato de "A Pequena Orphã", durante o intervallo, encontrei-o no studio e elle me disse: "Como é Shirley, eu ouvi dizer que você tem dentes postiços, é verdade? Nunca ri com tanto prazer, meus amigos. Eu não tenho dentes postiços, mas quando estavamos filmando, um dos meus dentes cahiu justamente quando eu começava o film, e era bem na frente, imaginem. Vocês todos poderiam ver a falha quando eu risse. Mamãe ficou muito preoccupada, mas tudo ficou resolvido, porque o encarregado da màquillage do studio disse que se poderia fazer um falso só para o film até que o outro nascesse. Deve ser esta a razão porque Will Rogers chegou a saber da historia dos dentes postiços. Will era tão engraçado, e se Vocês virem o ultimo film delle, "Dois Campeões", vão se divertir muito. Elle sempre me dizia que nós dois deviamos escrever um livro sobre belleza, pois que eramos ambos maravilhosos. Sabem por que? Porque eramos os dois unicos actores em Hollywood que não usavam maquillage, e que o seu segredo de belleza era mascar chiclets.

Até breve, amiguinhos. Muitas saudades de

SHIRLEY.


in Album Shirley Temple; Nº 40805; Rua 13 de maio, 33/35 – 2º and.; Rio de Janeiro

Chissô


(Perilla ocymoides)


Originário de regiões próximas ao Himalaia, na Asia, o chissô foi introduzido no Brasil pelos japoneses e ficou limitado a esses imigrantes até há pouco tempo, quando passou a ser comercializado pelo Ceasa paulista. É uma erva aromática que cresce até 80 centímetros de altura, da família das labiadas, a mesma da hortelã (com a qual se parece), manjericão e alfavaca, entre outras.

Usos — Existem duas variedades disponíveis: a de folhas roxas ou vermelhas (aka-dyssô), utilizada como corante em conservas; e a de folhas verdes (ao-dyssô), utilizada como condimento no dia-a-dia. É um tempero muito apreciado na culinária japonesa, presente em pratos típicos como o sashimi (peixe cru), sushi (bolinhos de arroz branco) e tempurá (legumes e peixes empanados e fritos).

Clima — Desenvolve-se melhor nas faixas de temperatura entre 18º e 25º C. As variedades existentes no país não resistem às geadas e precisam de dias longos. Respeitadas essas condições, o agrônomo Massar Katayama, da Cooperativa Agrícola de Cotia, SP, acredita que possa ser cultivado em qualquer Estado brasileiro.

Solo — Não é exigente, desde que o terreno seja bem drenado.

Sementes — O chissõ possui sementes minúsculas, disponíveis junto a produtores de origem japonesa ou na sede da Cooperativa Agrícola de Cotia (avenida Jaguaré, 1487, CEP 05346, São Paulo, SP, tel. 011 268-1522).

Plantio — Planta-se de agosto a novembro. Comercialmente, semeia-se em sementeiras e transplanta-se para o local definitivo depois de 20 ou 30 dias. Numa horta doméstica, você pode fazer o plantio definitivo em covas bem rasas, separadas meio metro umas das outras. Semeie uma pitada de sementes e cubra com uma fina camada de terra. Quando as plantas tiverem cinco ou seis folhas definitivas, elimine as mais fracas e deixe as duas melhores mudas por cova.

Cuidados — Resiste à seca, mas precisa de água, principalmente na época da semeadura e do transplante. Além disso, é só ir retirando o mato que crescer à sua volta.

Pragas e doenças — O chissô pode ser atacado pela lagarta-rosca, pulgões e pela lagarta das folhas. Não costuma adoecer, mas pode pegar a ferrugem branca.

Colheita — Para consumo doméstico, as folhas são colhidas à medida da necessidade, a partir de 50 dias depois da semeadura. Escolha as mais enrugadas: elas têm melhor sabor. Em escala comercial, retira-se o pé com raiz e tudo, entre 70 e 90 dias depois do transplante.


in Horta é Saúde; edição especial de Guia Rural – Editora Abril – São Paulo, 1977