outubro 17, 2008

No Laboratório do Sábio



CAPÍTULO XV

As mulheres Alali, cinqüenta ao todo e todas fortíssimas, penetraram na floresta para castigar os seus recalcitrantes machos. Levavam as pesadíssimas clavas e uma boa quantidade de pedras com penas nas pontas. Mas a sua raiva era ainda mais terrível que as próprias armas. Nunca até então, em que pesasse a lembrança de qualquer delas, o homem se atrevera a discutir-lhe a autoridade, nem lhes mostrar outra coisa senão medo. Entretanto agora, em vez de eclipsar-se ao seu aparecimento, ele ousava desafiá-las, atacá-las, matá-las! Tal ocorrência era um absurdo, uma coisa sobrenatural que se verificava, mas que. não duraria muito tempo. Fossem dotadas de palavra e diriam tudo isso e mais alguma coisa. O negócio estava se tornando preto para os homens: as mulheres estavam com a cara feia. E o que mais se poderia esperar de mulheres que não foram dotadas de expressão comunicativa?

E com esta disposição de ânimo encontraram os homens numa vasta clareira, onde os renegados haviam feito fogo e estava assando a carne de alguns antílopes. Nunca as mulheres viram os seus homens tão simpáticos e elegantes. Sempre eles lhes apareceram magros, quase que cadavéricos, pois que outrora não se alimentavam tão bem como a partir do dia em que Tarzan dos Macacos dera armas ao filho da Primeira Mulher. Enquanto outrora levavam o tempo todo a fugir, aterrorizados, das suas terríveis mulheres, e mal tinham tempo para caçar e alimentar-se convenientemente, agora encontravam descanso e paz de espírito e suas armas lhes davam carnes que, doutra forma, não poderiam provar nem uma vez por ano. Das lagartas e larvas chegaram a uma quase constante alimentação de carne de antílope.

Entretanto, as mulheres não ligaram muito, no momento, à aparência física dos homens. Acharam-nos. Era o bastante. Deles já se aproximavam, arrastando-se, quando um dos homens levantou o olhar, e descobriu-a. Tão arraigado neles estava o hábito de fugir que, esquecendo-se de sua recém-encontrada independência, ele se pôs de pé e num salto alcançou as árvores. Os outros, sem que cuidassem de conhecer a causa de sua precipitação, seguiram-no rente dos seus calcanhares. As mulheres atravessaram, correndo, a clareira, enquanto os homens desapareciam entre as árvores, no lado oposto. Bem que sabiam o que os homens pretendiam. Uma vez na floresta, eles se punham atrás das mais próximas árvores e então se voltavam para ver se suas perseguidoras lhes vinham ao encalço. Este costume estúpido dos machos é que permitia que mais facilmente fossem apanhados pelas ágeis fêmeas.

No entanto, nem todos os homens haviam desaparecido. Um dentre eles havia recuado alguns passos, para se por a salvo àquela louca disparada das mulheres, e depois parou, voltou-se e cara a cara enfrentou as mulheres que vinham correndo. Era o filho da Primeira Mulher, e a ele Tarzan ensinara alguma coisa mais do que o uso de suas novas armas, pois graças ao senhor da jângal, a quem o Alalus adorava com devotamento de um cão, adquirira os primeiros rudimentos da coragem. E assim, enquanto os mais timoratos companheiros se escondiam nas árvores e olhavam para trás, viram eles o Alalus sozinho enfrentar o ataque das cinqüenta enfurecidas mulheres. Viram-no ajustar uma seta ao seu arco, coisa que também as mulheres enxergaram, mas não entenderam. Não entenderam imediatamente, e logo o cordel do arco zuniu e a mulher que estava na dianteira cambaleou e caiu com uma seta no coração. As outras não pararam, porquanto aquilo se verificou rapidamente e tanto que o significado daquele ato não lhes penetrava no endurecido cérebro. O filho da Primeira Mulher ajustou uma segunda seta e disparou-a. Outra mulher caiu, rolando pelo chão. Só então é que as companheiras hesitaram. Hesitaram e ficaram perdidas, porquanto aquela momentânea pausa encorajou os outros homens que espreitavam atrás das árvores. Se um deles podia enfrentar sozinho cinqüenta mulheres e obrigá-las a um alto, o que não poderiam fazer os onze? Saíram, pois, do seu refúgio, com lanças e setas, precisamente, no instante em que as mulheres renovavam o assalto. As pedras com penas voavam rapidamente e em grande quantidade, mas mais ligeiras e mais precisas voavam as setas dos homens, com penas na extremidade. A maioral das mulheres avançou corajosamente até aproximar-se o bastante para poder fazer uso de sua clava e agarrar os homens com suas poderosas mãos. Entretanto, êles haviam aprendido que as lanças são armas mais terríveis que as clavas, de modo que as que não quiseram! cair feridas, voltaram nos pés e fugiram.

Foi então que o filho da Primeira Mulher revelou uma centelha de generalato, que decidiu o êxito daquele dia, e talvez para sempre. Sua ação fez época na existência dos zertalacolois. Em lugar de satisfazer-se com a repulsa das mulheres, em lugar de descansar nos louros da vitória alcançada, ele assumiu o papel das suas hereditárias inimigas e assaltantes mulheres, fez sinal aos companheiros que o acompanhassem e quando viram as mulheres fugindo ficaram tão entusiasmados com este reverso de velhos hábitos que se puseram rapidamente em sua perseguição.

Pensaram que era intenção do filho da Primeira Mulher matar todas as suas inimigas, e ficaram surpresos quando o notaram saltar sobre uma das mais novas, segurá-la pelos cabelos e desarmá-la. Tão notável lhes pareceu que um dos seus companheiros, tendo uma mulher em seu poder, imediatamente não a matasse, que foram constrangidos a parar e rodeá-lo, fazendo-lhe perguntas naquela estranha linguagem mímica.

— Por que você a segura? Por que não a mata? Não receia que ela o mate? eram algumas das perguntas com que o cruzaram.

— Vou conservá-la comigo, replicou o filho da Primeira Mulher. Não gosto de cozinhar. Ela cozinhará para mim. Se recusar, bater-lhe-ei com isto.

E o jovem ameaçou as costas da rapariga com sua lança, gesto que a fez abaixar-se e, apavorada, cair sobre um dos joelhos.

Os homens se puseram a dar saltos de tão excitados ante o valor deste plano e o evidente terror da mulher, pois o ato do companheiro penetrara a fundo em sua embotada consciência.

— Onde estão as mulheres? gesticularam uns aos outros. Mas as mulheres haviam desaparecido.

Um dos homens partiu na direção que elas tomaram.

— Eu vou! gesticulou ele. E voltarei com uma mulher minha, para cozinhar para mim!

Numa louca corrida os outros o seguiram, deixando o filho da Primeira Mulher sozinho com a sua prisioneira.

— Cozinhará para mim? indagou ele, voltando-se para a presa.

Aos seus gestos, a rapariga lhe correspondeu com uma taciturna e enfurecida cara. O filho da Primeira Mulher levantou a lança e com a pesada arma deu-lhe uma pancada na cabeça, derrubando-a. E ali permaneceu, perto dela, rosnando e enfurecido, e ameaçando-a com outros castigos, enquanto ela se agachava no lugar onde havia caído. O rapaz deu-lhe um pontapé.

— Levante-se! ordenou-lhe.

Vagarosamente ela se pôs de joelhos e abraçou-lhe as pernas e levantou os olhos para a sua cara, com a expressão aduladora e devota de um cão.

— Você cozinhará para mim? insistiu o Alalus.

— Para sempre! respondeu a rapariga, na linguagem mímica de sua gente.


in Tarzan e os Homens-formiga; Burroughs, Edgar Rice – Companhia Editora Nacional – São Paulo, 1958

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