fevereiro 19, 2009

Aniversário



Os aniversários simbolizam as fases marcantes do ciclo da existência. Os aniversários de pessoas (Sanga) são festejados de forma solene, no Japão. Particularmente importantes são os seguintes:
 
40º ano: denominado inicio da velhice (em japonês, shoro), porque Confúcio diz: Aos 40 anos, já não me desviava do caminho

61º ano: conclusão do ciclo de 60 anos (em japonês: kanreki). Nesse aniversário, todos aqueles que tiverem tal idade colocam um barrete vermelho e vestem um quimono vermelho, sendo felicitados por se terem tornado novamente recém-nascidos
 
70º ano: ou idade rara (koki), assim chamada após o grande poeta chinês Tu-Fu ter dito que os 70 anos (koki) eram um privilégio entre os homens; 

77º ano: ou alegre longevidade (em Japonês: kiju); 

88º ano: ou longevidade do arroz (em japonês: beiju). 

Esses dois últimos aniversários são assim denominados porque a caligrafia japonesa que representa as palavras alegria e arroz assemelha-se aos números japoneses 77 e 88. 

Podemos aproximar desses aniversários especiais os que assinalam a duração do casamento, unindo ao símbolo da lembrança e da aliança os de materiais cada vez mais preciosos. sólidos e raros: 
um ano, bodas de papel; cinco anos, bodas de madeira; dez anos, bodas de ferro; vinte e cinco anos, bodas de prata; cinqüenta anos, bodas de ouro; e sessenta anos, bodas de diamante. 


in Dicionário de Símbolos; Chevalier, Jean e Gheerbrant, Alain – José Olympio Editora – Rio de Janeiro, 1990

fevereiro 15, 2009

Brasília

Em 1883 Dom Bosco teve outro sonho profético, devidamente registrado em suas anotações. Neste, ele viajava por toda a América do Sul. Mas o principal desta profecia é o que seria referente ao planalto central brasileiro:

“... Eu enxergava nas vísceras das montanhas e nas profundas da planície. Tinha, sob os olhos, as riquezas incomparáveis dessas regiões, as quais, um dia, serão descobertas. Eu via numerosos minérios de metais preciosos, jazidas inesgotáveis de carvão de pedra, de depósitos de petróleo tão abundantes, como jamais se acharam noutros lugares.

Mas não era tudo. Entre os graus 15 e 20, existia um seio de terra bastante largo e longo, que partia de um ponto onde se formava um lago. E então uma voz me disse, repetidamente: ‘Quando vierem escavar os minerais ocultos no meio destes montes, surgirá aqui a Terra da Promissão, fluente de leite e mel. Será uma riqueza inconcebível’.”

Observa-se que entre os graus 15 e 20, na América do Sul, há pequenos trechos de terra do Peru e do Chile, algo da Bolívia e grande extensão de terra brasileira, onde se encontra Brasília. A tradução acima desta profecia foi de Monteiro Lobato.

Igrejinha Nossa Senhora de Fátima — 1957; Athos Bulcão: Painel; Azulejo 15X15 cm; Arquiteto: Oscar Niemeyer; SQS 307/308, Brasília

Capela – Palácio da Alvorada — 1958; Athos Bulcão: Porta de alumínio pintado de preto e vidros de cor; Arquiteto: Oscar Niemeyer; Palácio da Alvorada, Brasília

Teatro Nacional Cláudio Santoro — 1966; Athos Bulcão; Relevo; Concreto; Arquiteto: Oscar Niemeyer; Brasília

Memorial Jucelino Kubitschek — 1981; Athos Bulcão: Relevo; Mármore branco; Sala do túmulo; Arquiteto: Oscar Niemeyer; Brasília

Instituto Rio Branco — 1998; Athos Bulcão: Painel; Cerâmica; Arquiteto: Luis Antonio Reis; Brasília


"Lula" — 1981/1983; Athos Bulcão: Relevo; Madeira pintada; Arquiteto: Glauco Campelo; Creche Sarinha; Brasília


Fotografias: Tuca Reinés e Rui Faquini in Athos Bulcão – Fundação Athos Bulcão – Brasília, 2001

Pérolas aos poucos



Um Anjo
red cat

O anjo desceu na praça, sentou do lado do moleque, ficou olhando. O menino acabou de consumir o crack, espiou em volta, noite tinha virado dia, o ronco da barriga parecia fartura de banquete, a mulamba caída na calçada virou princesa. Feliz, encarou o anjo: Valeu, mermão!




Maracujá de gaveta
Borges

Todo dia, vinte vezes, ela abria aquela gaveta. Tava lá, seco, enrugado, o maracujá de Anísio. Ah, o beijo de Anísio, as mãos de Anísio, a safadeza de Anísio!... Deu pra ela o maracujá como quem dá uma prenda rara. Mas depois sentou praça na Marinha, nunca mais voltou, bandido...




Adultério
red cat

Vestiu a roupa azul, comprou as rosas brancas, foi pro mar, tudo certo como mandou o santo. Que deixasse seu homem livre, era só o que pedia pra Iemanjá. Que ele seguisse o coração, fosse o que fosse que o coração mandasse. As ondas ouviram, o mar ouviu, na volta ainda tinha maresia na pele. Em casa, aguardou. E então ele veio, olhando de canto: Tou indo, larguei a mulher, vim dizer adeus a você também, morena. Vou embora com o Agenor.




Oásis
Borges

Diz que na hora da morte, toda memória passa como um filme. Não foi assim com Dona Idalina. Marido chato, filhos ingratos, infância sofrida, tudo ela preteriu pelo sonho imutável e obstinado. Cercada por todos, bisnetos remelentos, netos alvares, a tenda de oxigênio transformou-se, mágica, na barraca de seda onde Rodolfo Valentino, o filho do sheik, beijou, enfim sua boca moribunda.




Abandono
Borges

Foram quarenta e cinco anos ao lado de Alayde. Não tolerava os gatos dela, mas aprendeu a alimentá-los e a limpar a sujeira que faziam. Conviveu com eles como conviveu com ela. Depois do enterro, pensou que sua vida tinha acabado junto com a dela. Pensou em fechar as janelas, abrir o gás, com os gatos em volta. Não obstante, viveu ainda oito anos no velho apartamento, com seus gatos e seus peidos.




Amanhecer
red cat

Primeiro foi só um brilho, bem ali no canto onde tinha de estar o sapato jogado de qualquer jeito. Virou-se para o outro lado, apertou os olhos, abriu-os. Agora era uma faixa larga, carregando calor até seu corpo, aquecendo finalmente a alma. Não disse nada, não se mexeu ante aquele sol inesperado que explodia em meio à noite. Apenas deixou que secasse suas lágrimas.





Veleiro
Borges

Nem sempre o barco que vai é o mesmo que volta. Quanta sereia o desvia, quanta onda com ele dança. Assim foi quando Oberdan saiu aos pouquinhos dos olhos molhados de Lindaura, o aceno que prometeu regresso cada vez mais longe, cada vez menor, aquele aperto no peito, aquele bolo na garganta. Três semanas ela esperou, olhando o mar, olhando o cais, molhando as pedras com se pranto de ânsia e de tesão. Um dia, o barco voltou, mas quede Oberdan?




A alma do gato de Cortázar
Borges

Viveu entre o afago distraído de quem lia e os intrincados solfejos de Charlie Parker. Conheceu o belo em todas as dimensões possíveis, escalou estantes infindas, mofo de livros. Seus ouvidos sensíveis aprenderam a distinguir a melopéia sincopada do portenho do sabor travoso do francês. No paraíso dos gatos, foi adotado por Platão.




Secretária eletrônica
red cat

A primeira lição de liberdade chegou muito inesperada. Foi quando viu um amigo deixar o telefone tocar e tocar e tocar sem um só gesto de ansiedade. Aquilo ressoou fundo na alma, questionou perplexidades e grilhões, encostou mesmo sua alma contra a parede. Ao chegar em casa, riu sozinha e, sem dó nem piedade, desligou a secretária eletrônica da tomada. Na nova vida de asas, nunca mais a usou.




Destino
Borges

Nem quando Sinésio casou enfim com a mana Fátima, Filó deixou de amá-lo, de desejá-lo como cada dia de sua adolescência. Como era injusto! Como era injusto! Ah, se ele soubesse quanta noite ela se consumiu ardendo por seu beijo, por seu corpo, por sua atenção, que fosse! Mas ainda precisou esperar por 30 anos até que a pneumonia levasse a mana e abrisse a Sinésio seu inexorável destino.




Circo
red cat

Nunca gostou de circo. Todo mundo ria do palhaço, ela se enchia de pena e ficava flutuando numa névoa, achando muito triste que fizessem com aquele pobre homem o mesmo que com ela, nas correrias de rua. Quando o domador entrava na jaula com seu chicote, apertava os olhos com força, sem querer ver a dor do leão. E anos mais tarde, no longo vôo da ponte, lembrou-se com o coração apertado da trapezista por quem sempre rezava nas torturantes tardes de circo. 



in Pérolas aos poucos; Borges e Red Cat – O Caixote – São Paulo – Brasília, junho 2002
Série de minicontos feitos em sala de bate-papo do UOL entre Sergio de Castro Neves (Borges) e Lizete Mercadante Machado (Red Cat), posteriormente com ilustrações e arranjos musicais em midis por Marcos Fernandes (Agni, o Guran. Mais tarde Guinigui) em http://www.ocaixote.com.br/

A Tumba do Rei Davi em Jerusalém



ACI 966. Coligido por Nehama Zion, de Miriam Tschernobilski, nascida na Polônia. 

O conto está centrado em tôrno dos Motivos D 1960.2, "Kiffhauser. Rei dorme na montanha", e C897.3, "Tabu: calcular o tempo do advento do Messias". O folclore judaico está repleto de histórias de piedosos rabinos que tentaram, e falharam, trazer o Messias à terra. O, parentesco entre Elias e o Messias é discutido por E. Margolioth em O Profeta Elias na Literatura Judaica (hebraico), pp. 156-157. Na tradição judaica, o verdadeiro Messias é um descendente do Rei Davi, ao passo que o falso é aparentado com a casa de José. Outros contos relacionados com a tumba do Rei Davi encontram-se em J. E. Hanauer, The Folk-Lore of the Holy Land, pp. 89-93, 132-133. Existe uma outra versão do presente texto em A. Ben-Israel Avi-Oded, Lendas da Terra de Israel (hebraico), pp. 220-221¹.


Oitenta anos atrás, numa ieschivá polonesa, viviam dois alunos que acordaram com um desejo ardente pela redenção. Ambos desejavam especialmente subir a Eretz Israel, a Terra dos Pais. Almejavam particularmente ver o túmulo do Rei Davi. Sonha ram com isso dia e noite e, finalmente, começaram a pensar numa maneira de transformar os sonhos em realidade. Não tinham dinheiro, então resolveram subir a pé. Assim decidiram, assim fizeram. Saíram apenas com bengalas e mochilas. No caminho, encontraram muitos obstáculos mas, com a ajuda de Deus, sobrepujaram a todos e alcançaram, finalmente, a cidade santa de Jerusalém. Tremiam e estavam muito felizes no coração por se acharem no lugar sagrado e terem chegado ao destino sãos e salvos. Ainda dominados pela alegria, de repente se viram exatamente do lado oposto do Monte Sion. Todavia, não sabiam com exatidão. onde se localizava o túmulo do Rei Davi nem que caminho os levaria lá. Enquanto permaneciam assim indecisos, o Profeta Elias, de abençoada memória, apareceu-lhes e mostrou-lhes o caminho. 

— Agora, meus filhos, quando alcançarem o túmulo e entrarem e descerem os degraus, fiquem sempre na parte mais baixa do túmulo. Seus olhos serão deslumbrados por tôdas as visões de desejos que verão ali, prata, ouro e diamantes. Cuidado para não perderem a razão! Devem procurar a jarra de água ao lado da cabeça do Rei Davi. Derramem água da jarra nas mãos que o Rei Davi lhes estenderá. Derramem água três vêzes em cada uma das mãos, e o Rei levantar-se-á e seremos redimidos. Pois o Rei Davi não está morto; êle vive e existe. Está sonhando, e acordará quando nos tornarmos dignos dêle. Por suas virtudes e pelo mérito dessa aspiração e dêsse amor, êle se levantará e nos redimirá. Amém, que isso venha a acontecer. 

Depois de proferir essas palavras, o Profeta Elias desapareceu. Os moços subiram o Monte Sion, guardado pelo Profeta Elias, Desceram às profundezas do túmulo do Rei Davi. Tudo se passou como dissera o Profeta Elias. O Rei Davi estendeu-lhes as mãos, e havia uma jarra de água junto à sua cabeça. Porém, devido aos nossos muitos pecados, a riqueza em volta cegou os olhos dos jovens e êles se esqueceram de despejar água nas mãos estendidas. Angustiadas, as mãos se retraíram e imediatamente a imagem do Rei desapareceu. 

Os jovens ficaram assustados quando compreenderam que, por intermédio dêles, a redenção fôra adiada mais uma vez e o galut teria de continuar por muito tempo. Ambos choraram amargamente, porque a mitzvá da redenção estivera em suas mãos e a haviam deixado escorregar por entre os dedos. 

Possa chegar o dia em que a prata e o ouro não mais ofusquem os nossos olhos. E quando chegar outra vez a hora certa, que essa não seja mais adiada. Amém e amém. 

(1) Para um tratamento literário desta estória, ver, em Nova e Velha Pátria, o conto Na Gruta do Rei Davi, de H. N. Bialik.


in Contos da Dispersão;  Noy, Dov (Edição) – Perspectiva – São Paulo, 1966 – Coleção Judaica
Ilustração: Rita Rosenmayer e Guinigui

fevereiro 14, 2009

Felicidade no casamento 'influi na pressão arterial'



Adultos satisfeitos com o casamento têm pressão arterial mais baixa do que solteiros, sugere um estudo realizado por pesquisadores americanos e publicado na última edição da revista científica Annals of Behavioral Medicine. Realizada na Universidade Brigham Young, em Utah, nos Estados Unidos, a pesquisa fez uma avaliação da pressão arterial de 204 adultos casados e 99 solteiros durante um período de 24 horas. Os participantes usaram um monitor que media a pressão arterial cerca de 72 vezes ao longo do dia — mesmo durante o sono. Os resultados indicam que adultos felizes com o casamento têm a pressão arterial até quatro pontos mais baixa do que os solteiros. De acordo com o estudo, mesmo entre os solteiros que possuem uma vida social ativa e se encontram com amigos com freqüência, a pressão arterial continua mais elevada do que entre os participantes casados. 


in Saúde São Paulo; Ano 4; Nº 12; Dezembro de 2008 – Assessoria de Comunicação Social  da Secretaria do Estado da Saúde
Ilustração: Guinigui

fevereiro 13, 2009

Os acidentes de consumo



Se a panela de pressão explodir, o automóvel provocar um acidente porque os freios estavam defeituosos ou os hóspedes do hotel sofrerem uma intoxicação alimentar, o fabricante, produtor, construtor, importador ou prestador de serviços são automaticamente identificados como responsáveis pelo acidente. Terão de indenizar as vítimas por danos causados por defeitos de fabricação, projeto ou "design", construção, montagem, fórmulas ou manipulação. São também responsáveis por acidentes decorrentes dos defeitos de apresentação, embalagem ou por informar mal ou de forma errada o modo de usar e os riscos do produto. 

A grande inovação é que não cabe mais ao consumidor, ao entrar com um processo na Justiça, provar que foi provocado por defeito do produto ou serviço. Um exemplo do que melhorou: vítimas de acidentes de automóvel por falha no sistema de freios precisavam recorrer — e pagar! — à perícia especializada para provar o defeito. Muitas vezes isso era impossível: o carro havia sido destruído! Agora, basta o consumidor comprovar a existência do fato (o uso do carro), do dano (o acidente) e do nexo de casualidade entre ambos, para ter direito à indenização. 

O fabricante só se salva de pagar a indenização se provar que não colocou o produto no mercado ou que não existe defeito, ou ainda que a culpa foi exclusivamente do consumidor ou de terceiros. 

Assim como o fabricante, o prestador de serviços também está responsabilizado por danos provocados por defeitos relativos à prestação de serviço ou por informação insuficiente ou inadequada sobre o mesmo. 

Acidente de consumo: quando o comerciante paga a conta 

Se o produto não tem a identificação do fabricante, produtor, construtor ou importador, ou se a identificação não for clara, quem paga a indenização é o comerciante. E dele também a responsabilidade por não conservar de forma adequada produtos perecíveis. Supermercados que desligam os refrigeradores e freezers durante a noite e finais de semana para economizar energia elétrica estão na mira da lei. 

Em alguns casos, se o comerciante, após indenizar as vítimas, conseguir provar que a culpa é de outros fornecedores, poderá entrar com uma ação de regresso para reaver o que pagou. 

Acidente de consumo: prazo para pedir indenização na Justiça 

O consumidor terá cinco anos para buscar na Justiça a reparação de danos causados por acidentes de consumo. A contagem do prazo inicia-se no momento em que o consumidor se dá conta do problema. Em acidentes provocados pelo uso de um determinado medicamento, o consumidor pode demorar para descobrir o que está acontecendo, e por quê. O prazo passa a contar a partir da descoberta. 


in Consumidor Urgente; Lazzarini, Marilena – Editora Abril – São Paulo, 1991

fevereiro 06, 2009

La Profecía del Cuerno verdadero



A TRAVÉS DE LOS VACÍOS DEL TIEMPO 
estas palabras me llegaron. 


Desapareceré gradualmente en la tiniebla, 
en una noche hecha por el Hombre. 
Pero el Sol atravesará esa niebla 
cuando me pierdo y así otra vez me gano. 


¡Libérate! ¡Libérate! Te llamo 
a Nuevas Tierras más allá del mar: 
que otro, por sendero estrecho, se me acerque. 

◊ 

Más lejos, más alto, 
pero fuera de alcance. 
Elige bien el camino que enseñe 
cómo se levanta el Hundido, 
cómo se llena el Vacío, 
cómo finalmente se sosiega 
un corazón desconcertado. 


¡Busca la Gran Piedra! 
Márcala con una señal 
para que quien te siga 
sepa que es la mía, 
y esté cierto, ai veria, y pondere, 
tal como escribieron los Antiguos: 
"Tal y tanto Arriba, tal y tanto Abajo". 


Y custodiaré la Fuente de la Grandeza; 
esperaré junto a una lágrima 
nacida ni de la pena ni de la alegría, 
revestido de plata, bajo tierra; 
soy el Cuerno Espiralado. 



in De la História y la Verdad del Unicornio; Green, Michael – Ediciones Urano – Barcelona, 1989

Crônica de burrices anunciadas



Valério Bemfica

Desculpem os leitores pelo título pouco sutil, parafraseado de Garcia Marquez. O mais correto, do ponto de vista jornalístico, talvez fosse: "Público do Cinema Brasileiro Diminui". Mas já usamos tal título no meio do ano, falando do primeiro semestre de 2008. E no começo do ano, falando de 2007. E formulações parecidas foram usadas outras vezes — a notícia virou rotina. Optamos por uma mais agressiva dessa vez, pois apenas a subserviência — seja ela remunerada ou não — aos monopólios da indústria cultural não é suficiente para explicar a nova queda nos espectadores de filmes brasileiros: 8,7 milhões em 2008, contra 9,8 milhões em 2007. Em termos percentuais perdemos ainda mais, ficando com 9,72%, uma vez que o número geral de ingressos vendidos teve um pequeno aumento. E, como não poderia deixar de ser, o preço médio dos ingressos e a renda dos distribuidores e exibidores também aumentou. 

Para que se tenha uma idéia do que isso representa, gostaríamos de lembrar que em 2003, primeiro ano do governo Lula, o número de espectadores dos filmes brasileiros foi de 22,1 milhões. Há 30 anos, em 1978, quando havia a Embrafilme, chegou a 60 milhões. 

Antes de comentar as burrices anunciadas façamos, porém, uma breve síntese dos argumentos que temos defendido. O setor do audiovisual é extremamente monopolizado. Como apontou Anita Simis, em artigo publicado na edição 2732, esse processo começou nas primeiras décadas do século passado, quando os grandes estúdios de Hollywood começaram a estender seus tentáculos sobre o ramo de distribuição e exibição. Hoje não temos no Brasil um mercado, mas um cartel, dominado por meia dúzia de distribuidoras norte-americanas que abocanham quase 80% dos ingressos vendidos no país e duas redes exibidoras — também estadunidenses — que detém cerca de 50% do público. Todas as decisões sobre o que, quando e quanto exibir são tomadas no exterior. Para essa turma, o cinema nacional é apenas um estorvo, um item que deveria ser excluído de suas planilhas. 

Diante de tal quadro, só através da ação firme do Estado o cinema brasileiro pode se desenvolver. E, por ação firme, entenda-se: uma elevada cota de tela (que inclua não só o cinema, mas também a TV aberta e a TV paga), uma distribuidora estatal, salas públicas de cinema (já que os monopólios desprezam as periferias e cidades menores), ingressos baratos. Nenhuma dessas medidas sequer passa pela cabeça dos luminares instalados no Minc e na Ancine. Pelo contrário, optam por despejar dinheiro na produção de filmes que não serão vistos, tentando comprar o silêncio dos realizadores e garantindo a reserva de mercado para o audiovisual estrangeiro. Vejamos as estultices recentemente anunciadas.

Primeira burrice anunciada

No início de dezembro do ano passado foi armado um circo para, pomposamente, anunciar a criação do Fundo Setorial do Audiovisual. Na realidade, trata-se da regulamentação do uso das taxas criadas junto com a Ancine. A única novidade real é que a FINEP — Financiadora de Estudos e Projetos, empresa pública ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia — passa a realizar a chamada pública e lançar os editais, a exemplo do que acontece com outros fundos setoriais. O dinheiro já não é mais um patrocínio, mas um "investimento", que deverá retornar aos cofres públicos com receita de bilheteria. Talvez os atuais ocupantes do Minc e da Ancine não saibam, mas o financiamento via FINEP já existiu nos tristes anos de FHC. Foi um retumbante fracasso. Dezenas de empresas do setor ainda devem e não fazem a menor idéia de como pagar. E por quê? Simplesmente porque naquela época — assim como agora — os editais ofereciam dinheiro, mas não havia nenhuma política pública que garantisse a exibição. 

É verdade que os gênios estabeleceram quatro linhas de financiamento: duas para a produção (R$ 22 milhões) e duas para a circulação (R$ 15 milhões). As duas para a produção (uma para longas-metragens e outra para produtos destinados à televisão) exigem que o produtor já tenha um contrato prévio de distribuição ou exibição. Não por acaso é a tese defendida por Rodrigo Saturnino Braga, capo da Columbia Tristar no Brasil: só devem ser feitos os filmes que os distribuidores querem. As duas para circulação (comercialização e aquisição de direitos de distribuição) dão dinheiro direto para empresas distribuidoras para que assumam filmes em produção. Caso algum habitante de outro planeta chegasse aqui e deparasse com os editais, poderia pensar que a coisa é séria. De um lado, financiam-se filmes, que já têm garantida a distribuição. De outro, financia-se os distribuidores, para que possam colocar os filmes no mercado. E depois, produtores e distribuidores devolvem o dinheiro ao Estado, com a renda da bilheteria. 

Mas, ao que tudo indica, os comandantes do Minc e da Ancine são terráqueos. E devem saber, portanto, que, dos 82 títulos lançados no mercado brasileiro, só dois ou três conseguiram dar lucro — aqueles associados aos monopólios. Existem, portanto, apenas duas possibilidades: as empresas independentes do setor, sempre na luta para sobreviver, pegam o dinheiro sabendo que não conseguirão pagar, e tentam "dar um jeitinho" no futuro (não seria a primeira vez... ) ou o dinheiro vai parar, indiretamente, na mão dos monopólios. A segunda alternativa nos parece mais provável. As multinacionais da distribuição já estão autorizadas, faz tempo, a usar o imposto devido por suas remessas de lucros para produzir filmes aqui, filmes que elas mesmas distribuem. E só colocarem esses filmes para concorrer nos editais do FSA, em nome de uma produtora nacional, para conseguir uma produção a custo zero. E, nas linhas de distribuição e comercialização, o dinheiro ou acabará no bolso da Globofilmes, versão tupiniquim dos monopólios, ou será tomado por pequenas distribuidoras que, para conseguir honrar seus compromissos, acabarão se juntando com as maiores na hora de colocar os filmes nos cinemas. Em suma, muito lero-lero para dar mais dinheiro — público — para os mesmos. Não é à toa que o Presidente Lula, convidado a participar da cerimônia de lançamento do Fundo, não achou a exposição do tema muito inteligente... 

Segunda burrice anunciada 

Poucos dias depois do lançamento do FSA, outro anúncio da Ancine: a cota de tela. E, assim como no caso do Fundo, na verdade não há novidade alguma, pois a cota é a mesma de 2008, que por sua vez repetiu 2007. Descobriram a fórmula do fracasso e não se cansam de reproduzi-la. Grosso modo, os cinemas brasileiros são obrigados a preencher menos de 10% de sua programação com a cinematografia nacional. Não é preciso ser muito esperto para descobrir porque o mercado de nossos filmes é de 9,72%. As maiores, que lançam menos de uma centena de títulos por ano, têm nove vezes mais espaço para exibi-los do que os cineastas brasileiros, que produzem oitenta filmes. Em um setor dominado totalmente por multinacionais, que evidentemente preferem passar os seus próprios produtos, a cota de tela será sempre o teto, não o piso da exibição de nossos filmes. 

É por isso que, quanto mais a indústria cinematográfica internacional se monopolizava, mais aumentava a cota de tela. E foi essa política que fez com que o nosso cinema se desenvolvesse e criasse público. Ela só foi interrompida quando as políticas neoliberais começaram a imperar, primeiro com Collor e depois com FHC. Mas, ao contrário de outros setores da economia, onde o governo Lula tem revertido as nefastas medidas entreguistas de governos anteriores, na área da cultura — e, particularmente, na área do audiovisual — tais medidas vão sendo mantidas, quando não aprofundadas. Na prática, temos hoje um espaço menor para a exibição de filmes nacionais do que no governo tucano, uma vez que a cota de tela caiu e a produção é muito maior. E, por falar neles, é justamente do principal ninho tucano que vem a última parvoíce que queremos comentar. 

Terceira burrice anunciada

Como quem houvesse descoberto a pólvora, a Secretaria Estadual de Cultura, na pessoa do dublê de exibidor, distribuidor e funcionário público, André Sturm, anuncia que suas políticas acrescentaram 1,9 milhão de espectadores ao público do cinema nacional em 2008 e que, em 2009, serão 2,5 milhões. Como a notícia saiu em um jornal que não faz a menor questão de esconder o seu puxa-saquismo para com o governo de São Paulo, ficamos desconfiados. Mais ainda quando, nas primeiras linhas, vemos o famigerado Saturnino (ou seja, a Columbia Tristar) comemorando o fato. Quem ouve falar do programa, com muita inocência, pode até achar a idéia boa. Trata-se de distribuição de vale-ingresso para alunos da rede pública de ensino. Tais vales, quando efetivamente trocados por entradas de cinema para filmes brasileiros, rendem R$ 3,00 ao exibidor credenciado. 

Nossa primeira impressão foi a de que o grosso do dinheiro iria para os mesmos (quer dizer, as múltis da distribuição e da exibição). Tanto é que Saturnino declara que vai abraçar "furiosamente" a tese de que o dinheiro não deve ir para a produção (senão os cineastas brasileiros vão querer fazer filmes), mas para o consumo — dos filmes que ele distribui, naturalmente. A empresa que ele dirige, aliás, tem 4 dos 10 filmes mais vistos no programa. E as outras múltis mais 3, o que já significa mais da metade dos ingressos. 

Mas desconfiamos que havia mais sacanagem na área. E foi só ler a declaração de André Sturm, Coordenador da Unidade de Fomento da Secretaria de Cultura (e também, não esqueçamos, dono de empresa distribuidora de filmes e de salas de cinema), que a coisa ficou clara. O programa é, segundo ele, "uma forma de subsidiar o cumprimento da cota de tela"! Ou seja, assumidamente, a iniciativa do governo de São Paulo não visa ampliar o público, formar platéias, proteger o cinema nacional. Isso é coisa para nacionalistas retrógrados. A verdadeira intenção é dar uma remuneração para que o "mercado" cumpra a lei! Não é sem motivo a alegria do gerente da multinacional. Receber uma grana para cumprir a lei. Já imaginou se a moda pega? O governo do Estado terá de pagar aos cidadãos de bem que não ultrapassam o limite de velocidade nas estradas, que colocam seus filhos na escola, que cumprem a lei do silêncio etc. Os exibidores e as distribuidoras multinacionais, além de atentar contra o nosso cinema usando todas as formas de concorrência desleal já inventadas, agora exigem dinheiro para cumprir a lei. E uma lei que, como já vimos, estabelece percentuais de exibição muito aquém do razoável. E alguns ainda comemoram... 

A essa altura, o leitor já deve estar concordando com o nosso título. O HP tem feito um esforço bastante grande para defender o cinema nacional. Contamos com ótimos profissionais, com grandes criadores. Temos uma boa tradição na área e, temos certeza, um povo sedento de cultura, com vontade de se ver nas telas dos mais variados tamanhos. Sabemos que os inimigos da cultura nacional são poderosos, mas não invencíveis. Estamos, aliás, acostumados a combatê-los em diversas frentes, assim como somos especialistas em detectar os quintas-colunas e os vendilhões assumidos. Mas, confessamos, para tratar com apedeutas temos uma certa dificuldade. 


in Hora do Povo; Ano XX — Nº 2.736 — 23 a 27 de Janeiro de 2009; pág. 6, Variedades – São Paulo

fevereiro 05, 2009

Doações de sangue aumentam 50% após desabamento na Renascer



Portal Terra 
SÃO PAULO — A Fundação Pró-Sangue de São Pauulo registrou nesta segunda-feira um crescimento de 50% no número de doações de sangue. O aumento se deu por conta do grande número de pessoas que procurou os centros de doação após o desabamento do teto da sede da Igreja Cristã Apostólica Renascer em Cristo, na noite de domingo, na zona sul da cidade. Nove pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridas no acidente. 

Segundo a Pró-Sangue, a estimativa é que a coleta desta quarta-feira seja de aproximadamente 600 bolsas, 50% a mais do que a média de 400 registrada durante a semana. 

Entretanto, a fundação informou que a procura pelas bolsas de sangue permanece inalterada. O hemocentro da Pró-Sangue recebe por mês cerca de 13 mil bolsas de quatro centros de coleta da região metropolitana e as distribui a 130 hospitais de São Paulo. 


in Imprensa Oficial — Cliping Saúde – Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, 20/01/2009
Ilustração: Guinigui

El Bautismo de Cristo



in Jacopo Tintoretto y la Scuola Grande de San Rocco; Valcanover, Francesco – Edizioni Storti – Venezia, 1991 — El Bautismo de Cristo, det. — Fotografia: Giacomelli Venezia

O que é do homem, o bicho não come.



Provérbio fatalista, mas que trai otimismo. Diz que, afinal, o que é de alguém, continuará sendo, ainda que, indevidamente, lhe queiram surrupiar o direito.

O que nós merecemos, nós ganhamos. Essa pode não ser uma frase muito simpática para pessoas pessimistas, mas parece-me verdadeira.

Há políticos que são obrigados a transformar seus escritórios em verdadeiras agências de emprego. Embora compreendendo o problema do eleitor e do político, sempre considerei este hábito, além de inútil, contraproducente, na maioria dos casos.

Na maioria, porque só raras vezes, o sistema funciona.

Supostamente, um político é uma pessoa bem relacionada e consegue encontrar mais rapidamente as oportunidades. Por ser, supostamente, bem informado, sabe em que áreas elas existem. Mas, raramente, dá uma oportunidade que a pessoa não teria encontrado por si só.

A experiência mostra que — salvo em áreas muito especializadas - com algum esforço e tempo, o emprego aparece, se a pessoa ainda for jovem, e o governo não se estiver distraindo com políticas recessivas. No Brasil, os que têm mais idade, sofrem discriminações que nenhum político supera. Em alguns setores (áreas de oferta oligopolizada como aviação civil), se o profissional perde o emprego, é difícil arranjar outro porque lhe falta experiência em outras profissões.

Com essas ressalvas, a experiência mostra que jovens desempregados por longo tempo, devem gastar seu dia indo a agências e não a políticos. Se ele for bom, e atender aos requisitos do mercado de trabalho, estará empregado. O que é do homem, o bicho não come. Se não for, não se empregará, nem que o político fique de joelhos. E, se se empregar, será demitido no mês seguinte. O empresário que empregasse funcionários em função de pedidos políticos, iria rapidamente à falência.

Há a ressalva do serviço público, onde competentes e incompetentes conseguem posições. Mas a lei diz que a admissão nesses casos, só se faz por concurso. Meu raciocínio então continua válido, exceto se aceitarmos irregularidades como fatos rotineiros.


in À noite todos o s gatos são pardos (Antologia de provérbios); Valle. Alvaro Bastos do – Léo Christiano Editorial – Rio de Janeiro, 1997
Ilustração: Guinigui

mon(o)-



POH! — Interj. designativa de espanto ou repulsão. 

POI — Flexão do verbo poir: desgastar. 

POIS — Conj. designativa de causa ou consequência. Ainda mais, além disso, à vista disso, contudo, logo, mas, ora, porquanto, porque, portanto, todavia, visto que. Ergo. 

POLCH — (Geogr.) Povoação da Prússia na margem do Mayfeld. 

POLK — s. (Palavra russa que significa regimento) Nome dado no século XVIII às uniidades das tropas cossacas. 

POLL — s. (Palavra inglêsa que significa lista) Escrutinio, computação dos votos nas eleições dos membros da Câmara dos Comuns na Inglaterra. 

POLT — s. Medida de capacidaade dinamarquesa. 

PONS — (Geogr.) Vila da França. 

POR — Prep. designativa de: agente intermediário, amor, atenção, auge, banda ou lado, causa, continuação, consideração, cúmulo, dedicação, defesa, desejo, destino, devoção, duração de tempo, expediente, favor, fim, forma, intervenção, intúito, lugar, maneira, meio, modo, número aproximado, preço, proteção, propósito, proximidade, qualidade, razão, reciprocidaade, respeito, sequência, simpatia, substituição, troca, vizinhança. (Ant.) Par. Per. — Pref. grego: dia. 

PÔR — Verbo: abrir ao público, achar, acomodar, acusar falsamente, adaptar, admitir, adornar, afiançar, afirmar solenemente, alcunhar, alegrar, aparelhar, aplicar, apostar, apresentar, aprontar, aproximar, arriscar, assentar, assimilar, assinalar, atribuir, botar, calçar, carregar, causar, chegar, chimpar, classificar, cifrar, circunscrever, citar, cobrir-se com, colocar, começar, concentrar, conduzir, confiar, consagrar, consentir, consignar, construir, consumir, converter, copiar, dar nome, declinar, decretar, dedicar, deitar, deixar, delimitar, demorar-se, denominar, dependurar, depor, depositar, desenhar, dedicar, dispor, dizer, edificar, elevar, empregar, encerrar, encostar, engrandecer, enterrar no chão, entregar, enunciar, erigir, escrever, estabelecer, estipular, exclamar, exercitar, exibir, expelir ovos, expor, fazer anunciar pela imprensa, fazer consentir, fazer propósito, fazer subir a, figurar, firmar, firmar no solo, fitar, fixar, formular, gastar, guarnecer, impor, imputar, incluir, incutir, infiltrar, infundir, inocular, instituir, intercalar, jogar, lançar à conta de outrem, lançar em almoeda, marcar, meter, misturar, montar, mostrar, narrar, notar, ocasionar, ocultar, oferecer, opor, pagar, permitir, pintar, plantar, pousar, (pop.) prantar, preparar, prescrever, produzir, propor, protestar, publicar, qualificar, reclinar, reduzir, responder, restituir, retorquir, rodear, separar, sentenciar, simbolizar, situar, supor, sustentar, taxar, tornar público, traçar, traduzir, transformar, trasladar, tratar, trocar, usar por adôrno, vestir, virar, voltar. 

PÓS — s. Adubos, especiarias, temperos. - Prep. O mesmo que após


in Dicionário Monossilábico Enciclopédico; Coelho, Paulo Japyassú – Companhia Dias Cardoso S. A. – Juiz de Fora – MG, 1956

fevereiro 03, 2009

Os jornais estrangeiros — Existe teatro no Rio? — O drama social



1876 

A imprensa não atingiu ainda sua fase mais brilhante. Esta virá daqui a pouco. Nesta quadra, no entanto, ela é vibrante. Incluindo-se os de tiragem reduzida e irregular contam-se cerca de cinqüenta jornais em circulação. Alguns são bem redigidos, bem apresentados. Dentre esses podemos alistar o Jornal do Comércio, O Globo, A Nação, e o Diáno do Rio de Janeiro. É desse ano o aparecimento do 1º número da Ilustração Brasileira, que vive até 1878. O Diáno do Rio de Janeiro inicia a seção Revista da Imprensa, uma resenha do que publicaram na véspera as principais folhas da corte. Todos esses periódicos mantêm o folhetim da primeira página, leitura preferida do público. E todos dão ênfase aos problemas sociais, às dificuldades da cidade em crescimento. Nec, redator que assina o folhetim do Diáno do Rio de Janeiro define as linhas dessa imprensa: "A imprensa de nossa terra occupa-se de tres cousas: a religião, a politica e a questão social" 1

As folhas mantêm preço razoável: O Globo, por exemplo, cobra 20$ mil-réis por assinatura anual para a corte e Niterói e 24$ para as províncias. A publicidade tem custo mais elevado: os avisos custam 240 réis por linha. Dependentes do serviço de correio para entregas, as folhas chegam às mãos do leitor com grande atraso. No Rio os jornaleiros facilitam essa tarefa. O folhetim é, na verdade, a seção mais lida. A sociedade acompanha o romance traduzido do francês ou os irônicos e chistosos comentários de Nec, dos mais interessantes cronistas dessa fase. "Que Machado de Assis asseverou-me que lia os meus folhetins" — diz ele — "daqui lhe aperto as mãos se houve coragem para tanto" 2

Na rua do Ouvidor, a Livraria Universal dos Laemmert anuncia os jornais estrangeiros, que o leitor poderá assinar em 1877: La Nature — Revue des Sciences, Petit Journal pour rire, Journal du dimanche, La Mode Illustrée, La Saison, Moniteur de Ia mode, Moniteur des Dames et des Demoiselles, La Toilette des Enfants, Conseiller des Dames et Demoiselles et Les Modes Françaises — Journal des Tailleurs. E outros publicados em Londres e Nova Iorque: lllustrated London News, The Graphie, Punch, All the year round, The London Journal, The Young Ladies Journal, Family Herald, The Mechanic's Magazine, The Engineer. Cobram-se mais 10% na assinatura para as províncias. A essa lista pode-se juntar mais um períodico muito procurado: O Brasil, publicado em Lisboa "e dedicado á defeza dos interesses dos subditos portuguezes residentes no Império" 3

Essa imprensa reflete os anseios da sociedade fluminense. Suas alegrias e prantos. Nec retrata, com graça, o curso dessa sociedade em formação: "O povo fluminense existe: — e existe no Rio de Janeiro, desde os tortuosos meandros do becco do Cotovello 4 ao alto da Boa Vista, da praia de Botafogo até o morro da Formiga"... "Existe, mas occulta-se" 5. Na opinião do cronista ela só aparece no Natal, nas festas de São João. Podemos acrescentar, sem medo de erro, que ela está presente, também, no teatro, na música, no Prado Fluminense, na regata, no Casino Fluminense, no Clube Mozart, na exposição, na festa cívica, no carnaval. E, extravagantemente, paga 2$ mil-réis para ver exposta na rua do Ouvidor "Mademoisele Rose, a giganta francesa com 21 anos e 2m e 15cm de altura!" 6

Essa mesma sociedade faz famosa a rua do Ouvidor, da qual o próprio redator nos transmite um quadro vivo: "Oh! rua do Ouvidor, senda mysteriosa e eriçada de urzes, onde as cocotes 7 deixam os fragmentos das suas caudas roçagantes e os paios os ultimos farrapos das suas agonisantes carteiras, patria dos francezes de todos os paizes e dos Bohemios de todas as idades, — eu te saudo!... Pois fiquem sabendo que — rua do Ouvidor — é também um euphemismo; aquillo não é rua do Ouvidor, é o becco dos Falladores" 8. Ele mesmo nos fala da vibração que animou o Clube Mozart naquela terça-feira de setembro: "Terça-feira á noute numerosa e brilhante multidão apinhava-se nos salões do Clube Mozart. Alem de outras razões que habitualmente attrahem alli não pequena concorrencia, executava-se então, pela primeira vez nesta Côrte, o hymno do centenario americano, composto pelo nosso distincto patricio Carlos Gomes" 9. A folha em que colabora o saboroso cronista nos informa ainda sobre outras predileções do fluminense. A Real Companhia Eqüestre Inglesa inaugura, na rua do Lavradio, 94, o teatro-circo preparado para exibições eqüestres, ginásticas e acrobacias. No local, onde até então funcionava fábrica de águas gasosas, voltam as touradas. Ou por causa da chuva, ou por pouco entusiasmo, o segundo espetáculo atrai reduzido público. A tourada "não se apresentou na altura de um espetáculo offerecido a uma capital, por falta de pessoal idoneo, e também pelo número limitado de animaes offerecidos á corrida" 10. E também, pela segunda vez, neste ano, o Clube de Regatas promove uma competição em Botafogo. Pela segunda vez, no Teatro São Pedro, encena-se a ópera Salvador Rosa, de Carlos Gomes e o público assisste A Cabana do Pai Tomás, drama que enfoca assunto bem atual. Folha especializada na arte teatral, O Espectador, na seção O Nosso Teatro, faz comentários sobre a qualidade dessa arte: "É ou não a arte dramática presentemente uma utopia no Brasil? That is the question. O pulpito, a tribuna, e o palco são as tres grandes escolas para o desenvolvimento intellectual dos povos!"... "Haverá theatro? Teremos artistas no Rio de Janeiro? Haverá concorrência em relação a numerosa população? Não, não, não!" 11. É sabido que reduzida parcela da população tem acesso às casas de espetáculo. Ou por falta de dinheiro, ou por falta de instrução. Léo, que assina outra crônica, diz que já existiu a arte dramática no Brasil. Em 1829 — fala o cronista — aportou aqui uma companhia (com Ludovina, Romeiro e outros) com o fito de promover a arte dramática. Já possuidor de dotes e talento, com eles aprendeu João Caetano 12

Críticas ao Conservatório Dramático, ao teatro e ao governo são assinadas por J. de A., provavelmente José de Azurara, dono do jornal. 

O público pode ver outros gêneros teatrais. O Casino apresenta programa variado: "Orpheu, Bertha de castigo, Nhô Quim, Kankan francez, musica allemã, fados de diversas nacionalidades"... 13 . No Teatro D. Pedro II, no meado do ano, estréia a companhia formada de crianças, apresentando a pantomima A Gata Borralheira, cuja atração consiste nas caracterizações de estadistas estrangeiros. 

A imprensa, com orgulho, acompanha a carreira do maestro Carlos Gomes. Do exterior vem a notícia de que acabara de compor a ópera Cromwell, extraída do drama de Vitor Hugo e programado para o Convent Garden, de Londres, novidade que embevece os amantes do teatro e admiradores do compositor. 

O lado amargo do cotidiano fluminense também está nas colunas. O Editorial do Diário do Rio de Janeiro chama a atenção das autoridades para uma indústria "summamente incommoda ao público". Pequenas orquestras ambulantes, compostas de meninos italianos, de ambos os sexos, de 5 a 12 anos, andam, diariamente, pelas ruas da Corte e arrabaldes. Em troca de concertos de canto, rabeca e harpa atacam a bolsa "dos moradores e transeuntes". Mal se pode passar nas ruas ou entrar numa casa comercial. O redator condói-se da sorte desses miseráveis. Mas, acaba convencido de que as pobres crianças maltrapilhas e sujas"fazem musica a contra gosto seu e mais ainda dos que as ouvem" . Os menores são explorados por gananciosos aventureiros. E formam novo sistema de exploração do escravo 14

Os jornais criticam a insegurança em que vive a população. A situação não tem a gravidade da atual, quando o roubo assume formas inauditas, revestido de agressão, brutalidade, seqüestro. Mas, já se fala da necessidade do cidadão portar arma. Os chamados ratoneiros e os capoeiras são os marginalizados, os inimigos da sociedade. 

O incidente ocorrido com Saldanha da Gama e sua senhora pode ilustrar o problema: o carro em que viajavam a caminho de São Cristóvão é assalltado por audacioso indivíduo, que tenta arrancar a pulseira do braço da senhora. 

Drama, cujos protagonistas são personagens da própria sociedade, também se encena na via pública. A sociedade fluminense é criada através de dogmas e preconceitos — sobretudo os de ordem religiosa — dos quais está longe de libertar-se. O dia está no seu começo. São 10 horas da manhã. A rua da Quitanda é o palco da cena de sangue. Seus protagonistas dois esstudantes da Escola Politécnica. João Capistrano da Cunha fora absolvido pelo júri no julgamento da ação movida pela família de Antônio Alexandre Pereira, cuja filha fora desvirginada. O irmão da moça ofendida descarrega cinco tiros no ofensor, que morre no local. 

Não se pode dizer que o Rio tenha um bairro ou uma zona destinada às mulheres que comerciam o próprio corpo. Em certas ruas do centro residem algumas mulheres — necessitadas e infelizes, — que procuram atrair os homens provocando assim as autoridades policiais. Para a vida recatada e rotineira do Rio de Janeiro, seu comportamento é um escândalo. O Chefe de Polícia expede circular às autoridades distritais e recomenda melhor patrulhamento nas ruas onde "transitam prostitutas". Comenta o jornal que a prostituição aumenta. Nessas ruas homens ociosos "dialogavam com essas mulheres de maneira affrontosa e horripilante, dizendo phrases muito semelhantes ás que se ouvem na Whitechapel ou baixa City de Londres" 15 . Como sempre ocorre, a ação policial se excede. Nem mesmo o domicílio é respeitado. Certa feita, moradora da rua Teófilo Otoni é intimada a comparecer perante a autoridade policial, por se achar na janela, "quase que vestida somente com a propria pelle" 16

1 Diário do Rio de Janeiro — 3/12/1876 
2 Diário do Rio de Janeiro — 17/2/1876. 
3 Jornal do Comércio — 6 e 14/12/1876. 
4 Beco ou Rua do Cotovelo — conhecida por esse nome desde 1815, por ser tortuosa, formando um cotovelo. Recebeu depois o nome de Rua do Bispo Dom Vital, que permaneceu até 1882, quando voltou à denominação antiga. Passou depois (1917) a chamar-se Vieira Fazenda, desaparecendo com a urbanização da Esplanada do Castelo. Morro da Forrmiga — assim era conhecida parte do Morro da Providência, na Gamboa. 
5 Diário do Rio de Janeiro — 25/6/1876. 
6 A Nação — 10/7/1874. 
7 Cocote — meretriz elegante. Paio — inábil, otário. 
8 Diário do Rio de Janeiro — 16/7/1876. 
9 Diário do Rio de Janeiro — 10/9/1876. 
10 Ib. — 27/12/1876. 
11 O Espectador — 15/7/1876. 
12 Ib. — 15/7/1876. 
13 A Nação — 13/1/1876. 
14 Diário do Rio de Janeiro — 3/6/1876. 
15 Ib. — 9/11/1876. Whitechapel — antigo bairro de Londres, de má reputação. 
16 Ib. — 21/9/1876. 


in O dia-a-dia no Rio de Janeiro, segundo os jornais – 1870 — 1889; Renault, Delso – Civilização Brasileira – Rio de Janeiro, 1982
Imagem: DegreeArt.com – 2008