fevereiro 28, 2007

Ter tudo

Sintonia com a Consciência Semanal
25 de fevereiro a 5 de março de 2007

Será que podemos ter tudo?

Temos que abrir mão de alguma coisa para obter o que queremos?


Muitos de nós estão resignados com não poder subir a escada do sucesso no trabalho, a se contentar com alguém que aquece nossa cama sem aquecer nosso coração, a colocar de lado nossas paixões para seguir uma ‘vida normal’. Permitimos que as estatísticas, as autoridades, o desespero, e velhas vozes do passado obscureçam nossa visão do futuro.

A Luz quer nos dar tudo, no entanto, nós nos limitamos.

Essa consciência é precisamente a razão pela qual no fim abrimos mesmo mão de alguma coisa. Nós não acreditamos que podemos ter tudo. Se somente pudéssemos começar a ter um desejo determinado, inflexível de nos darmos um 10 em todas as áreas de nossas vidas, começaríamos então a elevar o padrão.

Mas o problema é que estamos resignados ao fato de que, embora possamos experimentar sucesso ilimitado, nosso sucesso deve estar limitado a uma ou duas áreas da nossa vida.

Lembro-me que quando era criança, na escola, eu era ótimo em matemática, mas se você me mostrasse um livro de inglês, é melhor deixar para lá. Num certo ponto na minha carreira escolar tive um professor que me fez sentir como um zero no que se tratava da capacidade de escrever, de forma que simplesmente desisti de tentar e me resignei em ser um gênio da matemática.

Entretanto, anos mais tarde, quando as notas deixaram de importar, me vi com a capacidade de pôr meus pensamentos no papel de uma forma que as pessoas conseguem se relacionar. Comecei a escrever livros, e, sem dúvida, as pessoas corresponderam a eles. Tenho certeza que você sentiu o mesmo entusiasmo quando descobriu que podia se distinguir numa área em que você achava que era péssimo.

Esta semana, o universo quer que aprendamos que:

Nós podemos ter tudo.

Por que não? Repense o que você espera da vida.

Tudo de bom,

Yehuda


Seqüência dos 72 Nomes da Semana


Meus olhos e meu coração focam o tempo todo o objetivo final. Desperto a persistência e a paixão para nunca – e isto quer dizer nunca mesmo – contentar-me com menos!

A família



Compete ao pai formar o filho pela autoridade e pela razão, à mãe incumbe tirar os mesmos resultados pela afeição e ternura.

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Na família o pai representa o partido sempre impopular da autoridade conservadora, a mãe simboliza o partido da liberdade; esta advoga a causa da fraqueza do fílho e em favor da natureza. Acontece no entanto muitas vezes, que as mães com os seus excessos de bem querer aos filhos, os perdem. Estes factos são vulgares nas famílias portuguesas e brasileiras.

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As mães nasceram para afagar, encantar e ameigar os filhos com a brandura dos seus carinhos. Os pais, já pelo exemplo, já pela palavra, devem criar aos filhos, além da razão, bons e doces hábitos, que lhes tornem fácil o cumprimento do bem através da vida.

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Nada pode a educação sem o exemplo: advertências, conselhos, ameaças e recompensas, de pouco valem. O exemplo é tudo.


in A família, trechos de filosofia moral extraídos da obra de Paulo Janet por Branca dos Reis – Lelo & Irmãos – Lisboa, 1922
Ilustração: A família feliz, segundo Le Nain – Picasso – Paris, 1917 – Óleo sobre tela, 162 x 118 cm

fevereiro 27, 2007

Peixes

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in Os signos do zodíaco; Coleção Fontes – Moraes Editores – Lisboa, 1974

fevereiro 26, 2007

Colagem

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SOBRE LIVROS PARA CRIANÇAS


Quando Hobrecker iniciou sua coleção, há 25 anos, os velhos livros infantis eram usados como papel de embrulho. Ele foi o primeiro a oferecer-lhes um asilo, por algum tempo, contra as fábricas de papel. Entre as milhares de obras que abarrotam suas estantes, há talvez centenas que têm nesse local seu último exemplar. Não é com pompa e dignidade profissional que esse arquivista dos livros infantis aparece em público. Ele não visa o reconhecimento pelo seu trabalho, mas a participação do leitor na beleza que ele revelou. O aparelho erudito – principalmente um apêndice bibliográfico de cerca de duzentos dos títulos mais importantes – é bem vindo para o colecionador, sem importunar o leigo. Segundo o autor, o livro infantil alemão nasceu com o Iluminismo. Era na pedagogia que os filantropos punham à prova o seu grande programa de remodelação da humanidade. Se o homem é por natureza piedoso, bom e sociável, deve ser possível fazer da criança, ente natural por excelência, um ser supremamente piedoso, bom e sociável. E como em todas as pedagogias teoricamente fundamentadas a técnicas da influência pelos fatos só é descoberta mais tarde e a educação começa com as admoestações problemáticas, assim também o livro infantil em suas primeiras décadas é edificante e moralista, e constitui uma simples variante deísta do catecismo e da exegese. Hobrecker critica esses textos com severidade. Não podemos, com efeito, negar sua aridez e mesmo sua irrelevância para o leitor infantil. Mas essas falhas, já superadas, são insignificantes se comparadas com os equívocos que hoje estão em moda graças a uma suposta “empatia” no espírito da criança: a jovialidade desconsolada das histórias em versos e a s caretas hilares desenhadas por pretensos “amigos das crianças” para ilustrar essas histórias. A criança exige dos adultos explicações claras e inteligíveis, mas não explicações infantis, e muito menos as que os adultos concebem como tais. A criança aceita perfeitamente coisas sérias, mesmo as mais abstratas e pesadas, desde que sejam honestas e espontâneas e, por isso, algo pode ser dito a favor daqueles velhos textos.

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 236-237.

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Walter Benjamin escreve a resenha Livros infantis antigos e esquecidos em 1924. Perspicaz e amoroso, o crítico, filósofo, homem de muitas sabedorias, ele ilumina o texto com imagens de pensamento, abrindo janelas sobre o tema. Vale a pena passear sobre suas idéias e pensar nos livros produzidos, hoje, para as crianças desse imenso livro que é o Brasil. Em 1989, Fanny Abramovich, escreve:
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Querer saber de todo o processo que acontece, do nascimento até a morte, faz parte da curiosidade natural da criança, pois se trata da vida em geral e da sua própria em particular... Saber sobre seu corpo, sua sexualidade, seus problemas de crescimento, sua relação (fácil ou dificultosa) com os outros faz parte do se perguntar sobre si mesma e do precisar encontrar respostas... (...). A questão é saber como o tema é abordado: se sem medo, sem reservas, sem fugir das questões principais ou fazer-de-conta que não existem... (...). Estamos falando de literatura... Portanto, não se trata de livros didáticos, de não-ficção, onde se disserta, se dá explicação objetiva, seca, dura... Não é a demonstração dum teorema (a vida não é bem assim...) nem a explanação dum fenômeno científico distante (...) Estamos falando de literatura, de ficção, de histórias onde se aborda um – ou vários problemas – que a criança pode estar atravessando ou pelo qual pode estar se interessando...
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ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scpione, 1989, p. 98-99.
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.....Naquela manhã, ninguém precisou acordar o Juca. Ele pulou da cama e num berro gostoso e estridente disse:
.....– EU QUEEEEEEEEEEEEERO UM MURO NO MEEEEIO DO CAMINHO!!
.....O berro foi ouvido por todos em seu apartamento e no do vizinho também, mas a vida continuou no ritmo do relógio. Tic-tac, tic-tac, tic-tac! Só o ritmo de Juca parecia mais acelerado naquela manhã.
.....A mesa estava posta. Durante o café, depois de um grande silêncio, interrompido de vez em quando pelo creck-creck das torradas, Dona Amélia, mãe de Juca, tentou saber que história era aquela de muro no meio do caminho. Juca, muito misterioso, olhou para xícara de café com leite e depois para o bule; em seguida, encarando a mãe, na respondeu. Dona Amélia estava intrigada, precisava saber o significado daquele berro. Lá na cozinha, o papagaio gritou:
.....– Traz o café do louro, Divina!
.....Divina deixou mais torradas quentinhas na mesa e lá se foi pra cozinha, sem saber a tal história do muro.

LEÃO, Raimundo Matos de. Um muro no meio do caminho. Ilustrações de Beth Kock. São Paulo: Salesiana Dom Bosco, 1987.
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.....Quando saio por aí, com meu irmão, brincamos de tudo: subimos em todas as árvores, principalmente nas mangueiras, corremos atrás de todos os bichos, principalmente atrás das galinhas, e apanhamos todas as frutas, principalmente as verdes. Mas existe uma brincadeira que é diferente de todas as outras, e é a melhor delas: andar dentro do córrego, pra baixo e pra cima. Minha mãe não gosta muito, nem minha avó, mas a gente anda assim mesmo.. Meu pai nem vê, porque fica trabalhando o dia inteiro, tratando das vacas, correndo de jipe, tirando leite, passeando a cavalo, cuidando dos porcos. Ele só para depois do almoço, pra ler uns jornais ou um livro.
.....Enquanto isso, nós dois, eu e meu irmão, no córrego, andamos pra baixo e pra cima. Mas nós não brincamos disso só por causa da água. É que lá no fundo, brilhando, sempre tem uns pedaços de vidro. Minha mãe diz, e minha avó concorda com ela, que o nome certo é louça antiga, mas nós já estamos acostumados, meu irmão e eu, a dizer que são cacos de vidro. Eles são grandes, pequenos, quebrados, redondos, compridos, grossos, finos, de todo jeito. Às vezes são coloridos, às vezes são brancos.

VIANA, Vivina de Assis. O rei dos cacos. Ilustrações de Carlos Moreno. São Paulo: Salesiana Dom Bosco, 1986.
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.....Daniel foi vendo a mãe fraquinha, sem forças, pálida. Cada dia pior. Canseira à-toa. Sem conseguir brincar até o final dum jogo bobo. Vira e mexe, chamando os filhos. Muda sobre sua doença. Chorando mansinho, ia fazendo cafuné, soprando beijinhos, abraçando apertado. Só querendo ficar perto deles. O tempo todo.
.....Mônica e Dona Lelena batiam muitos papos.
.....– Taí, mamãe. Cansei de ver na televisão, de ler nas revistas, mas nunca achei que ia acontecer comigo. Não acredito. Não pode ser verdade. É um pesadelo sem fim. Um horror total!– Precisa ter esperanças, minha filha.
.....– Esperança? No quê? De quê? Estou doentíssima e você vem falando de esperança...
.....– Podia procurar outro médico.
.....– Boa idéia! Quem sabe uma outra opinião? Um jeito diferente de me tratar?
.....– Talvez um outro remédio. Tenho algumas economias. Vamos usar. Todinhas. Já falei com o Heitor. Ele concorda.

ABRAMOVICH, Fanny. Dias difíceis. Ilustrações de Helena Alexandrino. São Paulo: Moderna, 2002.
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Brinquedos

Eu fiz de papel dobrado
Um barquinho e naveguei.

Fiz um chapéu de soldado
e soldadinho – marchei.

Fiz avião, fiz estrela
embarquei dentro – voei.

Agora fiz um brinquedo
– o melhor que já brinquei –
guardei num papel dobrado
o primeiro namorado
(o seu nome eu invente...)

BEATRIZ, Elza. A menina dos olhos. Ilustrações de Paulo Bernardo. Belo horizonte: Miguilim, sd.
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Colaboração: Raimundo Matos de Leão

Poema inédito de Pablo Neruda está à venda por US$ 3.700


da Ansa, em Santiago

Um poema inédito do Nobel de Literatura chileno Pablo Neruda, escrito em 1963, está à venda por US$ 3.700.
Neruda escreveu o poema, dedicado a uma amiga, sobre uma tábua de madeira. A mulher, Elvira Morel, comemorava seu aniversário em Limache, 120 quilômetros ao norte de Santiago.
Na ocasião, o poeta chegou e reclamou do barulho que os convidados faziam. "É meu aniversário e estou na minha casa. Se não está gostando, pode ir embora", teria dito Morel, segundo relato ao jornal "El Mercúrio".
Neruda, amante das festas, não se foi e decidiu pedir desculpas à mulher por meio de um poema de 14 linhas escrito com sua pena de tinta verde. "Perdoe o poeta/Um pouco o que lhe passa/Aos poetas e aos loucos/Dá-lhes tua casa", escreveu Neruda na madeira.
O neto da mulher é quem oferece o poema, por US$ 3.700, em anúncio nos classificados do jornal chileno.

Folhaonline Ilustrada, 2007.02.26

fevereiro 20, 2007

Irene no céu


Irene preta


Irene boa


Irene sempre de bom humor.



Imagino Irene entrando no céu:


— Licença, meu branco!


E São Pedro bonachão:


— Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.



in Bandeira, Manoel – Jornal de Poesia

Grupo de travestis faz sucesso na Tailândia




Elas são jovens, lindas e possuem uma doce voz. Mas no mundo do showbizz, nem tudo é o que parece ser. As meninas do grupo adolescente tailandês Venus Flytrap fazem sucesso por um motivo que em nada tem a ver com a música. Isso porque elas, na verdade, são eles.
.....As cinco integrantes do primeiro grupo de travestis do país eram meninos e encararam a "transformação" juntos - especialmente para a criação da banda. A idéia foi da gravadora Sony BMG.
.....Agora elas esperam que o mais recente álbum, "Visto para o amor" - com um audacioso vídeoclip - empurre as "garotas" para o estrelato...
.....Esta integrante da banda diz que os pontos fortes e comerciais do grupo são, além dos diferentes "looks", o jeito especial de interpretar. "Neste álbum nós mostramos nosso dom vocal feminino, mas num estilo diferente, porque somos um grupo de travestis; somos iguais, porém diferentes", explica.
.....A banda de travestis Venus Flytrap mistura pop europeu, house music e funk com letras tailandesas.
.....Os travestis são bem aceitos na Tailândia já que a sociedade budista valoriza a tolerância. Muitas pessoas acreditam que eles precisam de misericórdia porque têm um karma ruim e estariam pagando por pecados de vidas passadas.
.....No entanto, as cinco estrelas em ascensão dizem que não precisam de piedade e até já mudaram seus nomes; agora querem ser chamadas por Hot (Quente), Cool (Fresco), Posh, (Luxuoso), Naughty (Travesso) e Sweet (Doce).
.....De qualquer forma, elas já têm uma multidão de seguidores e estão prontas, prontíssimas para sacudir o mercado da música na Tailândia.
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in UOL News, Internacional – 2007.02.19

Roda


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......................Juqueri, Juqueri
......................Quem é louco, fica aqui!
......................Será por isso, fiquei?
......................Garanto, senhor, não sei...
......................Gostei quando vim aqui
......................Gostei muito e não saí
......................Só senhor que me incomoda
......................Quando alto canta a roda
......................Juqueri, Juqueri
......................Quem é louco fica aqui
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in O lamento de Píndaro; Pimentel, Cid – Hucitec – São Paulo, 1987 – Ilustração, Dance by Matisse

O espinho adormecido


.....O Juqueri é o locus do louco. Podia, como você disse, podia ser do hanseniano, do tuberculoso, poderia ser do XPTO, mas Deus quis e o mundo decidiu que seria do louco. Mas aí vem um bando de desavisados e esse bando tenta destinar, por meio de decreto; aquele espaço de habitação popular, ou sede do Corinthians, reservatório da SABESP, plantação de pinos e abobrinhas mil.
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Bom, voltando ao Rio, temos os aliados, dentro da esquizofrenia institucional, mais estranhos de acordo com a época. Eu que sou uma pessoa sabidamente, escancaradamente, de esquerda, tive como aliado num momento institucional no Rio de Janeiro, nada mais nada menos que o SNI contra as mineradoras da colônia, que exploram, com os posseiros, as minas de mármore, minas de brita que existem na colônia, num local privilegiadíssimo que é aquele na baixada do Jacarepaguá onde está instalada a colônia que é o Amazonas de mineração. Onde as pessoas conseguem, mercê de propinas, jogos de interesses que vive este triste país, licença no Departamento Nacional de Mineração para extrair, depois de confirmada a utilização de posse, sendo em terra pública, depois de configurar a delinqüência da posse naquele território, que é um território do doente, provocando agressão ecológica monumental, uma agressão ao doente, a utilização escrava do doente, compondo um quadro dantesco. Certa época, o próprio SNI viajou comigo duas vezes e, como tudo o que fazemos neste campo, não diria que não deu em nada pois sou incorrigivelmente otimista, mas nós lutamos, e alguns posseiros abandonaram o local.
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Quando cheguei ao Juqueri, além do problema terrível dos invasores e das mordidas, como você diz, eu convivi também com ausência de uma política pública, expressa, não para o Juqueri em si, mas para a maior fazenda pública do Estado de São Paulo, na região da Grande São Paulo. Comecei a plantar as bases daquilo que se transformou depois nesse aborto atual que é o projeto Juqueri, da EMPLASA e da Secretaria etc. Aportaram ali "técnicos" geógrafos, geólogos políticos, urbanistas e outros.
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Eu fiz uma pergunta bem específica para o Balster sobre a questão epidemiológico-demográfica dos pacientes do Juqueri, no plano Juqueri, no projeto Juqueri. Então, na entrevista dele você vai ver que ele faz uma apreciação muito importante, porque pouco perguntada, sobre, afinal, qual é a política de saúde mental para lá, desculpe-me a interrupção.
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Sabe que é muito difícil para mim falar do Juqueri no passado, falo do Juqueri sempre no presente. O Juqueri é uma coisa extremamente presente, aliás como a loucura na sua extrema lucidez... as primeiras perguntas, feitas ao doente são que dia é hoje? que horas são? Assim os doutores procuram verificar aquilo que é tão importante para eles. Louco, lúcido, eu falo no Juqueri sempre no presente, no tempo presente.
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Na verdade, não quero politizar aquilo aqui, agora, quero politizar com vocês em termos produtivos agora e no nosso futuro próximo, na faculdade, enquanto pesquisadores, integrando um corpo docente que trabalha em conjunto, como nós fizemos acerca da necessidade de uma política expressa para o hospício. Quando me refiro ao hospício Juqueri, generalizando num todo, você vê no jornal de hoje a intervenção no Hospital Anchieta em Santos, feito por aquele que foi meu padrinho de posse. Tomei posse com o brochinho das "diretas já", cafona, bottom amarelo, enorme, parecendo um prato e levava o Capistrano a tiracolo. Quando digo a tiracolo é que faço questão de dizer que o David tinha sido secretário-geral do PCB, e o seu comparecimento na ocasião tomou explícito o meu comprometimento político. O tipo de liderança que elegia o David sempre foi uma liderança que respeitei e continuo respeitando, apesar de hoje estarmos particularmente mais distantes; ele está no PT e eu continuo militando no PCB.
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Quero lembrar que hoje, 19/6/89, estamos com um hospital em Santos de doentes mentais, em piores condições do que anos atrás encontrava-se o Juqueri; uma situação que se constitui na maior gravidade, com um processo de sucateamento no hospital que é altamente corrosivo, felizmente há coisas que plantamos e que perduram: eu trouxe o Rui de volta. Não sou amigo pessoal do Rui, nunca fui à casa dele, e não sei se ele foi à minha, acho que uma vez, acho que nunca foi... No meu encontro pessoal maior, específico do Juqueri, enquanto herdei Aníbal, importantíssimo, trouxe Rui de volta... agreguei o Balster. Balster era um médico do Manicômio, assim que o conheci, coloquei-o rapidamente como o principal assessor substituto, e quando saí, deixei-o como diretor.
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Claro, que há o episódio do Marcos que é de fundamental importância para se entender como foi vivido aquele processo democrático. O Marcos teve veto de todos os lados e, além de ser extremamente jovem, era petista militante, mas o governo Montoro era um governo democrático e, como tal, admitiu isso. No auge do momento democrático, exonerei o Joaquim, nomeando o Marcos, que teve uma fundamental importância, não por ser um professor mais de esquerda do que eu, do que o Balster, mas fazia críticas, achava a maneira como conduzíamos careta, reacionária. Não nomeei o Marcos, não banquei o Marcos, senão por outro motivo que não o de reconhecer naquele momento político a importância não só da esquerda mas das outras forças progressistas. Me deu trabalho, deu muito trabalho para o Marcos, muito trabalho, mas mais trabalho deu para a direita fascista. Eu sempre brincava na posição paternalista, na posição patriarcal como governei o Juqueri. Tinha dois filhos: o moderado e ajuizado Balster, e o rebelde, indisciplinado, criativo Marcos.
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Evelin, alguns aforismos e observações provocantes – era assim que eu queria que você registrasse suas impressões, principalmente. Nessa primeira parte do nosso trabalho procuramos fazer uma retomada daquilo que foi um objeto de estudo, de trabalho. Então eu queria que você colocasse algumas impressões sobre o Juqueri hoje, sem desconsiderar a sua vivência passada e, ao mesmo tempo, fizesse projeções para o futuro.
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in Juqueri, o espinho adormecido; Evelin Naked de Castro Sá e Cid Roberto Bertozzo Pimentel – Hucitec – São Paulo, 1991

Hospício e Poder

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A instituição situada
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1.1 Breve história da instituição psiquiátrica no Brasil
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.....No Brasil, a instituição psiquiátrica surge no século XIX como herdeira da proposta preventivista, presente no discurso médico do século XVIII, como assinala COSTA (1). A instituição hospitalar passa a representar um dos instrumentos normatizadores das relações sociais.
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A especificidade das alterações de comportamento passa a exigir um espaço próprio e uma intervenção tecnicamente ajustada, dando origem aos hospitais psiquiátricos.
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A Psiquiatria no Brasil surgiu com a finalidade de proteger a população dos centros urbanos e não a de oferecer condições de atendimento aos loucos.
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As precárias condições de saúde e de controle da população no que diz respeito aos seus hábitos de higiene proporcionaram iniciativas higienistas, no início do Século XIX, tão logo a corte portuguesa chegou ao Brasil, refugiando-se da expansão do domínio napoleônico. A administração central providencia, a exemplo do que ocorrera nos principais centros europeus, uma política de saneamento, delegando à medicina as funções de execução de um extenso mapeamento do espaço urbano, visando o tratamento dos enfermos e, principalmente, medidas que prevenissem a transmissão das doenças. Pode-se afirmar, que o surgimento da Medicina Social coincide, no Brasil, com a preocupação da aristocracia lusitana diante das possibilidades de contágio.
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O surgimento das escolas de medicina toma-se necessidade imperiosa. Os médicos somente puderam cumprir sua missão saneadora, mediante parâmetros normativos para sua intervenção, ou, como no dizer de MACHADO, a medicina "só pode agir sobre a sociedade e controlar a saúde pública se for capaz de circunscrever o exercício da medicina a pessoas que tenham a mesma formação e uma visão unitária e coordenada da problemática da saúde" (2).
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Seguindo o mesmo raciocínio e para atender às mesmas necessidades, toma-se necessário o estabelecimento de um lugar para onde fosse possível enviar os loucos que perambulavam pelo espaço urbano, criando pânico por sua conduta inusitada. O hospício Pedro II, no Rio de Janeiro, surge em 1852 para "enclausurar a alienação e tirá-la de circulação. (3), como assinala COSTA, vindo, somente em 1908, quando passa a chamar-se Hospital Nacional dos Alienados, estruturar-se com modelos médicos mais sistematizados, reflexo da inclusão da matéria de psiquiatria na formação básica na escola de medicina.
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A instituição psiquiátrica vincula-se, desde seu início, às ordens religiosas existentes, sendo por estas administradas e sendo, também e fundamentalmente, realizado por religiosas o atendimento dos internos.
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A consolidação do papel social da medicina passa a ser expresso como discurso antagônico à hegemonia religiosa na atenção dos enfermos.
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Poder-se-ia destacar, como primeira manifestação efetiva deste embate, o relatório da Comissão de Salubridade da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, de 1830.
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GUSSI, referindo-se ao relatório, destaca o enunciado do relator Dr. José Martins da Cruz Jobim, resgatado por PAIXÃO (4): "No mesmo pavimento da Santa Casa estão os doidos, quase todos juntos em uma sala, a qual chamam xadrez, por onde passa um cano que conduz às imundices do hospital. Aqui vemos uma ordem de tarimba, sobre que dormem aqueles miseráveis, sem nada mais que algum colchão podre, algum lençol e travesseiro de aspecto hediondo; também vimos um tronco, que é o único meio de conter os furiosos, resto destes tempos bárbaros de que a medicina se envergonha hoje, quando se procurava conter os que tinham a desgraça de perder a razão com os azorragues e toda a sorte de martírios. Alguns quartos em que se metem os mais furiosos em um tronco comum, deitados no chão, onde passam os dias e as noites, debatendo-se contra o tronco do assoalho, pelo que se ferem todos, quando ainda não vem outro, que com ele esteja e que os maltrate horrivelmente com pancadas" (5).
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COSTA (6), destacando os primeiros passos da psiquiatria no Brasil, chama a atenção para a construção de uma metodologia própria, inicialmente fundamentada na escola francesa, e também para as dificuldades de delimitação de seu campo específico.
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Cabe à psiquiatria a tarefa normatizadora da vida familiar, através da depositação no louco da responsabilidade pelos eventuais transtornos nucleares. Fica sendo do psiquiatra a autoridade de discernir qual dos membros da família deverá ser excluído em nome da sanidade e bom funcionamento de todo o grupo, e o hospital psiquiátrico, a instituição executora desta função, que BIRMAN caracteriza da seguinte forma: "A disciplina é a característica ativa do asilo, o que o distingue de um mero espaço de recolhimento de pessoas, para exercer sobre elas uma prática ordenadora do comportamento. Ela é a vontade institucional, sintetizando as ações diferenciadas dos variados grupos técnicos" (7).
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A instituição psiquiátrica surge da necessidade do estabelecimento de um espaço específico para o enclausuramento destes personagens inconvenientes, uma vez que até então, eram encaminhados para os presídios ou para os hospitais gerais, dependendo do seu grau de periculosidade. O hospício surge como o lugar onde, supostamente, receberiam um tratamento adequado, ao contrário da situação anterior, como define MACHADO, "os doentes mentais que habitam o Rio de Janeiro não se beneficiavam de nenhuma assistência médica específica. Quando não eram colocados nas prisões, por vagabundagem ou perturbação da ordem pública, os loucos erravam pela rua ou eram encarcerados nas celas especiais dos hospitais gerais da Santa Casa de Misericórdia" (8).
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O hospício surge para cumprir, satisfatoriamente, duas funções complementares: protege o louco dentro de um espaço que lhe é próprio e que assume pouco a pouco as especificidades da tecnologia manicominal e, ao mesmo tempo, protege a sociedade dos loucos errantes, tão supostamente ameaçadores à segurança pública.
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A psiquiatria, centrada e encastelada em seus redutos agora específicos, passa mais eficientemente a cumprir o papel que lhe foi designado pelo Estado.
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As instituições vão sendo criadas sucessivamente, cumprindo o duplo papel de retirar do espaço público os indesejáveis, que perturbam fundamentalmente o espaço urbano, e, também, o de encontrar, experimentalmente, métodos terapêuticos próprios, ou seja, tentar "curar a loucura".
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O mesmo modelo utilizado no Rio de Janeiro, aprimorado por Juliano Moreira durante a primeira década deste século, passa a ser reproduzido nas demais unidades da federação, seguindo o critério de suas possibilidades econômicas e necessidades de crescimento, porém, sempre perseguindo o mesmo objetivo de transformar "o corpo violento em corpo pacífico" (9). O ato de encarcerar o louco é a iniciativa primordial, a partir daí, o objetivo curativo pode ou não tornar-se factível.
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(1) Ver Jurandir Freire Costa, Ordem médica e norma familiar, 1979.
(2) MACHADO, 1978:164.
(3) COSTA,1981:22.
(4) PAIXÃO, 1979:121.
(5) GUSSI, 1987:8.
(6) COSTA, 1981:22.
(7) BIRMAN,1980:25.
(8) MACHADO, 1978:377.
(9) MACHADO, 1978:445.
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in Hospício e poder; Teixeira, Mario – Centro Gráfico do Senado Federal – Brasília, 1993

Os jesuitas e a destruição de alma indígena


...A rotina típica de um missionário consistia em cuidar da casa, participar das práticas religiosas, rezar durante uma hora pela manhã e guardar as noites para exercícios espirituais; o restante do tempo era para visitar e trabalhar os índios. Aparentemente, um jesuíta sentia-se feliz com essa vida. Antes de tornar-se um homem amargo e desencantado, Nóbrega escreveu a um velho mestre em Coimbra sobre "la mercé que nuestro Señor me hizo en embiarme a estas tierras del Brasil". Uma carta enviada a Inácio de Loyola por Luís da Grã, que sucedeu a Nóbrega no posto de superior da missão, deixa claro que o fundador da Companhia de Jesus exigia que todos os missionários praticassem os seus Exercícios Espirituais: "los hermanos están buenos y se han diligentemente en los exercícios que le son mandados"; Na verdade, como o método prescrevia, eles viviam entre os índios "com as portas dos sentidos fechadas, por medo das tentações diabólicas".
...Como é sabido, Inácio de Loyola destacava a obediência e a disciplina como sendo as principais virtudes dos soldados de Cristo, cujas vidas deviam ser guiadas pela mística do serviço.
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in O espelho índio; Gambini, Roberto – Espaço e Tempo – Rio de Janeiro, 1988

Só para loucos


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...Muitas vezes pensei quem seria o verdadeiro amor de Maria. Havia muitas possibilidades de que fosse o jovem Pablo, o do saxofone, o dos olhos negros e das mãos longas, brancas, nobres e melancólicas. Eu imaginava Pablo um tanto indolente para o amor, por ser algo mimado e passivo, mas Maria me assegurou que ele era de fato um tanto lento para excitar-se, mas que depois era tão pertinaz, exigente e másculo quanto qualquer boxeador ou mestre de equitação. E desta forma aprendi e fiquei sabendo de segredos sobre um e outro, sobre músicos de jazz e artistas de teatro, sobre muitas mulheres, moças e homens de nosso convívio; soube toda a classe de segredos, vi abaixo da superfície uniões e inimizades, e eu, que fora neste mundo um corpo estranho sem relação com ninguém, acabei por ver-me absorvido por completo. Também soube muitas coisas de Hermínia. E de Pablo, com quem me encontrava com freqüência, porque Maria o amava muito. Às vezes ele empregava seus meios secretos, também me fazia sentir de vez em quando aquela sensação, e sempre se me mostrava amistoso e serviçal. Certa vez me disse sem rodeios:
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...– Você é muito infeliz. Isso é mau. Não se deve ser assim. Causa-me pena. Por que não tenta fumar um pouco de ópio?
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in O lobo da estepe; Hesse, Hermann – Record, 28ª edição – Rio de Janeiro, São Paulo; 2004

fevereiro 19, 2007

Vida de Santa


Chuva de rosas

. Excerptos
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No Carmelo de Gallipoli (ltalia meridional)
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Aparições e mysterioso fornecimento de dinheiro
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Carmelo de Gallipoli, (Italia).
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25 de Fevereiro de 1910.
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. . .Minha Reverenda Madre, .
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...O sagrado Coração de Jesus houve por bem servir-se de mim, a mais indigna desta Communidade, para dar um exemplo brilhante de sua infinita misericordia.
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...Remetto á Reverendissima Madre a relação do milagre feito em nosso favor. Em Roma, porém, já está um documento minucioso acêrca do occorrido, que traz as assignaturas não sómente de todas as nossas Irmãs, mas ainda do Exmo. Sr. Bispo e de uma commissão de sacerdotes.
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...Na noite de 16 de Janeiro, estava eu sériamente adoentada, a braços com graves difficuldades. (1) O relogio acabava de dar tres horas da madrugada, quando quasi exhausta de forças, soergui-me a custo no meu leito parar respirar um pouco mais á vontade, e adormeci.
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...Parece-me que, em sonho, senti o contacto de uma mão que me vinha agasalhar carinhosamente, conchegando-me o cobertor ao rosto. Imaginei logo que uma das minhas Irmãs viéra prestar-me este serviço, movida de attenciosa caridade, e sem abrir os olhos, limitei-me a dizer-lhe: «Deixe-me assim mesmo, que estou banhada em suor; o movimento que está fazendo me resfria demasiadamente.»
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...Uma voz meiga e desconhecida respondeu-me:
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...«– Não, o que estou fazendo é muito acertado.» – E continuando a agasalhar-me, accrescentou: – «Oiça... o nosso bondoso Deus vale-se dos habitantes celestes como se serve dos moradores desta terra para soccorrer os seus servos. Aqui tem 500 francos, para pagar as dividas da sua Communidade
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...Observei-lhe que a divida da nossa Communidade orçava apenas por 300 francos, ao que replicou: «– Pois bem, o restante ficará de sobra. Porém, visto como não póde conservar este dinheiro na sua cella, venha commigo.»
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...Essa agora, disse eu de mim para mim, como é que me posso levantar, alagada em suor como estou? A celeste visão, perscrutando o meu pensamento, acudiu logo a sorrir: «A bilocação ha de resolver o caso
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...No mesmo instante achei-me fóra da minha cella, em companhia de uma irmã Carmelita, muito joven ainda, cujo hábito e véo deixavam transparecer um clarão de Paraiso, que nos valeu para atinar com o caminho.
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...Levou-me até ao andar térreo, á sala da roda, pediu que abrisse um cofrezinho de madeira, onde estava encerrada a nota da divida da Communidade e lançou nelle os 500 francos! Tomada de admiração e não cabendo em mim de alegria, cahi de joelhos a testemunhar-lhe a minha gratidão: «– Minha santa Madre!...» exclamei jubilosa. Ella porém travou-me do braço, pedindo que me levantasse e entre demonstrações de carinho e meiguice replicou-me: «Não, eu nao sou a nossa santa Madre, SOU A SERVA DE DEUS, SOROR TERESA DE LISlEUX. No céo e na terra festeja-se hoje o Santissimo Nome de Jesus.»
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...Senti-me tão commovida e enleada, que já não atinava com a resposta; mais com o coração do que com os labios exclamei ainda: «Ó minha Madre...» e não pude ir adeante. A angelica Irmã encostou a mão no meu véo a modo de o querer endireitar e depois de me acariciar fraternalmente, afastou-se a passos lentos. Acudi-lhe pressurosa dizendo: – «Espere lá um boccadinho, olhe que póde não acertar com o caminho!» – Ella porém esboçou um sorriso celeste e me respondeu: «Não tenha receio, não; O MEU CAMINHO É SEGURO, E NÃO ANDEI ENGANADA EM O SEGUIR...»
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...Acordei, e não obstante o meu estado de prostração, apeei da cama e desci até o Côro onde recebi a santa Communhão.
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...As Irmãs olnavam para mim visivelmente assustadas e, movidas de compaixão ao vêr-me tão quebrantada, tencionavam chamar o medico.
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...Passei pela sacristia e as duas sacristãs instaram commigo porque lhes manifestasse o que sentia, porfiando para que me recolhesse á cama e mandasse vir o medico. Querendo obviar a tudo isso, confessei-lhes que a impressão de um sonho me havia deixado commovida e referi-lhes o occorrido, sem rodeios e com toda a simplicidade.
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...A instancias daquellas duas religiosas que me pediam lhes fosse abrir o pequeno cófre, respondi que se não devia acreditar em sonhos.
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...Tanto fizeram e tão porfiadamente insistiram, que afinal me dobrei aos seus desejos: fui á roda, abri o cofrezinho e... nelle encontrei realmente a milagrosa quantia de 500 francos!...
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...Não ha entre nós quem se não sinta confusa, á vista de tanta gentileza e bondade; suspiramos todos ardentemente pela hora abençoada, em que se concedam as honras dos altares á Irmãzinha Terêsa, nossa grande protectora.
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SOROR CARMÉLA DO CORAÇÃO DE JESUS
r. c. i. –priora

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(1) o Carmelo de Gallipoli achava-se naquella epoca reduzido á mais extrema penuria. A Madre Priora tivéra a inspiração de fazer um triduo em honra da SSma. Trindade, escolhendo para medialneira junto de Deus Soror Terêsa do Menino Jesus, cuja vida mandára lêr poucos mezes antes a toda a Communidade.
O triduo terminava precisamente naquelle mesmo dia 16 de janeiro.
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in Santa Terêsa do Menino Jesus; tradução P. Amando Adriano Lochu, S. J. – Livraria Salesiana Editora – São Paulo, 1925

A imagem em ação


Nós somos o que pensamos
Tudo que somos vem dos nossos pensamentos
Com os nossos pensamentos construímos o mundo
Tenha você pensamentos impuros
E os problemas te acompanharão tal qual
uma carroça acompanha uma parelha de bois
Nós somos o que pensamos
Tudo que somos vem dos nossos pensamentos
Tenha você pensamentos puros
E a felicidade o seguirá tal qual uma sombra Inabalável
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BUDHA

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No livro de Jeanne Achterberg, a Imaginação na Cura, ela relata a influência de fatores psicológicos e emocionais sobre o sistema imunológico que resumo a seguir.
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A imaginação tem um imenso poder. No mundo inteiro administram-se aos pacientes placebos de vários tipos. Freqüentemente eles acarretam redução da dor, náusea, ansiedade e até mesmo de células tumorais. Longe de enganar inocentes, placebos e po-der de sugestão tendem a atuar mais sobre pessoas que precisame querem ficar boas.
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A característica comum desses eventos – experiências mentais, maldições do vodu, visitas a santuários religiosos ou a médicos, e a reação aos placebos – é que todos servem para alteraras imagens ou a expectativa das pessoas sobre seu
estado de saúde. E agindo assim, as imagens causam uma profunda mudança fisiológica.
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Como a natureza cria poucas vias de mão única, se podemos adoecer devido a uma conduta errônea e até mesmo morrer por causa de feitiços e mágoas do coração, então também devemos ser capazes de nos recuperar.
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O corpo não tem segredos, nunca mente, os pensamentos passados ou presentes não passam sem deixar sua marca corporal. As imagens comunicam-se com tecidos e órgãos e até células para promover a mudança.
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Os xamãs compreendem, em um sentido espiritual, o nexo entre corpo, mente e alma. O trabalho ritual do xamã tem efeito terapêutico direto sobre o paciente ao criar imagens vívidas e induzir estados alterados de consciência, que conduzem a autocura.
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Na medida em que adquirimos mais conhecimento sobre esse magnífico sistema de defesa, tudo indica que as grandes doenças da humanidade poderiam ser controladas, caso se pudesse treinar o sistema imunológico para funcionar com eficácia.
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O estresse exacerba o desenvolvimento do câncer nos seres humanos, desencadeia manifestações em pacientes com artrite reumatóide e faz com que asmáticos procurem o pronto-socorro em busca de oxigênio.
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Felizmente, embora o sistema imunológico seja violentamente agredido por muitos tipos de comportamentos e pensamentos, sabemos que ele também pode ser favorecido e programado por atos conscientes. De acordo com novas pesquisas, imagens específicas, sentimentos positivos e sugestões, aprender como reagir a fatores estressantes de modo relaxado tem o poder de aumentar a capacidade do sistema imunológico, no sentido decombater a doença. Estudos mostram que o sistema imunológico está sobre controle direto do sistema nervoso central, particularmente as regiões do cérebro envolvidas na transmissão da imagem corporal.

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Os caminhos do xamã são, em primeiro lugar e acima de tudo, espirituais. E é como técnicos do sagrado que reside o seu suces-so. A prática xamânica compreende a capacidade de conexão com animais guardiões, entrar e sair de um estado especial de consciência.
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A cura para o xamã é uma questão espiritual. Ele considera adoença originária do mundo espiritual e dele adquire o seu significado. No xamanísmo, o problema básico não é o externo, mas a perda de poder pessoal que permitiu a invasão, seja de uma flecha, seja de um mau-espírito. O tratamento dá ênfase, em primeiro lugar, ao aumento de poder da pessoa doente e, em segundo lugar, opõe-se ao poder do agente que produziu adoença.
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Saúde é estar em harmonia com a visão do mundo. Saúde é uma percepção intuitiva do Universo e de todos os seus habitantes como seres de uma mesma origem. Saúde é comunicar-se com animais, plantas, estrelas e minerais. E conhecer a morte e a vida, e não ver entre elas diferença alguma. Saúde é buscar todas as experiências e vivenciá-las, sentindo sua textura e seus múltiplos significados. Saúde é expandir-se para além do próprio estado de consciência para experimentar os sussurros e vibrações do Universo.
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A tenda suor é um dos meios usados, no xamanismo, para induzir estados alterados de consciência. Uma sauna, sem o ritual, é apenas quente, mas com o ritual, ela pode induzir um efeito sistêmico que envolve uma rápida aceleração dos batimentos cardíacos, náusea, tontura, síncope (desmaio) etc. A reação fisiológica a um estímulo tão intenso é parcialmente função do aprendizado. Do ponto de vista físico, há um componente bioquímico – a febre reflete a ação natural às toxinas – relacionado com o sistema imunológico em ação. Além do mais, o suadouro pode atuar como esterilizador, eliminando bactérias, vírus e outros microrganismos que proliferam à temperatura do corpo, mais sensíveis ao calor. O crescimento de tumores também pode ser inibido quando a temperatura normal do corpo é significativamente elevada.

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Tomar muita água, e em seguida fazer uma sauna, resulta emsensações de desintoxicação e desanuviamento da mente. O próprio calor pode ajudar a criar um estado de consciência e promove intensa concentração necessária à cura.

Construção da Tenda do Suor


É típico que os xamãs jejuem antes de realizar um trabalho difícil. O jejum pode incluir abstenção de comida, sal e até água. Outras privações incluem ficar sem dormir por várias noites, o que, aliás, pode ocorrer de qualquer modo no processo de um ritual prolongado.
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O efeito placebo intervém devido à imaginação. O termo placebo é derivado do latim "agradarei". Cada pensamento é acompanhado por uma mudança eletroquímica. O alívio da dor é função da capacidade do placebo em aumentar a produção das substâncias químicas do corpo responsáveis pelo alívio – as endorfinas ou encefalinas. Assim como o xamã, em uma tribo primitiva, pode validar o seu cuspe num pedaço de algodão embebido em sangue no momento apropriado.
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Thomas Edison disse certa vez: O médico do futuro não dará remédios, mas interessará os pacientes nos cuidados com o corpo humano, a nutrição, e nas causas e prevenções de doenças.
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Toda a cura é mágica. Há um denominador comum entre o índio e o curador ocidental: a confiança, tanto do paciente quanto do curador. Ambos devem acreditar na magia, caso contrário ela não funcionará.
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A produção de serotonina ou sua inibição têm sido associadas a estados de elevada atividade imaginária, como o sono com sonhos, a esquizofrenia e a reação à dietilamida do ácido lisérgico (LSD).
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Sentimentos, pensamentos e imagens podem, na realidade, causar a liberação de substâncias químicas e, além disso, essas substâncias têm efeito realimentador de provocar estados sentimentais. Um equilíbrio químico é essencial à manuntenção da saúde, e este equilíbrio pode ser rompido ou restabelecido por qualquer comportamento, inclusive comer, beber, fazer exercícios, pensar.
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As endorfinas são encontradas em alta concentração no sistema límbico, no tálamo e em todas as áreas que estão envolvidas na transmissão da dor. São também encontradas em áreas do cérebro que regulam a respiração, a atividade motora, o controle endócrino e o humor. Atribui-se às endorfinas um efetivo aumento na tolerância à dor, observado nos atos heróicos em batalhas, partos e traumas significativos, embora existam poucas evidências diretas.
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No comportamento, a imagem, como variável, pode ser usada como instrumento para reestruturar o significado de uma situação, de modo que ela deixe de ter poder de criar sofrimento. Está implícita uma diminuição da ansiedade e de outras seqüelas emocionais negativas, e também uma atenuação de comportamentos que poderiam ser considerados respostas a situações provocadoras de ansiedade.
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O curador popular é bem-sucedido devido sua habilidade em dar esperança, reforçar a auto-estima e ajudar o indivíduo desajustado a encontrar uma aceitação satisfatória da comunidade. A auto-estima do paciente é aumentada na medida em que a atividade nele se concentra. Quando o curador invoca as forças sobrenaturais, o paciente recebe uma confirmação ainda maior de que ele é digno de ser contemplado com aquele tipo de ajuda. Os rituais, os procedimentos divinatórios e as ações terapêuticas derivam, segundo ele, de uma visão de mundo mágico-religiosa. Eles apelam para os componentes emocionais irracionais da psique, trazem satisfação às nossas necessidades e produtos metafísicos da imaginação.
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Quando as vidas são dramaticamente atingidas, afetam o processo vital. A própria doença pode ter se instalado após uma importante mudança de vida, o que fez que tudo perdesse o significado.
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Há grandes evidências de que a imaginação flui melhor quando o sistema motor não está competindo ativamente pela atenção do cérebro e quando a pessoa está deitada de bruços.
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As imagens transmitem mensagens compreendidas pelo sistema imunológico. Ligam os pensamentos conscientes aos glóbulos brancos, de modo que as combinações e cifras apropriadas se apressam a atuar de um modo que nem mesmo o imunologistamais bem informado poderia ordenar.
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in O espírito animal; Artése, Léo – Roca – São Paulo, 2001

Carteirinha


O advento de Bakunin na Internacional deu-se de maneira pouco convencional. Afinal ele era um reconhecido dirigente das massas e não podia simplesmente chegar no escritório da Associação Internacional dos Trabalhadores e pedir sua inscrição e carteirinha. Não, fundou então a sua Aliança Internacional da Democracia Socialista para atuar com ela dentro da Internacional, aproveitando ainfra-estrutura que esta já organizara em quase quatro anos de atividades. A nova organização bakuniniana, por sua vez, seria controlada pela indefectível Fraternidade Internacional (a organização secreta de Bakunin que por sua vez seria controlada pela Família Internacional, que por suavez estaria sob inquestionável controle de Mestre Bakunin). A missão da Aliança bakuniniana seria treinar e formar "propagandistas, apóstolos, e por último organizadores", assim como recrutar, caso necessário, as forças de choque revolucionárias para dirigir os trabalhos na Europa. Uma organização avançada que injetaria em seus membros um contínuo fervor revolucionário.
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in O que é Anarquismo; Costa, Caio Túlio – Brasiliense – São Paulo, 1980

O destino humano


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"O filósofo não pensa em outra coisa senão na morte e sua filosofia é uma meditação da vida. Não da morte."


Spinoza

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in A composição filosófica; Vergez, André; Huisman, Denis – Freitas Bastos – Rio de Janeiro, 1970

fevereiro 18, 2007

Não vejo nada de maluco



– Não vejo nada de maluco. Eu arranjava um emprego, não se preocupe com isso. Não precisa se preocupar com isso. Quê que há? Não quer ir comigo? Se não quiser, diz logo.
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– Não é isso. Não é isso, absolutamente.
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De certa maneira, eu já estava começando a ficar com raiva dela.
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– Nós vamos ter um mundo de tempo para fazer essas coisas, todas essas coisas. Quer dizer, depois que você acabar a universidade e tudo, e se a gente se casar. Vai ter um mundo de lugares maravilhosos para a gente ir. Você está...
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– Não, não vai ter mundo nenhum de lugares maravilhosos para a gente ir. Ia ser completamente diferente , – falei. Estava começando novamente a ficar deprimido como o diabo.
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– O quê? – ela perguntou. – Não estou ouvindo direito. Uma hora você grita, na outra você...
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– Eu disse que não, que não vai ter lugar maravilhoso nenhum para se ir, depois que eu terminar a universidade e tudo. Vê se escuta direito. Ia ser completamente diferente. Teríamos que descer de elevador, com as malas e a tralha toda. Íamos ter que telefonar para todo mundo, dizendo "até à volta", e mandar cartões postais dos hotéis e tudo. E eu estaria trabalhando em algum escritório, ganhando um dinheirão, e indo para o trabalho de táxi ou nos ônibus da Avenida Madison, e lendo jornais, e jogando bridge o tempo todo, e indo ao cinema, e vendo uma porção de documentários idiotas e traillers e jornais. Jornais cinematográficos. Puxa vida. Tem sempre uma corrida de cavalos imbecil, e uma dona quebrando uma garrafa no casco de um navio, e um chipanzé andando numa droga duma bicicleta, vestido de calças. Não ia ser a mesma coisa nem um pouquinho. Você não entendeu nada do que eu falei.
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– Talvez não! Talvez nem você também entenda – ela respondeu. Já estávamos um com raiva do outro. Estava na cara que não adiantava tentar uma conversa inteligente. Eu estava danado de ter começado o troço.
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– Vamos, vambora daqui – falei. Pra falar a verdade, você enche o meu saco.
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in O apanhador no campo de centeio; Salinger, J. D. – Editora do Autor – Rio de Janeiro, sd

Recanto


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Dizem que Xangô
Mora na pedreira
Mas não é lá sua morada
verdadeira
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Ele mora no clarão da Lua
Onde mora Santa Bárbara
Oxumaré e Jesus
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in Aiê, o recanto dos orixás; Diógenes Maciel e
Marinaldo José da Silva – João Pessoa, 1996
Ilustração de Diógenes Maciel

Ide

Tholos, Sanctuary of Athena, Delphi
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in Greece; Eva Keuls and Kees Scherer – Follet Publishing Company – Chicago, 1966 – Photo by Kees Scherer

Geia


Oitava


fevereiro 17, 2007

Andares







in Complexo Hospitalar Psiquiátrico do Juquery; acervo

fevereiro 15, 2007

vô imbolá


imbola vô imbolá
eu quero ver rebola bola
você diz que dá na bola
na bola você não dá
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quando eu nasci era um dia amarelo
já fui pedindo chinelo
rede café caramelo
o meu pai cuspiu farelo
minha mãe quis enjoar
meu pai falou mais um bezerro desmamido
meu deus que será bandido
soldado doido varrido
milionário desvalido
padre ou cantor popular
nem frank zappa nem jackson do pandeiro
lobo bom e mau cordeiro
mais metade que inteiro
me chamei zeca baleiro
pra melhor me apresentar
nasci danado pra prender vida com clips
ver a lua além do eclipse
já passei por bad trips
mas agora o que eu quero
é o escuro afugentar
faz uma cara que se deu essa empreitada
hoje a vida é embolada
bola pra arquibancada
rebolei bolei e nada
da vida desimbolá
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refrão
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vô imbolá minha farra
minha guitarra meu riff
bob dylan banda de pife
luiz gonzaga jimmy cliff
poesia não tem dono
alegria não tem grife
quando eu tiver cacife
vou-me embora pro recife
que lá tem um sol maneiro
foi falando brasileiro
que aprendi a imbolá
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eu vou pra lua
eu vou pegar um aeroplano
eu vou pra lua
saturno marte urano
eu vou pra lua
lá tem mais calor humano
eu vou pra lua
que o cinema americano
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refrão
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eu vou, eu vou vender a minha van
eu vou, eu vou vender a minha van
eu vou, eu vou vender a minha, vender a minha van, minha vã filosofia.
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*p/ selma do côco e cachimbinho e geraldo mousinho
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in Vô Imbolá; Baleiro, Zeca – MZA Produções – 1999

Gabinete





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É um estilo que se encontrava semi-esquecido, e que nos últimos anos voltou a ser cultivado por muitos cantadores, A estrofe se inicia como uma "décima", é interrompida no meio por um longo estribilho, e finaliza com o refrão "quem não canta gabinete / não é cantor prá ninguém". É uma estrofe relativamente fácil de construir; mas o estribilho exige do cantador muito fôlego e habilidade para não gaguejar.
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Exemplo:
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"Conheci na Argentina
Buenos Aires formosa
La Plata, Galán, Mendoza,
Tucumán, jóia platina;
Gallegos e Famantina
Córdoba, Rosário, Neuquén;
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Eu comprei meu cartão pra viajar num trem
sem cartão ninguém vai, sem cartão ninguém vem
sem cartão ninguém dá, sem cartão ninguém tem
tanto vem como vai, tanto vai como vem,
nem tem nem dá, nem dá nem tem,
se você for poeta, faça assim também:
barco pequeno é paquete
quem não canta gabinete
não é cantor pra ninguém"
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(Ivanildo Vila Nova)
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in Cantoria; Tavares, Bráulio – Casa das Crianças de Olinda – Olinda, sd

fevereiro 14, 2007

Um pai diferente


– Que barulho é esse?
– Tá louca, Dirce!
– Venha cá, ó imbecil! Tá saindo do cestinho de lixo.
Manoel Carlos, mal-humorado, levanta a bunda da cadeira e arrasta-se ao encontro da dúvida.
– Prestenção...
Com o mindinho esfregou o tímpano, abriu mais as pálpebras.
– sfffiettcool...
Não sabia. Aquele som não estava em sua memória cognitiva. Parecia.
Reticente, remexe a papelada, cinzas, tocos de cigarros e o olhar curioso da esposa.
– Ali! – Espevitada, ela aponta e pega cuidadosa aquela caneta disforme.
Quase que no centro do corpo do objeto, uma bolha translúcida evidenciava algo que,
– Preciso de uma lente, mané!
Agora sim.
– Seu FILHO DE UMA PUTA! Desperdiçando minha porra com punheta?!!!
Atirou de volta ao cesto a caneta grávida.

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in Fada é foda; Fernandes, Marcos – Senhoras de Santana – São Paulo, 2007

Ph


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falaz, familiarizar, fanatizar, faz, fazenda, fazendo, fazer, feliz, felizardo, fereza, feroz, Ferraz, fertilizar, fezes, finalizar, fineza, firmeza, fiscalizar, fixidez, fiz, flacidez, fluidez, folgazão, Forjaz, formalizar, Fortaleza, fossilizar, foz, franqueza, franzino, franzir, fraternizar, frieza, frigidez, fugaz, futilizar, fuzil, fuzilamento, fuzilar, fuzileiro.

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in Grafemos..., Guia ortográfico dos Srs. Professores, Estudantes, Jornalistas, Profissionais, Empregados Públicos, Bancários, Comerciários, Industriários, Escriturários etc.; Leal, Antônio de Sousa – Grafemos – São Paulo, 1959
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Algumas abreviaturas, siglas e símbolos
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A.
autor(a) assinadoa are(s)a/c aos cuidados de... alt. almirante alq. alqueire(s)am.º amigoapart. apartamentoart. artigoat.º atento; atencioso arr. a. arroba(s) c/c conta corrente cap. capitãoCard. Cardeal Cia. companhia cm centimetro(s)côn. cônegoCr$ cruzeiro(s)crº criadocx. caixa D. digno, dom, dona DD. digníssimodec. decreto D. G. Deus guarde dm decímetro(s) D. N. S. Deus Nosso Senhor J.C. Jesus Cristo J.M.J. Jesus, Maria e José dr.º dinheirodz. dúzia(s)ed. edição E. D. espera deferimento E. M. em mão; estado maior Em.ª Eminência E.M.P. em mão própria eng.º engenheiro E. R. espera resposta E. R. M. espera receber mercê Est. Estrada etc. et cetera ou coetera Exº ExcelentíssimoF .A. B. Força Aérea Brasileira fev.º fevereiro F. O. B. posto a bordo Fr. Frei g grama(s)gen. general h hora(s)ha hectare(s)hl hectolitro(s)hm hectômetro(s) id. o mesmo

in Grafemos..., Guia ortográfico dos Srs. Professores, Estudantes, Jornalistas, Profissionais, Empregados Públicos, Bancários, Escriturários , Comerciários, Industriários, dos Técnicos em geral, Redatores, Revisores, Linotipistas, Tipógrafos, dos que redigem, pintam cartazes, reclamos, letreiros e avisos nos canais de TV, enfim, dos brasileiros e estrangeiros em geral.; Leal, Antônio de Sousa – Grafemos – São Paulo, 1963

Chão de Palavras


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A UMA CAVEIRA DE BURRO
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Isto posto, aqui estamos, Januário,
lírico debutante de dezembro,
ossatura fiel, oh duro e seco
resquício de paciência e de ternura,
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mirando o que foram olhos no teu crânio,
adivinhando estradas no teu passo,
sentindo um cheiro a sol na tua orelha
onde uma rosa extinta houve, no outrora;
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e enquanto nos devolves o interesse
com que, pobres de nós, te desvendamos
e aconteces num sono sossegado
de quem já soube tudo e nada espera,
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nós, muares erguidos, intranqüilos,
pensamos surpreender a madrugada,
mas tua branca frente é que responde
à luz sentida antes de qualquer outra;
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tu, que trazes sereno no teu dorso
de quando abril surpreendeu o outono,
que deixaste teu rastro em campos largos,
mastigando capim, pausadamente,
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tu que à lua mostravas o teu vulto
de fulvo pêlo rústico e primário;
tu, de cascos de aurora e voz pungente,
Januário, sereno Januário;
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que morreste de amor contrariado
numa súbita noite voluntária
e te deitaste e foste despedindo
suavemente, de tudo à tua volta,
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e que hoje te encontras com estrelas
porque é dos burros mágicos ser puro,
e que conversas, infalivelmente,
com dois anjos lunares que te escutam.
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Assim nós te inventamos, Januário;
de bicho claro e simples, te fazemos
um ser em espirais, porque é do homem
dificultar o que ama, ou disfarçá-lo.
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O autor e sua obra
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Renata Pallottini nasceu em São Paulo, no ano de 1931. Formou-se em direito, pela Faculdade do Largo de São Francisco (e o contato com a velha Academia haveria de deixar traços muito marcados em sua obra), e em filosofia, pela Faculdade de Filosofia de São Bento, da Universidade Católica.
Muito cedo, porém, a poesia se revelou como sua maneira peculiar de colocar-se no mundo, de interpretá-lo, de comunicar-se com ele. O primeiro livro, "Acalanto" – que ela própria ajudou a compor na tipografia de seu avô –, foi lançado em 1952 e dava a conhecer não apenas uma promessa a mais no panorama literário nacional, mas um poeta inteiro que, embora jovem, tomava resolutamente seu caminho e fazia já ouvir a voz inconfundível da poesia verdadeira.
A "Acalanto" seguem-se várias obras: "Cais da serenidade" (premiado em um concurso de "A Gazeta", em 1953), "O monólogo vivo", "A casa", "Livro de sonetos" (prêmio do Pen Clube de São Paulo), "Nós, Portugal" (editado em Tavira, Portugal), "A faca e a pedra", "Os arcos da memória".
O Círculo do Livro lança agora este "Chão de palavras". Trata-se de uma antologia que pode oferecer ao leitor uma visão significativa da poesia de Renata Pallottini e dos caminhos que percorreu. São poemas em que o momento da emoção experimentada, ou o da reflexão comovida sobre a condição do homem e do mundo, é sempre captado com sutileza e comunicado com toda a força daquela síntese lírica, característica básica da poesia autêntica; poemas em que aflora a consciência moderna de que é de palavras que a poesia se faz, de que é a palavra a matéria-prima do produto poético, o chão de onde vão brotar flores e frutos de beleza, quando se abrirem as sementes que a vida vai plantando na sensibilidade do poeta.
A necessidade de uma comunicação talvez mais imediata com o mundo e as pessoas levou Renata a buscar também outras formas de dizer. E sua escolha desta vez recaiu sobre o teatro. A partir de 1965, lançou-se como autora teatral com "O crime da cabra", texto que lhe garantiu dois prêmios: o prêmio Molière e o Governador do Estado. Em 1968 recebeu o prêmio Anchieta – que, tal como o Molière, é uma das mais importantes láureas dó teatro brasileiro – com "O escorpião de Numância", uma recriação muito pessoal da tragédia de Cervantes.
Nos últimos anos tem feito, com pulso firme, incursões no terreno da narrativa – pois nada do que é literário lhe é estranho –, tendo, além de várias publicações em revista, lançado "Mate é a cor da viuvez", uma coletânea de contos.
Sempre em busca de novos caminhos e de novas linguagens para falar ao homem de seu tempo, tem escrito muita coisa para a tevê, entre as quais os textos para "Vila Sésamo", em sua primeira fase, o que contribuiu para que o programa se consolidasse, na época, como o melhor em seu gênero, na televisão brasileira. Atualmente, escreve para o Canal 4 – TV Tupi – a telenovela "O julgamento" (que deve ir para o ar em outubro deste ano).
Essa riqueza de possibilidades na criação literária, a seriedade e a importância de seu trabalho lhe valeram, em 1968, um convite para presidir a Comissão Estadual de Teatro, cargo que exerceu durante dois anos. Datam dessa época importantes montagens do teatro brasileiro, tais como "Na selva das cidades", "O balcão" e "O assalto", que contaram com o apoio daquela entidade.
Em 1969, Renata Pallottini adaptou para teatro trechos de obras de Guimarães Rosa, extraídos não só de "Sagarana" e "Corpo de baile", como da obra máxima que é "Grande sertão: veredas". A crítica elogiou merecidamente sua capacidade de levar para o palco, vivas, as personagens do grande romancista, conservando, com perfeição, as características fundamentais do universo e da linguagem rosianos, aventura a que realmente só se lançaria um escritor em plena posse de seus meios expressivos e das técnicas de seu ofício.
Já há algum tempo, Renata é professora de dramaturgia na Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo, tendo exercido também, por dois anos, a função de diretora da Escola de Arte Dramática, a escola de formação de atores da ECA.
Em meio a todas essas atividades, porem, a poesia permanece o chão mais rico e fecundo onde se fincam suas raízes artísticas. Todas as outras formas literárias em que se tem realizado levam a marca inconfundível do poético e se acham impregnadas dessa coisa que é, na verdade, a substância última de toda arte: poesia. Pois Renata Pallottini é fundamentalmente, visceralmente, isto: poeta.
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in Chão de Palavras; Pallottini, Renata – Círculo do Livro – São Paulo, sd