fevereiro 18, 2007

Não vejo nada de maluco



– Não vejo nada de maluco. Eu arranjava um emprego, não se preocupe com isso. Não precisa se preocupar com isso. Quê que há? Não quer ir comigo? Se não quiser, diz logo.
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– Não é isso. Não é isso, absolutamente.
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De certa maneira, eu já estava começando a ficar com raiva dela.
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– Nós vamos ter um mundo de tempo para fazer essas coisas, todas essas coisas. Quer dizer, depois que você acabar a universidade e tudo, e se a gente se casar. Vai ter um mundo de lugares maravilhosos para a gente ir. Você está...
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– Não, não vai ter mundo nenhum de lugares maravilhosos para a gente ir. Ia ser completamente diferente , – falei. Estava começando novamente a ficar deprimido como o diabo.
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– O quê? – ela perguntou. – Não estou ouvindo direito. Uma hora você grita, na outra você...
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– Eu disse que não, que não vai ter lugar maravilhoso nenhum para se ir, depois que eu terminar a universidade e tudo. Vê se escuta direito. Ia ser completamente diferente. Teríamos que descer de elevador, com as malas e a tralha toda. Íamos ter que telefonar para todo mundo, dizendo "até à volta", e mandar cartões postais dos hotéis e tudo. E eu estaria trabalhando em algum escritório, ganhando um dinheirão, e indo para o trabalho de táxi ou nos ônibus da Avenida Madison, e lendo jornais, e jogando bridge o tempo todo, e indo ao cinema, e vendo uma porção de documentários idiotas e traillers e jornais. Jornais cinematográficos. Puxa vida. Tem sempre uma corrida de cavalos imbecil, e uma dona quebrando uma garrafa no casco de um navio, e um chipanzé andando numa droga duma bicicleta, vestido de calças. Não ia ser a mesma coisa nem um pouquinho. Você não entendeu nada do que eu falei.
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– Talvez não! Talvez nem você também entenda – ela respondeu. Já estávamos um com raiva do outro. Estava na cara que não adiantava tentar uma conversa inteligente. Eu estava danado de ter começado o troço.
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– Vamos, vambora daqui – falei. Pra falar a verdade, você enche o meu saco.
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in O apanhador no campo de centeio; Salinger, J. D. – Editora do Autor – Rio de Janeiro, sd

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