fevereiro 02, 2007

A filha do pai

Quando comparamos as fantasias das crianças com as ilusões psicóticas, começamos a perceber por que motivo o ego humano não pode fazer um uso mais amplo do mecanismo – simultaneamente tão simples e tão superlativamente eficaz – de negação da existência de fontes objetivas de ansiedade e "dor". A capacidade do ego de negação da realidade é inteiramente incoerente com uma outra função altamente apreciada pelo ego: a sua capacidade para reconhecer e comprovar criticamente a realidade dos objetos. Nos primeiros anos da infância, essa incoerência não tem ainda um efeito perturbador. No pequeno Hans, o dono do leão, e no dono do circo, a função de comprovação da realidade manteve-se inalterada, intata. É claro que eles não acreditavam, realmente, na existência dos seus animais nem na sua própria superioridade em relação aos pais. Intelectualmente, estavam muito bem capacitados para fazer a distinção entre fantasia e fato. Mas na esfera do afeto, cancelaram os dolorosos fatos objetivos e desempenharam uma hipercatexe da fantasia, na qual esse fatos foram invertidos para que o prazer que deriva da imaginação triunfasse sobre a "dor" objetiva.
É difícil dizer quando o ego perde o poder de superar consideráveis quantidades de "dor" objetiva por meio da fantasia.

in O ego e os mecanismos de defesa; Freud, Anna – Coleção Corpo e Espírito, vol. 6 – Trad. Álvaro Cabral – Civilização Brasileira – Rio de Janeiro, 1982

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