dezembro 29, 2008

Formação histórica da língua portuguêsa



1. Origem da língua portuguêsa

A língua portuguêsa é um prolongamento do latim levado pelos romanos à Península Ibérica. Por êsse motivo há uma interrelação entre o seu histórico e a história da Península.

Pouco é o que se sabe a respeito dos povos que habitavam o solo peninsular antes da invasão romana (séc. III a. C.). Dentre êles citam-se como os mais importantes os iberos, os celtas, os fenícios, os gregos e os cartagineses.

Muitos séculos antes de Cristo, a Península Hispânica, ou Ibérica, era habitada pelos Iberos, povo agrícola e pacífico e o mais antigo de que se tem notícia.

Pelo século VI a. C., invadiram-na os Celtas, povo turbulento e guerreiro. Com o correr dos séculos mesclaram-se com os Iberos dando origem aos povos Celtiberos.

Pelos tempos adiante, outros povos, os Fenícios, os Gregos e os Cartagineses, estabeleceram colônias comerciais em vários pontos da Península.

Como os cartagineses pretendessem apoderar-se dela totalmente, por ocasião do cêrco de Sagunto (1), os Celtiberos chamaram em seu socorro os Romanos.

Romanização da Península Ibérica

Por isso, no século III a.C., os Romanos invadiram a Península com o intuito de sustar a expansão de Cartago, que constituía séria ameaça ao dominio do mundo mediterrâneo, pretendido por Roma.

Vencida Cartago, as legiões romanas dominaram tôda a Península, tornando-se, esta província romana em 197 a. C. Essa dominação, no entanto, não foi apenas político-militar, mas, e principalmente, cultural. Roma, paralelamente à sua conquista territorial, ia realizando a conquista lingüística, impondo aos povos vencidos a sua língua: o Latim.

Homens experimentados que eram em séculos de conquistas anteriores, os romanos usaram de verdadeira tática para que sua civilização se implantasse e sua língua se impusesse de modo geral e eficiente na Peninsula Ibérica. Começaram levando para a Península Ibérica os fatôres de civilização que lá não existiam: abriram escolas, construíram estradas, templos, organizaram o comércio, o serviço de correio etc.

Além disso, foram intransigentes na imposição do uso do Latim nas transações comerciais e nos atos oficiais; na organização do serviço militar obrigatório, onde também obrigatório era o uso do Latim.

Convém lembrarmos que não foi o Latim visto nas obras dos grandes escritores latinos como Cícero, César, Horácio, etc., conhecido como o Latim Clássico, que foi levado à Península, mas o Latim usado pelo povo no trato comum, chamado Latim Vulgar. Porque, como bem o diz Serafim da Silva Neto, «uma língua tem dois empregos dístintos: o literário, quase sempre escrito, usado pelos artistas da palavra, e pela sociedade culta, difundido nas escolas e nas Academias e o popular, falado quase sempre, de que se serve o povo despreocupado e inculto». Era, pois, desta última forma lingüística, Latim Vullgar, que se serviram os soldados e colonizadores romanos.

Tendo o prestígio de língua oficial, ensinada nas escolas, usada nas relações comerciais, o Latim pôde suplantar os demais idiomas falados pelos peninsulares, que adotaram a língua dos vencedores.

Assim, com a assimilação lenta, mas progressiva de uma civilização de caráter essencialmente romano, a Península Ibérica chega ao século V da era cristã, já completamente romanizada, isto é, politicamente pertencendo ao Império Romano e lingüìsticamente falando a língua de Roma — o Latim.

No século V da nossa era, foi a Península invadida e assolada pelos bárbaros germanos (alanos, suevos, vândalos, visigodos), povo essencialmente guerreiro, de cultura inferior à dos peninsulares, já romanizados. Embora vencedores, os bárbaros adotaram a civilização e a língua latinas. Contudo, causaram a dissolução da unidade política do império; as escolas foram fechadas, pois julgavam que a instrução enfraquecia o espírito guerreiro dos homens; houve o desaparecimento da nobreza romana, que cultivava as letras latinas; nos mosteiros procurou-se conservar a língua clássica, mas, mesmo aí, a leitura dos clássicos latinos foi proibida pelo cristianismo por estar contaminada de espírito pagão.

Dialetação do Latim Vulgar

Com a queda e fragmentação do Império Romano, suprimidos os elementos unificadores do idioma, o Latim Vulgar falado no vasto território da Península Ibérica, já bastante modificado pela ação do substrato língüístico peninsular (2) , passou a se desenvolver independentemente em cada região, isto é, dialetou-se. A dialetação do Latim Vulgar tem, pois, como causa imediata a invasão bárbaro-germânica, e como causa mediata a ação do substrato língüístico.

No século VIII, os árabes vindos do Norte da África, comandados pelo general Tárique, atravessaram o estreito, depois chamado Gibraltar, e invadiram a Península. Portadores de uma cultura superior à da Península, os árabes impõem sua língua como oficial, mas os peninsulares continuaram a falar o romance, ou seja, o Latim Vulgar já modificado. Esta não aceitação da civilização árabe pelos habitantes da Península, deve-se às extremas oposições de raça, língua e religião entre os mouros e os vencidos. Algumas povoações receberam diretamente a influência dos árabes, formando os moçárabes, que quer dizer «misto árabe», mistos na linguagem, nos costumes, exceto religião, pois continuavam cristãos.

É de notar que os árabes, apesar de seu alto nível cultural e elevado grau de civilização, e embora tivessem permanecido na Península Ibérica por mais de sete séculos, pois só foram definitivamente expulsos no século XV (1492) por Fernando de Aragão e Isabel de Castela, pouca influência exerceram no tocante à língua portuguêsa. Esta influência se restringe apenas ao léxico: cêrca de mil vocábulos de origem árabe existem no léxico português. Êstes vocábulos são, de modo geral, caracterizados pelo prefixo AL, artigo definido árabe. Citamos para exemplos: álgebra, algibeira, álcool, alcatifa, allface, algarismo, alfazema, alcachôfra, almofada, alfafa, alfinête, algema, algodão, alqueire etc.

II. História da Língua Portuguêsa

Inúmeras lutas se travaram para a expulsão dos mouras do território peninsular. Nessas lutas, já em fins do século XI, muitos fidalgos vieram militar sob a bandeira de D. Afonso VI, rei de Leão e Castela. Dentre êles destacou-se D. Henrique, conde de Borgonha, que, por seus serviços prestados à coroa e à causa cristã, recebeu em casamento D. Tareja, filha de D. Afonso VI, e como dote o govêrno do Condado Portucalense, pequeno território situado na costa ocidental da Península Ibérica, entre os rios Douro e Minho. Êste casamento realizou-se em 1095.

Por morte do conde D. Henrique, coube, primeiro à sua espôsa, e posteriormente a seu filho D. Afonso Henriques, lutar para fazer do condado um estado independente do reino de Leão e Castela. Houve incessantes combates contra os mouros e leoneses. Em 1139 dá-se a batalha de Ourique, entre muçulmanos e portuguêses. Ao comando das tropas está D. Afonso Henriques, e antes que a luta começasse, os soldados portuguêses o aclamam rei de Portugal, ecoando pela primeira vez um brado de nacionalismo lusitano: «Real, Real, por El-Rei D. Afonso Henriques de Portugal!» Contudo só em 1143 são reconhecidos a independência do Condado Portucalense e o título de rei a D. Afonso Henriques.

Estava, assim, definitivamente fundado um nôvo reino — Portugal — e aparecia no mundo europeu uma nova nação — a portuguêsa.

Nessa região, onde foi fundada a monarquia portuguêsa, falava-se o dialeto galeziano, ou galego-português, expressão lingüística comum à Galiza e Portugal. No entanto, à medida que Portugal estendia seus domínios para o Sul, estabelecendo seus limites atuais, e absorvendo os falares ou romances que aí existiam, iam se processando as diferenciações lingüísticas, entre o falar dos galegos, que permaneceu estacionário, e o falar dos portuguêses, que evoluiu a ponto de tornar-se independente do galego. Cindiu-se, então, a expressão galegotuguês em duas línguas diferentes: o galego que foi absorvido pela unidade castelhana, e o português, que continuou sua evolução, tornando-se a língua de uma nacionalidade e atingindo a perfeição atual que conhecemos.

(1) Sagunto, cidade de fundação e domínio grego na Ibéria (Espanha); foi cercada por Aníhal em 219 a. C. O cêrco de Sagunto deu origem à 2ª Guerra Púnica.
(2) Substrato lingüístico é a língua de um povo vencido sôbre a qual se superpõe a língua do vencedor.


in Gramática Histórica; Carvalho, Dolores Garcia e Nascimento, Manoel – Ática – São Paulo, 1971

dezembro 26, 2008

Metrificação



Temos na língua portuguêsa versos de duas até doze sílabas, ou treze, como alguns metrificadores querem, contando a última quando esta é grave. Em geral só se conta a última sílaba da palavra, quando ela é aguda; a penúltima, quando grave, e a antepenúltima, sendo esdrúxula.

O verso de doze sílabas chama-se alexandrino, nome tomado ao poeta que primeiro o escreveu, e que teve grande dificuldade de entrar para a versificação portuguêsa; não existindo na poética italiana nem inglêsa.

Por capricho alguns poetas inserem em suas composições versos de uma só sílaba, exemplo:

Quem
Não
Vem,
Cão?

Metro de duas sílabas

Você
Me chama,
Porque
Se inflama?

De três sílabas

Neste mundo
Tudo é assim,
Rubicundo
Querubim.

De quatro sílabas

Eu nada espero
Mais nesta vida,
Vês? sou sincero,
Minha querida.

De cinco sílabas

Ao ver-te, formosa
Não sei que senti.
Ficaste chorosa
Não negues, eu vi.

De seis sílabas

Do meu viver medonho
Esqueço a história escura,
Se acaso os olhos ponho
Naquela criatura.

De sete sílabas

Vejam só que desalinho,
A noiva cheirava a sândalo,
O noivo fedia a vinho;
Vendo o vigário êsse escândalo
Chamou de parte o padrinho.

De oito sílabas

No horrendo pântano profundo
Em que vivemos, és o cisne,
Que o cruza, sem que a alvura tisne
Da asa no limo infecto e imundo.

De nove sílabas

Ai que vida que pássa na terra
Quem não ouve o rufar do tambor,
Quem não grita na fôrça da guerra:
Ai, amor! ai, amorl ai, amor!

De dez sílabas

Vai-se a primeira pomba despertada,
Vai-se outra mais, mais outra, enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Rompe sangüínea e frêsca a madrugada.

De onze sílabas

Cantemos a glória dos nossos guerreiros
Que à Pátria seu sangue votaram sem dor.
São êles os bravos, que em ser brasileiros,
Têm tudo que exalta, que exprime valor!

De doze sílabas

Negro, pútrido, estanque o rio imenso dorme.
Da floresta no chão sumindo as águas, onde
Como combusto espetro o anoso tronco informe
Mira ao queimor do sol a retorcida fronde.


in Dicionário de Rimas; Passos, Guimaraens – Livraria Francisco Alves – Rio de Janeiro, 1904
Ilustração: Caligrafia 6 – L. C. Cruvinel

dezembro 22, 2008

Feliz Natal



Acender As Velas
(Zé Keti)


Acender as velas já é profissão
Quando não tem samba, tem desilusão

É mais um coração que deixa de bater
Um anjo vai pro céu
Deus me perdoe, mas vou dizer
O doutor chegou tarde demais
Porque no morro
Não tem automóvel pra subir
Não tem telefone pra chamar
E não tem beleza pra se ver
E a gente morre sem querer morrer

Acender as velas já é profissão
Quando não tem samba, tem desilusão

E a gente morre sem querer morrer...
 

dezembro 17, 2008

Receitas exclusivas e inclusivas

Fazer o bem, fazendo bem feito.

Palitinhos de frango



Modo de preparo:
Juntar pequenos pedaços de bacon no palito. Depois de empanados, acomode-os em óleo quente no fogo alto.

Dica:
Servir como tira-gosto


Maminha embalada



Modo de preparo:
Envolver em papel alumínio ou celofane. Colocar no forno em tempo de cozimento de acordo com o peso.

Dica:
Servir com farofa.


Bife casadinho



Modo de preparo:
Bife duplo com tempero especial, recheados com calabreza (mozarela a gosto). Aquecer lentamente em fogo médio.

Dica:
O acompanhamento ideal para este prato é o arroz à grega.


Experimente. Vamos formar uma nova corrente!


—Não temos convênio com estacionamentos—
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in Caderno de Receitas da Casa da Dinda – Biblioteca de Cid Pimentel

O tempo não é o movimento dos corpos



Se alguém me disser que o tempo é o movimento de um corpo, mandar-me-eis estar de acordo? Não mandareis. Ouço dizer que os corpos só se podem mover no tempo. Vós mesmo o afirmais. Mas não ouço dizer que o tempo é esse movimento dos corpos. Não o dizeis. Quando um corpo se move, é com o tempo que meço a duração desse movimento desde que começou até acabar. Se não o vi principiar a mover-se e persevera, de modo a não poder notar quando termina, só me é permitido medir a duração do movimento desde o instante em que comecei a vê-lo até que o deixei de ver. Se o presencio por longo espaço, não posso dizer quanto tempo demorou, mas somente que demorou muito tempo, porque o quanto só por comparação o podemos avaliar. Dizemos, por exemplo, que "isto durou tanto quanto aquilo", que "isto durou o dobro daquilo" e de modo semelhante, nos outros casos. Se pudermos observar de que lado vem o corpo que se move e para onde vai, ou se as suas partes se movem como um torno, poderemos dizer quanto tempo durou de um lugar a outro o movimento deste corpo ou das suas partes.
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Portanto, sendo diferentes o movimento do corpo e a medida da duração do movimento, quem não vê qual destas duas coisas se deve chamar tempo? Num corpo que umas vezes se move com diferente velocidade e outras vezes está parado, medimos não somente o seu movimento mas também o tempo que está parado. Dizemos: "Esteve tanto tempo parado como a andar" "ou esteve parado o dobro ou o triplo do tempo em que esteve em movimento", e assim por diante. Ainda no cálculo exato ou aproximativo, costuma-se dizer "mais" e "menos".
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Portanto, o tempo não é o movimento dos corpos.
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in Confissões; Santo Agostinho – Vozes – Petrópolis, RJ, 1987
Ilustração: The Chinese Smile – Pintura anônima do Séc. XVIII

Crase



Numeral
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Usamos a crase:
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Estamos aguardando a chegada de sua prima desde às 10 horas da manhã.
Assistimos às duas comédias do Teatro Santana.
Dirigiram palavras de censura às 5 alunas relapsas.
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Não empregamos a crase:
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Pretendo visitá-lo daqui a 3 semanas.
Isto aconteceu a várias semanas atrás.
A luta vai ser a vinte de agosto.
Ele entrou em crise no dia 8 a 20 deste mês.
Presenciei a uma sessão da avant-premiere.
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a) Observação: 
Quando o numeral vier acompanhado de artigo, usamos a crase.
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b) Observação:
Quando o numeral não vier acompanhado de artigo ou anteceder substantivo sem determinação, não empregamos a crase.
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Moda
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Usamos a crase:
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Eles prepararam o bife à milanesa para o almoço.
Pedimos bacalhau à portuguesa por ser prato do dia no restaurante.
Ele escreveu um livro e pediu-me para que lesse. Eu li as primeiras páginas e lhe afirmei que seu estilo era à Machado de Assis.
Eles reagiram à germânica ontem.
A luta exibida no circo foi à romana hoje.
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Observação:
Quando o a vem antes da palavra moda, oculta na frase, usamos a crase.
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Clareza de sentido
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Usamos a crase:
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Matar à fome.
Matar à bala.
Receber à bala.
Escreveu à máquina.
Escreveram à tinta.
Eles escreveram à mão.
Eles alimentam o cavalo à cevada.
As meninas cheiravam à gasolina.
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Observação: 
Para maior clareza de sentido muitos escritores, embora não haja o acento, escrevem estas expressões com crase.
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in A crase; Ferreira, J. Mendes – Editora Dimensional – São Paulo, 1974

dezembro 16, 2008

Obesidade em crianças




Ilustração: in Almanach 1929, 9º ano – Cia. Editora Americana – Rio de Janeiro

Breve aceno a uma Teoria do Quase-Signo



O signo poético-semiótico, que vela e revela a natureza da linguagem, que é um possível de formas, que é a linguagem (homem) nascendo — ou que a quase-propõe — é um proto-signo ou quase-signo.
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E pré-constelacional, tal como o quasar, fonte de energia dos chamados corpos quase-estelares.
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Já não é o caos, ainda não é a ordem. É um primeiro primeiro, o primeiro bit de informação da linguagem, a primeira precisão da imprecisão, a primeira determinação da indeterminação, entendendo-se por primeiro um processo de ser primeiro sem ser primeiro sendo primeiro, fosse possível eliminar o verbo ser: primeiro sem primeiro primeiro.
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É aquele tempolugar de que fala Peirce em sua Cosmologia 23: na poeira de sentimentos desrelacionados do caos surgem partículas (bits) de semelhança.
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Primeiro veio a similaridade, depois a contigüidade.
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O quase-signo não é uma coisa, é uma relação, um processo. Está em todas as operações semióticas de base, fundantes — em todas as operações de saturação do código, em todas as traduções, em todas as operações inter e pansemióticas.
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É primeiro e último-primeiro.
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O interpretante satura o código simbólico e reverte ao ícone: da extrema diferenciação reverte à indiferenciação, que nunca é a mesma, pois já constitui outro interpretante: é o Mal de Usher: Está nos extremos da escala informacional: originalidade e redundância quase totais. Mallarmé e Oswald de Andrade.
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Os signos informam mais em seus começos, como o homem, como as revoluções: possibilizam mais.
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O homem é o quase-signo por definição e indefinição: informação e redundância quase-totais.
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Não sem razão Peirce gosta do quase: quasi-mind, quasi-flow.
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Com o que concordava Valéry, que detestava as imprecisões, mas reconhecia que sem um à peu pres a vida não seria possível.
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O à peu pres é o quase que permite a descoberta, o mais-ou-menos heurístico: atirar pedras à frente do caminho, limpando por ora a barra da sobrevivência nos cosmos.
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E o zerograma de uma série estocástica. Não é diacronia, nem sincronia; história, nem cosmos; ser, nem não-ser — dicotomias inexistentes. O código chamado binário — 0/1, sim/não — é uma relação, envolve um terceiro.
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Um quase-nada que preenche tudo.
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As abreviaturas extremas chegam ao quase-signo, num percurso usheriano do Interpretante: cruz, "om", e=mc2, estrela, foice-e-martelo.
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Cole Porter diria que é the smile on lhe Mona Lisa, lhe inferno o'Dante and lhe nose on lhe great Durante 24.
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Duas deindefinições por Edgar Allan Poe:
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And yet it need not be — (that object) hid
From us in life — but common — which doth lie
Each hour before us — but then only, bid
With a strange sound, as of a harp-string broken,
To awake us — 'T is a symbol and a token
Of what in other worlds shall be — 25
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Unthought-like thoughts that are the soul of thoughts 26.
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Está no início de um prelúdio de Chopin, quase feito só de inícios; na Opus 21, de Anton Webern, feita só de inícios; no Coup de dés, em Giorgione, em Maso di Banco, em Volpi, na palavra amor.
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Umberto Eco chegou, teria chegado lá, com sua opera aperta, não a tivesse overworked. Limitou-a com restringi-la à música e ao "pensamento" seriais e à interpretação pelo receptor da mensagem; alargou-a ao identificá-la com o signifiant, com a estrutura ausente e o seu vazio, via Barthes: forma que a história passa o tempo a preencher. Até, pelo que me lembre, lembrando-me de Oswald, na Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, essa idéia comparece.
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O que não é comunicação é quase-signo.
Comunicação = imitação = redundância.
O que não é imitação é quase-signo.
Quase-signo é o Acaso.
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Com razão Jackson Pollock suspeitava, em suas últimas obras, que ali havia algo que não era comunicação.
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Se todos se comunicassem totalmente com todos, teríamos a homogeneidade total do caos humano: tudo previsível. A morte ao vivo.
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Ce qu'on sait n'est pas à soi — dizia Marcel.
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Aquele bit de informação que nos diferencia dos outros, que faz o eu de um eu, o você de um você, o ele de um ele — é o quase-signo. Melhor, um quase-signo, que ele é sempre um qualitativo de cada vez.
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O signo contra a vida regeneração da vida em Lacan, empregando símbolo na acepção corrente: "Ainsi le symbole se manifeste d'abord comme meurtre de la chose, et cette mort constitue dans le sujet l'éternisation de son désir" 27.
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O quase-signo não é forma preenchível, mas que preenche, ante-proto-quase-projeto que é de formas — e, portanto, de significados.
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Aí está o mundo (quase-signo): digam e façam dele o que quiserem ou puderem (interpretante): aí está o mundo.
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Um poema é um quase-signo.
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(23) "Neste caos de sentimentos, partículas de semelhança apareceram e foram tragadas. Reapareceram por  acaso. Ligeira tendência à generalização manifestou-se aqui e ali, para ser sufocada. Reapareceram, ganharam corpo. O igual começou a produzir o igual. E até pares de sentimentos desiguais começaram a ter similares e começaram a generalizar-se. E dessa forma, relações de contigüidade, ou seja, conexões outras que não as de semelhança, vieram à tona" (8.316 a 318 — Carta a Christine Ladd-Franklin).
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(24) PORTER. Cole. Canção You're the top (1936), por Ethel Merman, "Hollywood sings", v. 1 — "The Girls", Londres, Decca, 1964.
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(25) POE, Edgar A. Stanzas. Antologia selecionada, editada e anotada por Philip Van Doren Stern, N. York, The Viking Press, 1951, p. 600. O quase-signo comanda as boas traduções, embora seja, ele mesmo, intraduzível. Aqui vai uma, incerta e má: "No entanto, ele não precisa existir (ser) — (aquele objeto) oculto / De nós na vida — mas comum — que está / Em cada hora ante nós — mas só então, enviado / com estranho som, como de corda de harpa quebrada / Para acordar-nos — ELE é um símbolo e um penhor / Daquilo que será em outros mundos".
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(26) POE, Edgar A. "To____ ____ ", Ob. cit., p. 628: "Pensamentos como que nã(o-pensados que são a alma do pensamento",
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(27) Apud U. Eco. ob. cit., p. 337: "Assim o símbolo se manifesta primeiro como assassinato da coisa, e essa morte constitui no sujeito a eternização de seu desejo".
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in Semiótica e Literatura; Pignatari, Décio – Perspectiva – São Paulo, 1974
Ilustração: City lights; by Guinigui

dezembro 11, 2008

Ensapado



Fotodesmonte por guinigui

dezembro 07, 2008

O laço ilumina-a-ação



Ilustração: Fotodesmontagem por Guinigui

História e Natureza



No início da História Ocidental, a distinção entre a mortalidade dos homens e a imortalidade da natureza, entre as coisas feitas pelo homem e as coisas que existem por si mesmas, era o pressuposto tácito da Historiografia. Todas as coisas que devem sua existência aos homens, tais como obras, feitos e palavras, são perecíveis, como que contaminadas com a mortalidade de seus autores. Contudo, se os mortais conseguissem dotar suas obras, feitos e palavras de alguma permanência, e impedir sua perecibilidade, então essas coisas ao menos em certa medida entrariam no mundo da eternidade e aí estariam em casa, e os próprios mortais encontrariam seu lugar no cosmo, onde todas as coisas são imortais, exceto os homens. A capacidade humana para realizá-lo era a recordação, Mnemósine, considerada portanto como mãe de todas as demais musas.
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Para compreender rapidamente e com alguma clareza quão distante nos encontramos hoje dessa compreensão grega da relação entre natureza e História, entre o cosmo e os homens, permitir-nos-emos citar quatro versos de Rilke e conservá-los em sua língua original, visto que sua perfeição parece desafiar qualquer tradução:
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Berge ruhn, von Sternen überpraechtigt;
aber auch in ihnen flimmert Zeit.
Ach, in meinem wilden Herzen naechtigt
obdachlos die Unvergaenglichkeit. 5
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Aqui, mesmo as montanhas parecem repousar apenas sob a luz das estrelas; são elas lenta e secretamente devoradas pelo tempo; nada é para sempre, a imortalidade abandonou o mundo para encontrar um incerto abrigo na escuridão do coração humano, que ainda tem a capacidade de recordar e dizer: para sempre. A imortalidade ou imperecibilidade, se e quando chega a ocorrer, não tem morada. Olhando-se estas linhas com olhos gregos, é quase como se o poeta houvesse tentado conscientemente inverter as relações gregas: tudo se tornou perecível, exceto talvez o coração humano; a imortalidade não mais é o meio em que se movem os mortais, mas refugiou-se, desabrigada no coração mesmo da mortalidade; coisas imortais, obras e feitos, eventos e até palavras, embora ainda possam os homens ser capazes de externalizar e como que reificar a recordação em seus corações, perderam seu abrigo no mundo; já que o mundo, já que a natureza é perecível, e já que as coisas feitas pelo homem, uma vez tenham adquirido o ser, compartilham a sina de todo ser, elas começam a perecer no instante em que vieram a existir.
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Com Heródoto, as palavras, os feitos e os eventos — isto é, as coisas que devem sua existência exclusivamente aos homens — tornaram-se o conteúdo da História. De todas as coisas feitas pelo homem, estas são as mais fúteis. As obras das mãos humanas devem parte de sua existência à matéria fornecida pela natureza, portando assim dentro de si, em alguma medida, permanência emprestada do ser-para-sempre da natureza. Mas o que se passa diretamente entre mortais, a palavra falada e todas as ações e feitos que os gregos chamaram de
prákseis ou prágmata, em oposição a poíesis, fabricação, não pode nunca sobreviver ao momento de sua realização e jamais deixaria qualquer vestígio sem o auxílio da recordação. A tarefa do poeta e historiador (postos por Aristóteles na mesma categoria, por ser o seu tema comum práksis 6) consiste em fazer alguma coisa perdurar na recordação. E o fazem traduzindo práksis e léksis, ação e fala, nesta espécie de poíesis ou fabricação que por fim se torna a palavra escrita.
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A História como uma categoria de existência humana é, obviamente, mais antiga que a palavra escrita, mais antiga que Heródoto, mais antiga mesmo que Homero. Não historicamente falando, mas poeticamente, seu início encontra-se, antes, no momento em que Ulisses, na corte do rei dos Feácios, escutou a estória de seus próprios feitos e sofrimentos, a estória de sua vida, agora algo fora dele próprio, um "objeto" para todos verem e ouvirem. O que fora pura ocorrência tornou-se agora "História". Mas a transformação de eventos e ocorrências singulares em História era, em essência, a mesma "imitação da ação" em palavras mais tarde empregada na tragédia grega 7, onde, como Burckhardt certa vez observou, "a ação externa é oculta do olho" através do relato de mensageiros, embora não houvesse absolutamente nenhuma objeção a mostrar o horrível 8. A cena em que Ulisses escuta a estória de sua própria vida é paradigmática tanto para a História como para a Poesia; a "reconciliação com a realidade", a catarse, que segundo Aristóteles era a própria essência da tragédia, constituía o objetivo último da História, alcançado através das lágrimas da recordação. O motivo humano mais profundo para a História e a Poesia surge aqui em sua pureza ímpar: visto que ouvinte, ator e sofredor são a mesma pessoa, todos os motivos de pura curiosidade e ânsia de informações novas, que sempre desempenharam, é claro, um amplo papel tanto na pesquisa histórica como no prazer estético, acham-se, naturalmente, ausentes do próprio Ulisses, que se teria enfastiado mais que comovido se a História não passasses de notícias e a Poesia fosse unicamente entretenimento. 
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(5) Rilke, Aus dem Nachlass des Grafen C. W., primeira série, poema X. Embora a poesia desses versos seja intraduzível, seu conteúdo poderia ser expresso da seguinte maneira: "Repousam as montanhas sob um luzeiro das estrelas; mesmo nelas, porém, bruxuleia o tempo. Ah! em meu selvagem e sombrio coração, jaz, desabrigada, a imortalidade". (Mountains rest beneath a splendor of stars, but even in them time flickers. Ah, unsheltered in my wild, darkling heart lies immortality). A tradução inglesa deve-se a Denver Lindley.
(6) Poética, 1448b25 e 1450aI6-22. Para uma distinção entre Poesia e Historiografia, ver ibid., cap. 9.
(7) Para a tragédia como uma imitação da ação, ver ibid., cap. 6, 1.
(8) Griechische Kulturgeschichte, Edição Kroener, II, p. 289.
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in Entre o passado e o futuro; Arendt, Hannah – Perspectiva – São Paulo, 1988
Ilustração: Foto na web, colada e modificada por Guinigui

dezembro 06, 2008

O balseiro



— Dize-me se o rio também te comunicou o misterioso fato de que o tempo não existe? — perguntou-lhe Sidarta certa feita.
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O rosto de Vasudeva iluminou-se num vasto sorriso.
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— Sim, Sidarta — respondeu. — Acho que te referes ao fato de que o rio se encontra ao mesmo tempo em toda a parte, na fonte tanto como na foz, nas cataratas e na balsa, nos estreitos, no mar e na serra, em toda a parte, ao mesmo tempo; de que para ele há apenas o presente, mas nenhuma sombra de passado nem de futuro. Não é isso que queres dizer?
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— Isso mesmo — tornou Sidarta. — E, quando me veio essa percepção, contemplei a minha vida, e ela também era um rio. O menino Sidarta não estava separado do homem Sidarta e do ancião Sidarta, a não ser por sombras, porém, nunca por realidades. Nem tampouco eram passado os nascimentos anteriores de Sidarta, como não fazia parte do porvir a sua morte, com o retorno ao Brama. Nada foi, nada será; tudo é, tudo tem existência e presente.
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Sidarta falava com entusiasmo, sentindo profunda felicidade em face dessa iluminação. Ah, sim! Todo o sofrimento pertencia ao tempo, da mesma forma que todos os receios e tormentos com que as pessoas se afligiam a si próprias. Todas e quaisquer dificuldades, tudo quanto houvesse de hostil no mundo sumir-se-ia, cairia derrotado, logo que o homem triunfasse sobre o tempo, logrando arredá-lo pelo pensamento. Sidarta falava, como que enlevado. Vasudeva, radiante, sorria para ele, confirmando, às vezes, as palavras do companheiro com um sinal de cabeça, porém, conservando-se em silêncio. Apenas acariciava com a mão o ombro de Sidarta. Em seguida, voltou ao seu trabalho.
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Em outra oportunidade, durante a época das chuvas, quando o rio estava cheio e rugia terrivelmente, disse Sidarta:
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— O rio tem muitas vozes, um sem-número de vozes; não é, meu amigo? Não te parece que ele tem a voz de um rei e a de um guerreiro, a voz de um touro e a de uma ave noturna, a voz de uma parturiente e a de um homem que suspira, e inúmeras outras ainda?
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— Tens razão — respondeu o balseiro. — Na sua voz concentram-se as vozes de todas as criaturas.
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— E tu — continuou Sidarta — sabes identificar a palavra que ele dirige a ti, sempre que consegues ouvir simultaneamente todas as dezenas de milhares de suas vozes?
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A fisionomia de Vasudeva irradiava satisfação. Inclinando-se para o amigo, sussurrou-lhe no ouvido o sagrado Om. Era exatamente isso o que Sidarta ouvira também.
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Dia a dia, o seu sorriso assemelhava-se mais ao do balseiro, chegando, quase, a irradiar a mesma luminosidade, a resplandecer de quase igual ventura, a luzir, tal e qual o do companheiro, através de milhares de ruguinhas; era o sorriso de uma criança e de um ancião também. Muitos viajores, ao avistarem os dois balseiros, tomavam-nos por irmãos. Freqüentemente, Sidarta e Vasudeva permaneciam sentados no tronco da árvore, junto à ribeira. Calados, escutavam o que lhes segredava a água, a qual, para eles, não era apenas água, senão a voz da vida, a voz do que é, a voz do eterno Devir. E, de quando em quando, sucedia que um e outro, prestando atenção aos murmúrios do rio, pensavam na mesma coisa, num colóquio mantido dois dias antes com um dos seus passageiros, cuja aparência ou cujo destino por algum motivo os preocupasse, na morte ou na infância, como também ocorria, sempre que o rio lhes confiava uma boa-nova, entreolharem-se ambos, com pensamentos idênticos, contentes de terem recebido a mesma resposta à mesma pergunta.
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Da embarcação dos dois balseiros partia algum fluido que certos viajantes notavam. Ocasiões havia em que um passageiro, após ter examinado o semblante de um dos remadores, começava a narrar os acontecimentos da sua vida, falando de suas tristezas ou confessando más ações. Ocasiões havia em que uma pessoa lhes pedia licença para ficar em sua companhia durante uma tarde, a fim de estudar o que o rio murmurava. Em outras ocasiões ainda, aparecia gente curiosa que ouvira falar de dois sábios, ou bruxos, ou santos, que viviam numa choupana, nas proximidades da balsa. Os indiscretos faziam numerosas perguntas, sem receberem respostas, e não encontravam nem bruxos nem sábios, senão apenas dois velhotes bonachões, que pareciam mudos e um tanto esquisitos ou abobados. E os indiscretos, rindo-se, comentavam entre si com que leviandade e credulidade o povo espalhava boatos dessa espécie.
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in Sidarta; Hesse, Herman – Record – São Paulo, 2000
Fotografia: Tony

Guia Gay



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Transforme em arte seu amor pelos homens. Não foi assim que Michelangelo criou aquele irresistível David?
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Não arrume o cabelo antes da ginástica
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Seja um tio bondoso. Toda criança precisa de um modelo gay.
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Cuidado com as pessoas que pensam que você é gay porque ainda não encontrou a mulher certa.
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Sobretudo, muito cuidado com a mulher que pensa ser a mulher certa.
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Se alguém julga que você é hetero, não se ache na obrigação de revelar a verdade. Isso é uma opção sua.
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Nunca se vista mais exageradamente do que o Cauby Peixoto.
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Se quer intimidade, pratique-a.
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Considere que é ótimo saber rir de você mesmo e até de sua própria condição gay. O bom humor cura muitas feridas.
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Se você está com Aids, cuidado com a água que bebe. Prefira a mineral, engarrafada, livre de bactérias.
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Se for vítima de agressão física, ou mesmo de insultos que possam manchar sua reputação, reúna testemunhas, chame seu advogado, e mova um processo contra o agressor.
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O mundo é um palco. Vista a roupa do personagem que está representando.
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Procure estar sempre limpo, bem vestido, numa boa, mesmo quando sozinho. Lembre-se que sua melhor platéia é você mesmo.
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Tente dizer alô para um gatão apetitoso sem olhar para a mala dele. Pelo menos uma vez.
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Envolva seus amigos gays nas celebrações da comunidade, nos eventos especiais em clubes, vernissages, partidas esportivas e festas de caridade. Convide também seus amigos hetero.
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Mantenha em dia seu seguro-saúde.
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Não batize sua cadela ou gata de estimação com nomes de mulheres vivas e famosas como Marta Rocha, Erundina, Xuxa, ou Hillary. Vai parecer ofensivo e de mau gosto. Prefira a saída erudita: chame-a de Cléo, Dido, Salomé, ou Galatéia. Tem mais charme
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in Guia prático para a vida gay; Hanes, Ken – Topbooks – Rio de Janeiro, 1995
Ilustração: Victor Burton