dezembro 29, 2008

Formação histórica da língua portuguêsa



1. Origem da língua portuguêsa

A língua portuguêsa é um prolongamento do latim levado pelos romanos à Península Ibérica. Por êsse motivo há uma interrelação entre o seu histórico e a história da Península.

Pouco é o que se sabe a respeito dos povos que habitavam o solo peninsular antes da invasão romana (séc. III a. C.). Dentre êles citam-se como os mais importantes os iberos, os celtas, os fenícios, os gregos e os cartagineses.

Muitos séculos antes de Cristo, a Península Hispânica, ou Ibérica, era habitada pelos Iberos, povo agrícola e pacífico e o mais antigo de que se tem notícia.

Pelo século VI a. C., invadiram-na os Celtas, povo turbulento e guerreiro. Com o correr dos séculos mesclaram-se com os Iberos dando origem aos povos Celtiberos.

Pelos tempos adiante, outros povos, os Fenícios, os Gregos e os Cartagineses, estabeleceram colônias comerciais em vários pontos da Península.

Como os cartagineses pretendessem apoderar-se dela totalmente, por ocasião do cêrco de Sagunto (1), os Celtiberos chamaram em seu socorro os Romanos.

Romanização da Península Ibérica

Por isso, no século III a.C., os Romanos invadiram a Península com o intuito de sustar a expansão de Cartago, que constituía séria ameaça ao dominio do mundo mediterrâneo, pretendido por Roma.

Vencida Cartago, as legiões romanas dominaram tôda a Península, tornando-se, esta província romana em 197 a. C. Essa dominação, no entanto, não foi apenas político-militar, mas, e principalmente, cultural. Roma, paralelamente à sua conquista territorial, ia realizando a conquista lingüística, impondo aos povos vencidos a sua língua: o Latim.

Homens experimentados que eram em séculos de conquistas anteriores, os romanos usaram de verdadeira tática para que sua civilização se implantasse e sua língua se impusesse de modo geral e eficiente na Peninsula Ibérica. Começaram levando para a Península Ibérica os fatôres de civilização que lá não existiam: abriram escolas, construíram estradas, templos, organizaram o comércio, o serviço de correio etc.

Além disso, foram intransigentes na imposição do uso do Latim nas transações comerciais e nos atos oficiais; na organização do serviço militar obrigatório, onde também obrigatório era o uso do Latim.

Convém lembrarmos que não foi o Latim visto nas obras dos grandes escritores latinos como Cícero, César, Horácio, etc., conhecido como o Latim Clássico, que foi levado à Península, mas o Latim usado pelo povo no trato comum, chamado Latim Vulgar. Porque, como bem o diz Serafim da Silva Neto, «uma língua tem dois empregos dístintos: o literário, quase sempre escrito, usado pelos artistas da palavra, e pela sociedade culta, difundido nas escolas e nas Academias e o popular, falado quase sempre, de que se serve o povo despreocupado e inculto». Era, pois, desta última forma lingüística, Latim Vullgar, que se serviram os soldados e colonizadores romanos.

Tendo o prestígio de língua oficial, ensinada nas escolas, usada nas relações comerciais, o Latim pôde suplantar os demais idiomas falados pelos peninsulares, que adotaram a língua dos vencedores.

Assim, com a assimilação lenta, mas progressiva de uma civilização de caráter essencialmente romano, a Península Ibérica chega ao século V da era cristã, já completamente romanizada, isto é, politicamente pertencendo ao Império Romano e lingüìsticamente falando a língua de Roma — o Latim.

No século V da nossa era, foi a Península invadida e assolada pelos bárbaros germanos (alanos, suevos, vândalos, visigodos), povo essencialmente guerreiro, de cultura inferior à dos peninsulares, já romanizados. Embora vencedores, os bárbaros adotaram a civilização e a língua latinas. Contudo, causaram a dissolução da unidade política do império; as escolas foram fechadas, pois julgavam que a instrução enfraquecia o espírito guerreiro dos homens; houve o desaparecimento da nobreza romana, que cultivava as letras latinas; nos mosteiros procurou-se conservar a língua clássica, mas, mesmo aí, a leitura dos clássicos latinos foi proibida pelo cristianismo por estar contaminada de espírito pagão.

Dialetação do Latim Vulgar

Com a queda e fragmentação do Império Romano, suprimidos os elementos unificadores do idioma, o Latim Vulgar falado no vasto território da Península Ibérica, já bastante modificado pela ação do substrato língüístico peninsular (2) , passou a se desenvolver independentemente em cada região, isto é, dialetou-se. A dialetação do Latim Vulgar tem, pois, como causa imediata a invasão bárbaro-germânica, e como causa mediata a ação do substrato língüístico.

No século VIII, os árabes vindos do Norte da África, comandados pelo general Tárique, atravessaram o estreito, depois chamado Gibraltar, e invadiram a Península. Portadores de uma cultura superior à da Península, os árabes impõem sua língua como oficial, mas os peninsulares continuaram a falar o romance, ou seja, o Latim Vulgar já modificado. Esta não aceitação da civilização árabe pelos habitantes da Península, deve-se às extremas oposições de raça, língua e religião entre os mouros e os vencidos. Algumas povoações receberam diretamente a influência dos árabes, formando os moçárabes, que quer dizer «misto árabe», mistos na linguagem, nos costumes, exceto religião, pois continuavam cristãos.

É de notar que os árabes, apesar de seu alto nível cultural e elevado grau de civilização, e embora tivessem permanecido na Península Ibérica por mais de sete séculos, pois só foram definitivamente expulsos no século XV (1492) por Fernando de Aragão e Isabel de Castela, pouca influência exerceram no tocante à língua portuguêsa. Esta influência se restringe apenas ao léxico: cêrca de mil vocábulos de origem árabe existem no léxico português. Êstes vocábulos são, de modo geral, caracterizados pelo prefixo AL, artigo definido árabe. Citamos para exemplos: álgebra, algibeira, álcool, alcatifa, allface, algarismo, alfazema, alcachôfra, almofada, alfafa, alfinête, algema, algodão, alqueire etc.

II. História da Língua Portuguêsa

Inúmeras lutas se travaram para a expulsão dos mouras do território peninsular. Nessas lutas, já em fins do século XI, muitos fidalgos vieram militar sob a bandeira de D. Afonso VI, rei de Leão e Castela. Dentre êles destacou-se D. Henrique, conde de Borgonha, que, por seus serviços prestados à coroa e à causa cristã, recebeu em casamento D. Tareja, filha de D. Afonso VI, e como dote o govêrno do Condado Portucalense, pequeno território situado na costa ocidental da Península Ibérica, entre os rios Douro e Minho. Êste casamento realizou-se em 1095.

Por morte do conde D. Henrique, coube, primeiro à sua espôsa, e posteriormente a seu filho D. Afonso Henriques, lutar para fazer do condado um estado independente do reino de Leão e Castela. Houve incessantes combates contra os mouros e leoneses. Em 1139 dá-se a batalha de Ourique, entre muçulmanos e portuguêses. Ao comando das tropas está D. Afonso Henriques, e antes que a luta começasse, os soldados portuguêses o aclamam rei de Portugal, ecoando pela primeira vez um brado de nacionalismo lusitano: «Real, Real, por El-Rei D. Afonso Henriques de Portugal!» Contudo só em 1143 são reconhecidos a independência do Condado Portucalense e o título de rei a D. Afonso Henriques.

Estava, assim, definitivamente fundado um nôvo reino — Portugal — e aparecia no mundo europeu uma nova nação — a portuguêsa.

Nessa região, onde foi fundada a monarquia portuguêsa, falava-se o dialeto galeziano, ou galego-português, expressão lingüística comum à Galiza e Portugal. No entanto, à medida que Portugal estendia seus domínios para o Sul, estabelecendo seus limites atuais, e absorvendo os falares ou romances que aí existiam, iam se processando as diferenciações lingüísticas, entre o falar dos galegos, que permaneceu estacionário, e o falar dos portuguêses, que evoluiu a ponto de tornar-se independente do galego. Cindiu-se, então, a expressão galegotuguês em duas línguas diferentes: o galego que foi absorvido pela unidade castelhana, e o português, que continuou sua evolução, tornando-se a língua de uma nacionalidade e atingindo a perfeição atual que conhecemos.

(1) Sagunto, cidade de fundação e domínio grego na Ibéria (Espanha); foi cercada por Aníhal em 219 a. C. O cêrco de Sagunto deu origem à 2ª Guerra Púnica.
(2) Substrato lingüístico é a língua de um povo vencido sôbre a qual se superpõe a língua do vencedor.


in Gramática Histórica; Carvalho, Dolores Garcia e Nascimento, Manoel – Ática – São Paulo, 1971

Um comentário:

Cid Pimentel disse...

ma - ra - vi - lho - so !!!!