dezembro 16, 2008

Breve aceno a uma Teoria do Quase-Signo



O signo poético-semiótico, que vela e revela a natureza da linguagem, que é um possível de formas, que é a linguagem (homem) nascendo — ou que a quase-propõe — é um proto-signo ou quase-signo.
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E pré-constelacional, tal como o quasar, fonte de energia dos chamados corpos quase-estelares.
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Já não é o caos, ainda não é a ordem. É um primeiro primeiro, o primeiro bit de informação da linguagem, a primeira precisão da imprecisão, a primeira determinação da indeterminação, entendendo-se por primeiro um processo de ser primeiro sem ser primeiro sendo primeiro, fosse possível eliminar o verbo ser: primeiro sem primeiro primeiro.
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É aquele tempolugar de que fala Peirce em sua Cosmologia 23: na poeira de sentimentos desrelacionados do caos surgem partículas (bits) de semelhança.
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Primeiro veio a similaridade, depois a contigüidade.
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O quase-signo não é uma coisa, é uma relação, um processo. Está em todas as operações semióticas de base, fundantes — em todas as operações de saturação do código, em todas as traduções, em todas as operações inter e pansemióticas.
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É primeiro e último-primeiro.
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O interpretante satura o código simbólico e reverte ao ícone: da extrema diferenciação reverte à indiferenciação, que nunca é a mesma, pois já constitui outro interpretante: é o Mal de Usher: Está nos extremos da escala informacional: originalidade e redundância quase totais. Mallarmé e Oswald de Andrade.
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Os signos informam mais em seus começos, como o homem, como as revoluções: possibilizam mais.
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O homem é o quase-signo por definição e indefinição: informação e redundância quase-totais.
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Não sem razão Peirce gosta do quase: quasi-mind, quasi-flow.
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Com o que concordava Valéry, que detestava as imprecisões, mas reconhecia que sem um à peu pres a vida não seria possível.
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O à peu pres é o quase que permite a descoberta, o mais-ou-menos heurístico: atirar pedras à frente do caminho, limpando por ora a barra da sobrevivência nos cosmos.
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E o zerograma de uma série estocástica. Não é diacronia, nem sincronia; história, nem cosmos; ser, nem não-ser — dicotomias inexistentes. O código chamado binário — 0/1, sim/não — é uma relação, envolve um terceiro.
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Um quase-nada que preenche tudo.
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As abreviaturas extremas chegam ao quase-signo, num percurso usheriano do Interpretante: cruz, "om", e=mc2, estrela, foice-e-martelo.
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Cole Porter diria que é the smile on lhe Mona Lisa, lhe inferno o'Dante and lhe nose on lhe great Durante 24.
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Duas deindefinições por Edgar Allan Poe:
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And yet it need not be — (that object) hid
From us in life — but common — which doth lie
Each hour before us — but then only, bid
With a strange sound, as of a harp-string broken,
To awake us — 'T is a symbol and a token
Of what in other worlds shall be — 25
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Unthought-like thoughts that are the soul of thoughts 26.
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Está no início de um prelúdio de Chopin, quase feito só de inícios; na Opus 21, de Anton Webern, feita só de inícios; no Coup de dés, em Giorgione, em Maso di Banco, em Volpi, na palavra amor.
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Umberto Eco chegou, teria chegado lá, com sua opera aperta, não a tivesse overworked. Limitou-a com restringi-la à música e ao "pensamento" seriais e à interpretação pelo receptor da mensagem; alargou-a ao identificá-la com o signifiant, com a estrutura ausente e o seu vazio, via Barthes: forma que a história passa o tempo a preencher. Até, pelo que me lembre, lembrando-me de Oswald, na Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, essa idéia comparece.
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O que não é comunicação é quase-signo.
Comunicação = imitação = redundância.
O que não é imitação é quase-signo.
Quase-signo é o Acaso.
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Com razão Jackson Pollock suspeitava, em suas últimas obras, que ali havia algo que não era comunicação.
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Se todos se comunicassem totalmente com todos, teríamos a homogeneidade total do caos humano: tudo previsível. A morte ao vivo.
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Ce qu'on sait n'est pas à soi — dizia Marcel.
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Aquele bit de informação que nos diferencia dos outros, que faz o eu de um eu, o você de um você, o ele de um ele — é o quase-signo. Melhor, um quase-signo, que ele é sempre um qualitativo de cada vez.
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O signo contra a vida regeneração da vida em Lacan, empregando símbolo na acepção corrente: "Ainsi le symbole se manifeste d'abord comme meurtre de la chose, et cette mort constitue dans le sujet l'éternisation de son désir" 27.
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O quase-signo não é forma preenchível, mas que preenche, ante-proto-quase-projeto que é de formas — e, portanto, de significados.
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Aí está o mundo (quase-signo): digam e façam dele o que quiserem ou puderem (interpretante): aí está o mundo.
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Um poema é um quase-signo.
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(23) "Neste caos de sentimentos, partículas de semelhança apareceram e foram tragadas. Reapareceram por  acaso. Ligeira tendência à generalização manifestou-se aqui e ali, para ser sufocada. Reapareceram, ganharam corpo. O igual começou a produzir o igual. E até pares de sentimentos desiguais começaram a ter similares e começaram a generalizar-se. E dessa forma, relações de contigüidade, ou seja, conexões outras que não as de semelhança, vieram à tona" (8.316 a 318 — Carta a Christine Ladd-Franklin).
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(24) PORTER. Cole. Canção You're the top (1936), por Ethel Merman, "Hollywood sings", v. 1 — "The Girls", Londres, Decca, 1964.
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(25) POE, Edgar A. Stanzas. Antologia selecionada, editada e anotada por Philip Van Doren Stern, N. York, The Viking Press, 1951, p. 600. O quase-signo comanda as boas traduções, embora seja, ele mesmo, intraduzível. Aqui vai uma, incerta e má: "No entanto, ele não precisa existir (ser) — (aquele objeto) oculto / De nós na vida — mas comum — que está / Em cada hora ante nós — mas só então, enviado / com estranho som, como de corda de harpa quebrada / Para acordar-nos — ELE é um símbolo e um penhor / Daquilo que será em outros mundos".
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(26) POE, Edgar A. "To____ ____ ", Ob. cit., p. 628: "Pensamentos como que nã(o-pensados que são a alma do pensamento",
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(27) Apud U. Eco. ob. cit., p. 337: "Assim o símbolo se manifesta primeiro como assassinato da coisa, e essa morte constitui no sujeito a eternização de seu desejo".
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in Semiótica e Literatura; Pignatari, Décio – Perspectiva – São Paulo, 1974
Ilustração: City lights; by Guinigui

Um comentário:

Cid Pimentel disse...

mais erudito, mais erodido, será ouvido?
Fodido!