outubro 01, 2008

Os lobos



Sofia não era muito obediente, como já temos visto pelo que temos lido até agora. Ela já devia estar corrigida, mas ainda não estava. Foi assim que lhe aconteceram muitas outras coisas más.

No dia seguinte ao do aniversário, a sua, mãe chamou-a e disse-lhe:

— Sofia, eu tinha prometido a você que quando fizesse quatro anos passaria a acompanhar-me nos meus passeios grandes. Eu vou até à fazenda de Svitine e tenho que passar pela floresta. Você virá comigo, mas quero avisá-la que preste atenção para não ficar para trás. Você sabe que eu ando depressa, e se você parar, pode ficar bem longe sem que mesmo eu perceba isso.

Sofia encantada de dar êsse passeio enorme, prometeu que iria perto de sua mãe e que não se perderia no bosque.

Paulo que tinha chegado nesse instante perguntou se podia acompanhá-las, para grande alegria de Sofia.

Durante algum tempo, caminharam com muito juizo, sempre atrás de Mme. de Réan. Divertiam-se com os cães que corriam e pulavam. Mme. de Réan sempre os levava em sua companhia.

Quando chegaram à floresta, as crianças colhiam algumas flores que estavam no caminho, mas não paravam nem um pouquinho.

Sofia viu perto do caminho uma porção de morangos.

— Que belos morangos! exclamou ela. Que pena não podermos apanhá-los.

Mme de Réan ouviu esta exclamação e mais uma vez proibiu que parassem.

Sofia suspirou e olhou com pena para os morangos, que gostaria tanto de comer.

— Não olhe para êles e você não terá vontade de comê-los, disse Paulo.

— Não é... é que êles são tão vermelhos, tão lindos, tão maduros, que devem estar uma delícia...

— Quanto mais olhar, mais vontade terá de comê-los. É melhor não olhar. Titia nos proibiu de parar.

— Eu queria apanhar apenas um. Isto não faria com que eu me atrasasse muito. Fique comigo e comeremos juntos, disse Sofia.

— Não, respondeu Paulo, eu não quero desobedecer minha tia, e não quero ficar perdido na floresta.

— Mas, não há perigo, insistiu Sofia. Você bem sabe que é para nos pôr medo que Mamãe fala assim. Nós encontraríamos logo o caminho se ficássemos para trás.

— Não. O bosque é muito grande, e poderíamos não encontrar mais o caminho, disse o menino.

— Faça como quiser, covarde. Eu, assim que encontrar alguns morangos vou parar para comer um pouco.

— Eu não sou covarde, rebateu Paulo. Você, você é que é desobediente e gulosa. Perca-se na floresta se quiser, mas eu prefiro obedecer minha tia.

Paulo continuou a seguir Mme. de Réan, que andava depressa e sem olhar para trás. Os cães caminhavam com ela e rodeavam-na pela frente e por trás. Sofia logo enxergou outros morangos tão lindos e tentadores como os primeiros. Comeu um, que achou maravilhoso,
depois um segundo, depois um terceiro. Ficou de cócoras para colhê-los melhor e mais depressa. De vez em quando lançava uma olhadela para a mãe e Paulo que se distanciavam. Os cães estavam inquietos. Iam até a mata e voltavam. Terminaram por fazer tanto barulho
que Mme. de Réan, que observava este movimento todo, viu dois olhos brilhantes e ferozes entre as fôlhas. Ouviu ao mesmo tempo um ruído de galhos quebrados e de folhas secas. Voltando-se para recomendar que as crianças andassem na frente dela, qual não foi o seu espanto quando viu apenas Paulo.

— Onde está Sofia? exclamou.

— Ela quis ficar atrás para comer morangos, minha tia.

— Que coisa horrível! O que ela foi fazer... Estamos sendo perseguidos por lobos. Voltemos imediatamente antes que ela seja devorada por eles.

Mme. de Réan correu, seguida pelos cães e pelo pobre Paulo quase morto de terror. Dirigiram-se ao lugar onde Sofia devia ter ficado. Viram-na de longe, sentada tranquilamente no chão, a saborear os morangos. De repente, dois dos cães uivaram lugubremente e dispararam na direção de Sofia. Neste instante, um lobo enorme, de olhos faiscantes e goela escancarada deixou ver sua cabeça ameaçadora. Preparava-se para dar um bote em Sofia, mas hesitou, ao ver os cães que se aproximavam. Esta hesitação durou pouco. A fera esfomeada deu um salto enorme. Mme. de Réan e Paulo gritavam desesperadamente. Os cães avançaram latindo furiosamente. Chegaram bem no momento em que o lobo agarrava a saia de Sofia, tentando puxá-la para o mato. Travou-se uma luta feroz. O lobo, mordido pelos cães, só pensava em defender-se. A situação piorou com a chegada de mais dois lobos. Os cães portaram-se como heróis e conseguiram afugentar as feras. Cobertos de sangue, vieram lamber as mãos de Mme. de Réan e das crianças. Mme. de Réan segurou Sofia e Paulo pela mão e continuou a andar, cercada pelos valorosos cães.
Mme. de Réan não disse nada. Sofia mal podia andar, de tal modo lhe tremiam as pernas. Paulo não estava menos pálido e trêmulo.

— Vamos parar um pouco aqui, disse Mme. de Réan. Vamos beber um pouco de água fresca, pois ela nos irá acalmar

Então inclinando-se no riacho bebeu uns goles de água, e lavou as mãos e o rosto. As crianças fizeram o mesmo. Mme de Réan mandou que molhassem a cabeça na água. Sentiram-se então reanimados e passou-lhes o tremor.

Os pobres cães jogaram-se nele, beberam água e lavaram as feridas. Rolavam no riacho, e saíram dele limpos e refrescados.

Depois de um quarto de hora Mme. de Réan levantou-se para continuar o paisseio.

— Sofia, disse, agora você vê que eu tinha razão em proibir você de parar?

— Sim, Mamãe, eu peço perdão por ter desobedecido. E, você meu bom Paulo eu fui muito má de ter chamado você de covarde.

— Covarde! Você chamou-o de covarde... Pois fique sabendo que quando corremos para onde você estava, ele é que corria na frente. Acaso não viu quando os outros lobos vieram em auxílio do que estava com você, Paulo, armado com um pedaço de pau, lançou-se diante deles para que eles não passassem? Fui eu que o segurei nos meus braços, e prendi perto de você, impedindo que ele fosse socorrer os cães. Acaso também não viu que durante todo o combate Paulo ficou na sua frente para impedir que os lobos chegassem perto de nós? Assim que Paulo é um covarde...

Sofia lançou-se ao pescoço de Paulo, e beijou-o muitas vezes, dizendo-lhe:

— Obrigado, meu bom e querido Paulo, eu sempre gostarei muitíssimo de você.

Quando chegaram na casa em que deviam ir todo o mundo ficou assustado com os rostos pálidos e com o vestido de Sofia todo rasgado pelos dentes do lobo.

Mme. de Réan contou a horrorosa aventura. Todos elogiaram Paulo por ter sido obediente e corajoso. Condenaram Sofia por ter sido desobediente e gulosa, e admiraram a valentia dos cães, que foram acariciados e que tiveram um excelente jantar de ossos e de restos de carne.

No dia seguinte Mme. de Réan deu a Paulo um uniforme completo de soldado. Paulo, louco de alegria, vestiu-o imediatamente e foi ao quarto de Sofia. Ela deu um grito de susto, vendo entrar um turco com um turbante, um sabre na mão e revólveres na cintura. Paulo começou então a pular e a rir, e logo Sofia reconheceu-o achando-o muito bonito assim.

Sofia não teve mais outro castigo pela sua desobediência. Sua mãe achou que o susto que passara tinha sido suficiente.

in Os Desastres de Sofia; Segur, Condessa de – Editora do Brasil – São Paulo, 1961
Ilustração Maria Heloisa Penteado

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