maio 11, 2009

Como diz Denis Milhau¹



«Se os homens elaboraram e praticaram durante tanto tempo, conscientemente ou não, esta produção particular que é a arte, de que a ciência nos dará os caracteres relativos, ideológicos, históricos e mesmo efémeros, é porque a beatitude diante do real os deixava insatisfeitos: era preciso apropriá-lo por todos os meios; através do conhecimento, mas também por outros meios. E estes são também para conhecer para com eles melhor agir e para produzir novos.» 

Há, pois, toda a razão para desconfiar, tanto no cinema como em relação às outras artes, da ideia que pretende que a noção de arte é uma noção burguesa, com o pretexto de que a burguesia se serve da arte de uma maneira mistificadora, para fazer passar às escondidas os seus temas ideológicos e para nos desviar do conhecimento das relações reais. Mesmo neste caso, é necessário não confundir a utilização que a ideologia dominante faz de uma realidade e a imagem que dela dá com a própria realidade. 

Se estas obras de arte exercem um efeito ideológico reaccionário ou mistificador, pode-se apreciá-las esteticamente sem por isso se ser necessàriamente a vítima da sua mistificação ideológica (é precisamente uma questão de cultura e de informação). Apesar desta mistificação só poder agir por intermédio deste prazer estético, esta não é necessàriamente transportada por ele. A instância ideológica e a instância estética não se confundem, e se a mesma ideologia se manifesta através de outra forma que a forma estética, as suas características ideológicas permanecerão, mas não as suas características estéticas. 

Do mesmo modo, se a burguesia procura promover uma concepção eterna da arte, separada da realidade e não determinada por ela, isto não implica que seja realmente assim. É igualmente uma questão de cultura e de informação poder gostar esteticamente de uma obra (segundo o prazer estético que proporciona), tendo ao mesmo tempo conhecimento da relação necessária que estabelece com a realidade e das determinações reais de que é índice e reflexo. 

E se se pode dizer que a arte e a ideologia, assim como a arte e o conhecimento, não se confundem, é preciso igualmente dizer que a arte participa necessàriamente do conhecimento e da ideologia. 

Não podemos, pois, seguir aqueles que associam mecânicamente a arte às noções de evasão, de divertimento, de mistificação, de ilusão,etc., mas consideramos, pelo contrário, que o combate por uma arte desalienada e um prazer estético com conhecimento de causa, presentemente e para sempre, integra-se no mesmo combate político pela democracia e pelo socialismo, no combate ideológico geral. 

Também no campo do cinema devemos travar este combate; pela mesma razão que nos devemos esforçar por contribuir para o conhecimento científico da arte contribuindo para o conhecimento do cinema, enquanto parte integrante da arte. 

(¹) Na página «Spéciales Idées» de l'Humanité, de 13 de Junho de 1969. 


in Cinema e ideologia; Lebel, Jean-Patrick – Editorial Estampa – Lisboa, 1975
Ilustração: Guinigui

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