março 17, 2007

Ver

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— Por que a gente tem de fumar? Por que não se pode só aprender a ver por si? Tenho um desejo muito forte. Isso não basta?
— Não basta, não. Ver não é tão simples e só o fumo pode dar-lhe a velocidade de que precisa para ter uma visão rápida daquele mundo veloz. Senão você só vai olhar.
— O que quer dizer com mundo veloz?
— O mundo, quando você o , não é o que pensa que é agora. É antes um mundo veloz, que se move e modifica. Pode-se, talvez, aprender a perceber aquele mundo rápido sozinho, mas de nada adiantará, pois o corpo definha com o esforço. Com o fumo, por outro lado, a gente nunca sofre de exaustão. O fumo dá a velocidade necessária para perceber os movimentos velozes do mundo e, ao mesmo tempo, conserva o corpo e sua força intatos.
— Está bem! — falei, teatralmente. — Não quero mais rodeios. Vou fumar.
— Deixe disso — falou ele, rindo de minha farsa. — Você sempre se agarra à coisa errada. Agora pensa que, só por resolver deixar o fumo guiá-lo, vai ver. É muito mais do que isso. É sempre muito mais do que alguma coisa. — Ficou sério por algum tempo.
"Tive muito cuidado com você, e meus atos foram estudados — falou — porque é a vontade de Mescalito que você entenda meu conhecimento. Mas sei que não terei tempo para lhe ensinar tudo o que desejo. Só terei tempo de pô-lo no caminho e esperar que você procure da mesma maneira que eu. Tenho de admitir que você é mais indolente e mais teimoso do que eu. Mas tem outras idéias, e o rumo que a sua vida tomará é coisa que não posso prever."
Seu tom de voz pausado, alguma coisa na atitude dele provocaram em mim um sentimento antigo, uma mistura de solidão, medo e expectativa.
— Logo saberemos como é que você está — disse ele, misteriosamente.
Não disse mais nada. Pouco depois, saiu da casa. Acompanhei-o e fiquei defronte dele, sem saber se me sentava ou pegava uns embrulhos que tinha levado para ele.
— Será perigoso? — perguntei, só para dizer alguma coisa.
— Tudo é perigoso — respondeu.

in Uma estranha realidade; Castaneda, Carlos – Record – 1971 – Ilustração: René Magritte

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