março 17, 2007

Cadeiras vazias, amplos espaços



"Nós, as meninas, crescemos participando das alegrias e das tristezas de papai e mamãe. Quando éramos pequenas, e vivíamos nos Estados Unidos, tiveram que lutar muito contra a hostilidade dirigida a nós. É claro que sempre pensávamos que papai e mamãe estavam certos. Sempre certos. Era sempre eles contra nós: quando se referia a nós, as meninas. Nossos pais lidavam com isso de uma forma muito tranqüila. Estavam acostumados, no que tocava a eles. Agora posso ver que, por serem eles mesmos os autores da maior parte das calamidades — essa era a nossa palavra para a situação — tinham que arcar com as conseqüências. Você não tem idéia de quão duro e largo queixo você precisa ter para sobreviver nos Estados Unidos. É o país mais bitolado que se pode imaginar. Principalmente no interior. São tão generosos, se você é adequado. Já vi inúmeras caricaturas acerca dos ingleses e sua respeitabilidade. Mas ninguém bate os americanos. Vivem em função de regras, e essas regras mudam de um lugar para outro. Se você masca chiclete e fuma, está nos Estados Unidos e é americano. Sim, papai e mamãe sofreram muito. Principalmente nos primeiros anos. Não tinham muito dinheiro e, quando tinham, gastavam logo. Conosco, ou com as pessoas que achavam que eram mais necessitadas do que nós. Nos Estados Unidos, existe uma coisa que é pecado. A pobreza. Se você é pobre, leva na cabeça. Desprezo, escárnio, hostilidade, ostracismo. Papai e mamãe sofreram por causa de suas crenças políticas, violentas e militantes. Os trotskistas podiam escapar impunes de assassinatos, se tinham algum dinheiro. Papai e mamãe não tinham. Portanto, todos os seus atos, seus movimentos, cada um de seus relacionamentos eram avaliados, julgados e condenados. Levaram numa boa. Nós não; as meninas, quero dizer. Veja, por exemplo, a senhora inglesa. Ah! Eu agora usando a palavra senhora. Se bem que nós, as meninas, a chamávamos de senhora. Eu devia ter uns cinco anos quando ela se juntou à comunidade de papai e mamãe. Estávamos no Texas naquela época. Ela veio da Inglaterra para ensinar as crianças rancheiras. Ela continua com a primogênita"

in Quando a primavera chegar: despertares em psicanálise clínica; Khan, M. Masud R. – Escuta – São Paulo, 1981

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