março 11, 2007

O poeta



Há na intimidade nuvens se esgarçando
Vôos indefinidos, sombras que se confundem
Árvores que se retorcem, gelo que se dilui.
Um rio interior que não é fogo nem líquido
Uma palavra crescendo outra fugindo
Uma folha que cai e um pássaro que voa
Uma voz que se cala e um inseto que estridula
Um grilo mastigando vidro e uma lesma ondulando no veludo
Um pensamento alteia e outro mergulha em poços
Há fímbria de luz e de sombra
Fronteira entre a noite e a manhã.
O coração oscila entre o vale e a colina
A boca beija o chão nem úmido nem sáfaro
O olhar se bifurca entre o claro e o escuro
E a vida esbarra num punhal de dois gumes.
De repente um pássaro sobe
Uma larva coleia sobre o lodo
Trinca no céu o cristal de uma estrela
Em silêncio mergulha no barro um sapo bojudo
De novo o coração se fende
Uma banda de músculo uma banda de gesso
Estouram no íntimo uma empola de amor outra de ódio
A mão esquerda sobe e sangra no corno agudo da lua
A mão direita desce e se fere no ouriço dos cardos.
O poeta naufraga num mar de anseios e de dúvidas
E emerge para o silêncio entre o céu e a terra.


in Morada de paz; Medauar, Jorge – Brasiliense – São Paulo, 1949 – Ilustração: The Starry Night; Gogh, Vincent van – Oil on Canvas, 72 x 92 cm; The Museum of Modern Art, New York

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