setembro 11, 2008

O vô do ovo



Geraldinho era pequeno e já sabia voar.
Mal falava em gansolês mas já dava loops e fazia acrobacia, eta palavra esquisita pruma coisa tão bonita.
Seus amiguinhos de turma não gostavam.
Falavam na lata — metido — e o deixavam sozinho planando no alto do céu.



Geraldinho era um só ganso nascido de um ovo só.
Como todo gansinho tinha uma gansa mãe, Madalena, a pequena e um ganso pai, Juvenal, que voava longe sempre. Às vezes voltava, outras não.
Seu grande amigo, seu avô "Seu" Praxedes, servia sempre de guia para seus vôos sozinho.



Chovesse ou fizesse sol, ventasse ou estivesse calmo, voavam, voavam, voavam.
Voltavam tarde, cansados, língua pra fora do bico, asinhas cansadas, exaustos.
Quando acordavam, cantavam, língua de gansos que voam, lambiam as asas, voavam.
Era um tempo bem feliz os tempos de Geraldinho criança. Apesar da saudade que dava ou da falta da turminha



Fred, Fifi e Malu era o trio inseparável. E também impenetrável, pelo menos para o Gê. Sim, pois agora Geraldinho virara somente o Gê.
— Se eu sou Frederico é Fred, se eu sou Filpina é Fifi e se eu sou Maria Luiziana é Malu, porque você não pode ser só Gê, Geraldinho?
— Algum problema?, berraram Fred, Fifi e Malu.
Brincando de cabra cega, correndo no pique-pique, pulando sela ou correndo, o trio seguia deixando Gê do outro lado. De fora.



E quando Gê perguntava fazendo carinha triste, o biquinho para o chão, o trio cruel respondia:
— Au au au, au au au, vai chamar o Juvenal. 
Bem sabendo, triunfantes, que o pai do Gê não voltava.
Triste, triste, muito triste, o Gê procurou seu avô pedindo colo e consolo. Colo de avô é tão bom, pensava ele tão triste.
— Porque a turma não deixa vovô? Eu queria tanto entrar, brincar, correr, ser amigo. Tão pouquinho. Mandaram chamar meu pai. Será que é porque meu pai só foi?



Praxedes sem fazer bico, seu neto ao colo, olhos ao longe falou:
— A  vida é voar e ver. Com o tempo você também vai. Quem sabe se voltará?
O Gê fez que entendeu, mas no fundo, no fundo, sacou só a primeira parte.
Guardou: A vida é voar e ver.



Passaram os tempos, os anos, os meses, semanas, dias e horas, com seus minutos, segundos.
O Gê cresceu, encorpou, ficou um ganso bonito, vistoso, bem aprumado. Um bico bate-estalar que é como se chama assim os bicudos entre os gansos.



Voavam sempre agora, todas as turmas de gansos em viagens sempre juntos.
Fifi, Fred e Malu, voavam juntos também.
E dava muita confusão. Lá no alto quando em vôo, reclamavam do Geraldo, um ganso muito metido. Dava loops, cabriolas, fazia até folha seca, coisas muito das difíceis.



— Não voa nunca certinho, não bate as asas conosco, não bico-estala em conjunto, comentava Fred bravo.
— Não fica nunca em sossego, só voa e estica o pescoço, falou Malu ofendida
— Só voa na frente, esticado e bico-estala sozinho, berrou Fifi, a gorducha, roxa de inveja e ciúmes.
Geraldo fez que não ouvia. Seguiu voando certeiro, nem respondeu aos três outros.



Ao longe, à beira do lago, Tsuru – a garça branca –, montada em seu pé, um só, saudou a passagem dos gansos.
Geraldo e todos os gansos responderam ao cumprimento, grasnando — Boa tarde prima!, e seguiram.



Olhando o sol no horizonte, o vento soprando nas penas, ouvindo e vendo passar todo tipo de pessoas, histórias, casas, paisagens, coisas, Geraldo bico estalou:
— Verdade vovô, verdade, a vida é voar e ver. E pode ser que eu nem volte.


Texto: Cid Pimentel
Ilustrações: Nicolielo
 

Um comentário:

Felipe Valente disse...

Dr. Cid (ou, titio), por acaso tinha gravuras iguais a essas na casa de Campos?

Me veio uma confusão de lembranças na cachola.
Não tinha como não dar bola.
Ou seria Déjà vu?
Eita menino brilhoso de Bauru!

beijo.

Fe, direto de Londres - Brazil.