abril 27, 2007

discussão poética



sábado, menino
é sempre esta porrada
essa dor enferrujada
na janela
esse mundo de desejos
pendurados
...............sábado, homem
...............é mesmo este lugar — comum
...............esta sede
...............de tua boca molhada
sábado, poeta
— me perdoe —
é sempre esta mão espalmada
bem no rosto da palavra

in Anjos clandestinos; Machado, Lizete Mercadante – Proposta – São Paulo, 1981

Para ler la pierre


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abril 24, 2007

Topaza pella



Beijo

Símbolo de união e de adesão mútuas que assumiu, desde a Antiguidade, uma significação espiritual. No Zohar, encontramos uma interpretação mística do termo beijo. Sem dúvida, a fonte do comentário desse termo é o texto do Cântico dos Cânticos (I, 1). No entanto, existe uma segunda fonte que provém da concepção rabínica segundo a qual certos justos, tal como Moisés, foram poupados da agonia e da morte, tendo partido do mundo terrestre no arroubo extático do beijo de Deus (VAJA, 210).

A esse respeito, Georges Vadja cita um texto do Zohar relativo ao beijo divino: — Que ele me beije com beijos de sua boca — Por que empregará o texto essa expressão? Na verdade, ela significa adesão de espírito a espírito. É por isso que o órgão corporal do beijo é a boca, ponto de saída e fonte do sopro. Do mesmo modo, é pela boca que são dados os beijos de amor, unindo (assim) inseparavelmente espírito a espírito. É por esta razão que aquele cuja alma sai no beijar, adere a um outro espírito, a um espírito do qual ele não se separa mais; esta união chama-se beijo. Ao dizer: "que ele me beije com beijos de sua boca", a Comunidade de Israel pede essa adesão inseparável de espírito a espírito...

Os comentaristas do Cântico dos Cânticos, quer se trate dos Padres da Igreja ou dos autores da Idade Média, interpretam o beijo num sentido idêntico. Para Guillaume de Saint-Thierry, o beijo é o signo da unidade. O Espírito Santo pode ser considerado como procedente do beijo do Pai e do Filho; a Encarnação é o beijo entre o Verbo e a natureza humana; a união entre a alma e Deus durante a vida terrena prefigura o beijo perfeito que se realizará na eternidade. Bernard de Clairvaux, também em seu comentário sobre o Cântico dos Cânticos, fala longamente do osculum que resulta da unitas spiritus. Só a alma-esposa é digna de ambos. O Espírito Santo, dirá São Bernardo, é o beijo da boca, trocado entre o Pai e o Filho, beijo mútuo de igual para igual e somente a eles reservado. O beijo do Espírito Santo no homem, que reproduz o beijo da deidade trinitária, não é e não pode ser o beijo da boca, mas um beijo que se reproduz, se comunica a um outro: o beijo do beijo, a réplica no homem do amor de Deus, a caridade de Deus tornada caridade do homem por Deus, semelhante, quanto ao objeto e ao modo do amor, à caridade que Deus tem por si mesmo. Segundo São Bernardo, o homem encontra-se, de certa maneira, no meio do beijo e do abraço do Pai e do Filho, beijo que é o Espírito Santo. Assim, pelo beijo, o homem está unido a Deus e, assim também, deificado.

Na qualidade de signo de concórdia, de submissão, de respeito e de amor, o beijo era praticado pelos iniciados no Mistério de Ceres: era testemunho de sua comunhão espiritual. Em um sentido idêntico, São Paulo o recomenda (Romanos, 16, 16). Saudai-vos mutuamente com um santo beijo. Todas as igrejas do Cristo vos saúdam. Na Igreja primitiva ainda estava em uso. lnocêncio I substitui esse costume por uma placa de metal (Pax), que o celebrante beija e faz beijar, dizendo Pax tecum. Essa placa, mais tarde denominada de pátena, permanecerá em uso. Existe ainda o costume de beijar as relíquias de santos expostas à veneração dos fiéis.

Na Antiguidade, beijava-se os pés e os joelhos dos reis, dos juizes, dos homens que gozassem de uma reputação de santos. Beijavam-se as estátuas, a fim de implorar sua proteção.

Na Idade Média, no direito feudal, o vassalo era obrigado a beijar a mão de seu Senhor: daí a expressão beija-mão, que significa render homenagem.

Nos antigos rituais concernentes à cerimônia de ordenação dos padres e à da consagração das virgens, faz-se alusão ao beijo dado pelo bispo. Por razões de decência, essa efusão foi suprimida para as virgens, e a monja devia apenas pousar seus lábios na mão do prelado. Na sociedade feudal, o beijo provocava freqüentes dificuldades quando era uma dama quem recebia ou oferecia a homenagem. Símbolo de união, o beijo guardava, com efeito, a polivalência e a ambigüidade das inumeráveis formas de união (DAVS).


in Dicionário de símbolos; Chevalier, Jean; Gheerbrandt, Alain – José Olympio – Rio de Janeiro, 1990

Terraço


Casa degli Alighieri

È sita in Piazza S. Martino ed è circondata da altre casupole. Nulla di notevole porta, ed anzi si è pensato a lavori di demolizione e restauro per darle la sua primitiva forma.

in Ricordo di Firenze

Magia de amor com os livros



Se quiser dar um presente a uma pessoa de seu interesse, escolha um livro que, sendo feito de papel e tinta, se presta a se tornar um ótimo e insuspeito talismã para atrair o amor.
Compre-o em uma sexta-feira e exponha-o por sete noites aos raios de Vênus, do entardecer ao nascer do sol.
Nessas noites você deverá dormir colocando embaixo do travesseiro um pedaço de seda vermelha ou verde, conforme o seu interesse seja mais carnal ou espiritual. Antes de adormecer, pense naquilo que deseja conseguir.
Na oitava noite, embrulhe o livro na seda e exponha-o à luz de uma vela vermelha ou verde, conforme a cor que foi escolhida. Pronuncie as seguintes palavras, mantendo as mãos apoiadas no livro e os olhos fixos na chama da vela:
"Você, Y., coloque-me em seu braço, coloque-me em seu coração, visto que forte como a morte é o amor".
Deixe a vela acesa a noite toda e, no dia seguinte, presenteie o livro enfeitiçado.

in O manual da autêntica bruxa; Maura – Best Seller – São Paulo, 1994

abril 23, 2007

Dasypus novemcinctus



Laszlo



Madrugada, 10 de junho de 1866

...Já há um brilho no céu com a chegada do alvorecer. A silhueta da cidade, a princípio não mais que uma sombra contra a escuridão maior, agora está clara, e a qualquer momento vai adquirir dimensão e substância. Pela janela, ouvi sons de pessoas bocejando e começando a cuidar de suas vidas. Uma cozinheira bate panelas enquanto as lava. Embaixo um cão late para alguém passando a pé. Nada faz-me sentir o quanto a vida é curta como a madrugada de um novo dia. É justamente
seu caráter comum e repetitivo que a toma tão preciosa.
...O tempo está passando. Cada som tem um valor inestimável. Sinto e vejo isso com uma acuidade que meus sentidos nunca tiveram. Anseio por sensações. Luto para possuir cada momento. Quero retardar o processo em meu corpo, deter o maldito parasita que nada em meu sangue. Agora eu existo para ele. Sou sua casa. Lentamente, ele tomará o controle de mim. Em dez anos, quinze no máximo, estarei morto ou louco. E, enquanto isso, posso esperar qualquer uma das centenas de manifestações desta doença, todas humilhantes, debilitantes. Graças a Deus não se exige que eu tenha herdeiros. Já vi filhos da sífilis: dementes, de nariz amassado, como símbolos do pecado dos pais.
...Examinei-me assim que deixei Roland. Examinei meu corpo à procura do cancro, mas não encontrei nada. Fiquei dolorido de apalpar à procura de nódulos linfáticos na virilha. O do lado esquerdo está um pouco maior, mas tão pouco que não posso dizer que seja anormal. É cedo demais para o parasita já ter dado sinais de sua presença. Ele precisa de tempo. Vou esperar, mas não posso permitir-me a indulgência da esperança. Não há cura para a sífilis, e não vou iludir-me por causa disso, nem submeter-me aos charlatães ou aos curandeiros, até ficar sem dinheiro nem dignidade.
...Vou me matar quando chegar a hora. Mas não agora. Até o momento chegar — eu o perceberei? — sou um novo homem. Enquanto conservo minhas faculdades, vou viver cada momento, levar as sensações ao máximo de intensidade, seguir cada impulso da minha natureza ao longo de seu tortuoso trajeto. Tenho medo de agarrar-me exageradamente à vida e deixá-la tarde demais.
...Saberei quando?
...Sim!
...Como?

in A vida secreta de Lazlo, Conde Drácula; Anscombe, Roderick – Best Seller – São Paulo, 1994

P



Porra. “Cacete, pau, bastão, bengala forte, clava. Do Latim, porrum, allium porrum, alho grande, alho de cabeça grande. O nome foi dado a este bastão, a esta clava, por causa da forma, pois termina numa protuberância, numa cabeça quase sempre encastoada de metal para maior resistência e peso na pancada, tal como o porro, alho, que embora tenha a haste delgada, termina pela cabeça a que se dá o nome de alho. Por causa dessa mesma semelhança houve tempo em que na gíria, se dava o nome de porra ao membro viril. Continuando ainda a metáfora, porque o alho porro produz líquido alvacento, de cheiro acre e rapidamente coagulável, se passou a designar, na linguagem chula do povo o esperma humano com o mesmo nome de porra”, registra Silveira Bueno (3). Abons.: 1. “— Mané: é o que, porra!” [BUARQUE DE HOLANDA, Chico. Roda viva. Rio de Janeiro, Sabiá, 1968, p. 46J; 2. A nova geração usa a interjetiva Porra! na sua abreviação ! Veja Pô; 2. “Que ainda pouco morreu” (diz a Gazeta) “Entre mil porras expirou vaidosa” [PIMENTEL MALDONADO, João Vicente. (Portugal: 1773-1838), “Soneto”, in Poesia portuguesa erótica e satírica (Séculos XVIII-XIX). Portugal, Edições Afrodite, 1975, p. 249).
Porrada. “Grande quantidade”, registra Tomé Cabral (6). Abon.: “O pintor que pintou meu irmão tinha lá as modelos dele. Meu irmão disse que era uma porrada de meninas lindas” [FAGUNDES TELLES, Lygia. O jardim selvagem. São Paulo, Editora Três, 1974, p. 31).
Porra-louca. “Bras. Chulo. Pessoa, ou diz-se de pessoa, que age de maneira inconseqüente, irrefletida, que não tem noção de responsabilidade", registra Aurélio Buarque de Holanda (2).
Porreta. Significa tudo o que é muito bom: uma fita porreta, um livro porreta, uma garota porreta (Sul, Nordeste).
Porrete. Órgão sexual masculino (Sul, São Paulo).
Porta-bagagem. “Ânus da mulher” (Portugal), registra Albino Lapa (62).
Porta-de-serviço. Ânus (Sul, Rio de Janeiro). Abon.: "A sorte deles (pederastas) é que a entrada é pela porta-de-serviço” [LESSA, Orígenes. Beco da fome. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1972, p. 40).
Porta-seio. “Sutiã”, registra Aurélio Buarque de Holanda (2).
Porteira-do-mundo. Órgão genital feminino (Nordeste).
Porvarino. “O ânus” (Nordeste), registra Edilberto Trigueiros (73).
Possuídos. Partes genitais (Norte); pertences (Nordeste).
Pote. “Ventre da mulher grávida” (Nordeste, Bahia), registra Fernando São Paulo (9).
Pra-burro-velho-capim-novo. “Justificativa de velho que se casa com mulher jovem” (Nordeste), registra Leonardo Mota (38).
Pra-nós. “Nádegas” (Sul), registra E. d’Almeida Vitor (66).

in Dicionário do palavrão e termos afins; Maior, Mário Souto – Guararapes – Recife, 1980

C



CABO. Extremidade do osso da perna de carneiro, porco, cabrito.
CABRITO DE LEITE. Cabrito novo.
CAMOESAS, CAMOESES. Diz-se de uma variedade de maçãs e pêras.
CANA. Pau atravessado na cozinha, onde se penduram alguns preparados para secar.
CANADA. Medida de capacidade equivalente a 2,6 litros aproximadamente.
CAPELA. Reunião de cheiros e temperos inteiros em ramalhetes ou picados e arranjados com simetria, conforme exigir o prato.
CARACÓIS. Animalejo de concha, comum na hortas.
CARIL (Curry). Condimento indiano que contém várias especiarias, inclusive açafrão, que dá sua cor amarelo forte.
CAROLO. Espiga de milho debulhada.
CASTÓREO. Substância aromática segregada por glândulas do ventre de castor.
CENTÁUREA. Erva medicinal muito amarga.
CHAMUSCAR. Expor ligeiramente ao fogo uma ave ou caça para queimar a penugem ou pelagem.
CHAPELAR. Ralar a crosta do pão.
CHEIROS. Salsa, cebolinha verde, louro, cerefólio e outros.
CINCHO DE PAU. Molde para a confecção de queijo que acompanha no prato certos queijos muito moles.
CLARIFICAR. Branquear, tornar mais claros a manteiga e o açúcar.
COALHO DE CABRITO. Pele interna do estomago do cabrito que serve para fazer coalhar o leite.
CÔDEA DE PÃO. Parte externa dura, crosta ou casca de pão.
CODORNIZ OU CODORNA. Ave de arribação que, preparada, torna-se prato delicado.
CORÇA. Fêmea do veado.
COVILHETE. Pratinho raso ou tigelinha para doces.
CULI. Termo aportuguesado do coulis francês, caldo muito usado em culinária. Veja a receita do Culi comum (ou básico) em Molhos.
CUTELO. Facão de cozinha.

in O cozinheiro imperial; R.C.M. – Nova Cultural – São Paulo, 1996

Biografia



Nasci na maternidade Pró-Matre no coração de São Paulo há 46 anos. Piva é um antigo nome do Veneto (Itália do Norte). Meu avô era de Saleto, perto de Rovigo.

O Livro da Família, que tinha lá em casa, conta a história de um antepassado cavaleiro que combateu nas Cruzadas. Como o avô Cacciaguida de Dante. Só que ao voltar das Cruzadas virou herético & começou a pregar a favor do Demônio. Por ordem do bispo local, foi queimado na praça pública com armadura & tudo. No momento, deve estar passando uma temporada na IX Bolgia do Inferno de Dante. Local destinado aos semeadores de discórdia. Os filhos fugiram da cidade & a descendência continuou.

Mas em matéria de revolta eu não preciso de antepassados. A minha vida & poesia tem sido uma permanente insurreição contra todas as Ordens. Sou uma sensibilidade antiautoritária atuante. Prisões, desemprego permanente, epifanias, estudo das línguas, LSD, cogumelos sagrados, embalos, jazz, rock, paixões, delírios & todos os boys. O cinema holandês informará.

Só acredito em poeta experimental que tenha vida experimental. Não tenho nenhum patrono no “Posto”, nem leões-de-chácara & guarda-costas literários nas redações de jornais & revistas. Nada mais provinciano do que os clubinhos fechados da poesia brasileira, com seus autores-burocratas tentando restaurar a Ordem & cagando Regras que o futurismo, dadaísmo, surrealismo & modernismo já se encarregaram de destruir. A estes neo-zhdanovistas de todos os matizes, gostaria de lembrar esta passagem do manifesto redigido por André Breton & Leon Trotsky: “Em matéria de criação artística, importa essencialmente que a imaginação escape a toda sujeição, não se deixe impor filiação sob nenhum pretexto. Aqueles que nos pressionam, hoje ou amanhã, para que consintamos que a arte seja submetida a uma disciplina que sustentamos radicalmente incompatível com seus meios, opomos uma recusa inapelável, e nossa deliberada vontade de nos manter no lema: todas as licenças em arte". Fecho também com John Cage & não abro: “Sou pela multiplicidade, a atenção dispersa e a descentralização, e portanto me situo do lado do anarquismo individualista”. Ou Jean Dubuffet: “O uníssono é uma música miserável”. Precisamos de criações desprovidas de regras & de convenções paralisantes. A poesia é um salto no escuro como o amor. Por isso, meus leitores preferidos são os heréticos de todas as escolas & os transgressores de todas as leis morais & sociais. Como não sou intelectual de esquerda, estou sempre às voltas com o problema da grana.

Pasolini começou a contagem regressiva do nosso planeta a partir do desaparecimento dos vagalumes na Itália. Eu poderia começar a mesma contagem regressiva a partir do desconhecimento & desaparecimento da abelha Jataí no Brasil. Acredito que, para a defesa do nosso planeta, as melhores idéias, como disse Edgar Morin, são as idéias “biodegradáveis".

Uma tarde, numa ilha esquecida do litoral sul de São Paulo, um garoto com olhos de Afrodite me perguntou no que eu acreditava. Respondi: Amor, Poesia & Liberdade. E nos Ovnis também.


ROBERTO PIVA
Iguape (SP) Fevereiro de 85
Hora Cósmica do Leopardo
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in Antologia Poética; Piva, Roberto – L&PM – Porto Alegre, 1985
Ilustração: Guinigui, sobre fragmento de foto de Mario Rui Feliciani

abril 20, 2007

Ídish


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P/B


cega toda e nada luz
vela sombra que seduz
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abril 19, 2007

Ponto


Um amigo meu
confessou
os pecados seus
não pra mim
sim ao louva-a-deus
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