julho 10, 2009

Memória futura



Mesmo coberta,
Brasília é uma cidade
nua. Intervalos,
espaço, o plano em que se inventa
se despojam, verticalmente.
Planalto, Brasília salta
e se repete para o alto.

E comemora-se, num céu
declarado, num horizonte
preciso, como quem sabe
o que faz de si
e guarda o rosto explícito.

Em que cidades os vãos
se mostram com tanto
azul, e ventos e vertentes?
Onde limites
que se correspondam
onde lacunas que se preencham
apontando
sua vizinha evidência?
Onde o que é
guarda tanto sentido
em sua diferença?

Os edifícios, nítidos
como cactos, contra uma terra
envôlta em terra
se amaciam e se retomam em lago.
E o branco é mais longo
no afsalto do poente
e a técnica se arredonda
na memória da Acrópole
e a pergunta do ser
e pelo ser
se aconchega, nas dobras
do existente.

Nada se aglomera
ou se expulsa
nesta paisagem onde a razão
é o sensível e sua imagem.

Aqui se faz o homem:
geografia-geometria
e a história murmurando
amanhã
nas curvas da poesia.
Aqui a terra se ergue
lapidada em seu provento
aqui medita
o que a pátria espera
de nós, por nós,
na nudez dos que pensam.

Brasília, 1969


in Poemas ao outro; Garaude, Lupe Cotrim – Niamar – São Paulo, 1970
Ilustração: Guinigui over Lucio Costa

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