abril 15, 2009

Cerimônia Memorial



Onde fica o cemitério dos deuses mortos? Algum enlutado ainda regará as flores de seus túmulos? Houve uma época em que Júpiter era o rei dos deuses, e qualquer homem que duvidasse de seu poder era ipso facto um bárbaro ou um quadrúpede. Haverá hoje um único homem no mundo que adore Júpiter? E que fim levou Huitzilopochtli? Em um só ano — e isto foi há apenas cerca de quinhentos anos — 50 mil rapazes e moças foram mortos em sacrifício a ele. Hoje, se alguém se lembra dele, só pode ser um selvagem errante perdido nos cafundós da floresta mexicana. Huitzilopochtli, como muitos outros deuses, não tinha um pai humano; sua mãe era uma virtuosa viúva; nasceu de um inocente flerte dela com o sol. Quando ele resmungava, seu pai, o sol, ficava quieto. Quando trovejava de ira, terremotos engoliam cidades inteiras. Quando tinha sede, era saciado por 5 mil litros de sangue humano. Hoje, Huitzilopochtli está tão esquecido quanto Allen G. Thurman. Para quem já teve como seus pares Alá, Buda e Wotan, seus colegas atualmente são Richmond P. Robinson, Alton B. Parker, Adelina Patti, Tom Sharkey e o general Weyler, sejam quem forem.

Falando em Huitzilopochtli, logo vem à memória seu irmão Tezcatilpoca. Tezcatilpoca era quase tão poderoso: devorava 25 mil virgens por ano. Levem-me a seu túmulo: prometo chorar e depositar uma couronne des perles. Mas quem sabe onde fica? E onde fica o túmulo de Quitzalcoatl? Ou o de Xiehtecutli? Ou o de Centeotl, aquela gracinha de deus? Ou o de Tlazolteotl, a deusa do amor? Ou o de Mictlan? Ou o de Xipe? Ou os restos de Tzitzimitles? Onde estão seus ossos?  Onde fica o salgueiro onde eles penduraram suas harpas? Em qual Inferno perdido e desconhecido esperam pela ressurreição? Quem desfruta suas heranças? E onde fica o túmulo de Dis, de quem César dizia que era o principal deus dos celtas? Ou o de Tarves, o touro? Ou o de Moccos, o porco? Ou o de Bpona, a égua? Ou o de MuHo, o asno celestial? Houve uma época em que os irlandeses reverenciavam todos esses deuses, mas hoje até o mais bêbado deles só consegue rir disto.

Mas eles têm companhia no oblívio: o Inferno dos deuses mortos é tão superlotado quanto o Inferno presbiteriano para bebês. Damona está num deles, assim como Bsus, Drunemeton, Silvana, Dervones, Adsalluta, Deva, Belisama, Uxellimus, Borvo, Grannos e Mogons. Todos deuses poderosos em seu tempo, adorados por milhões, cheios de exigências e imposições, todos capazes de unir e desunir — enfim, deuses de primeira classe. Durante gerações, os homens trabalharam para construir-lhes vastos templos — cada qual com pedras do tamanho de um bonde. O trabalho de interpretar os seus caprichos ocupava milhares de sacerdotes, bispos e arcebispos. Desafiá-los significava a morte, geralmente na fogueira. Os exércitos os defendiam contra os infiéis: cidades eram queimadas, mulheres e crianças chacinadas, seu gado afugentado. No fim das contas, no entanto, todos declinaram e morreram, e, hoje, não se encontra uma única alma penada para reverenciá-los.

O que terá acontecido a Sutekh, antigo deus de todo o vale do Nilo? O que terá acontecido a:
 
Resheph — Baal — Anath — Astarte — Ashtoreth — Hadad — Nebo — Dagon — Melek — Yau — Ahijah — Amon-Ra — Ísis — Osíris — Ptah — Molech'?

Todos estes foram deuses da mais alta eminência. Muitos são mencionados com temor e respeito no Velho Testamento. Há 5 ou 6 mil anos, estavam taco a taco com o próprio Jeová, e  o mais galinha-morta de todos era muito superior a Thor. Pois foram todos para o nada e, com eles, os seguintes:

Arianrod — Morrigu — Govannon — Gunfled — Dagda — Ogyrvan — Dea Dia — Iuno Lucina — Saturno — Furrina — Cronos — Engurra — Belus — Ubilulu — U-dimmer-an-kia — U-sab-sib — U-Mersi — Tammuz — Vênus — Beltis — Nusku — Aa — Sin — Apsu — Elali — Mami — Zaraqu — Zagaga — Nuada Argetlam — Tagd — Goibniu — Odim — Ogma — Marzin — Marte — Diana de Éfeso — Robigus — Plutão — Vesta — Zer-panitu — Merodach — Elum — Marduk — Nin — Perséfone — Istar — Lagas — Nirig — Nebo — En-Mersi — Assur — Beltu — Kuski-banda — Nin-azu — Qarradu Ueras

Peça ao seu vigário que lhe empreste um bom livro sobre religião comparada: você encontrará todos eles devidamente listados. Todos foram deuses da mais alta dignidade — deuses de povos civilizados —, adorados e venerados por milhões. Todos eram onipotentes, oniscientes e imortais. E todos estão mortos. 

— 1922


in O Livro dos Insultos; Méncken, H. L.; seleção, tradução e prefácio Ruy Castro – Companhia das Letras – São Paulo, 1988.
Ilustração: 32, 38, 40, 48 por Guinigui

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