janeiro 26, 2009

Borgelês



Escrever 

É um prazer e uma necessidade. Escrevo por efeito desse impulso misterioso da criação e tento não intervir em seu desenvolvimento. Nunca começo sem antes ver, com clareza, o princípio e o fim. Depois dito vários rascunhos, normalmente três, e sempre acompanhando a conexão temporal da história. Sim, sei que a partir de Joyce, muitos alteram essa norma e intercalam os tempos narrativos. É um erro. Não posso me imaginar um Quixote sem sucessão. 43 (1977) 

O romance termina exigindo mais do que um conto. Sinto que o romance exige um esforço maior. O conto ou a poesia podem conseguir atrair desde a primeira página. A diferença está entre os escritores antigos e os modernos. Cervantes, por exemplo, nos obrigou a entrar no Quixote desde as primeiras linhas. Em contrapartida, agora se lêem coisas como: "Fulano olhou para Fulana, não sabia o que lhe dizer", e ao cabo de dez páginas se descobre que eram marido e mulher. Então, por que não dizer isso desde o princípio? Por que tanto receio? Por isso peço aos escritores que sejam menos reservados ao escrever. E há casos piores. Como o de um personagem que conversa com Teodoro e, quando nos enfronhamos no livro, descobrimos que Teodoro era o nome que o personagem tinha dado à sua bengala. Por que tanto mistério? Onde pretendem chegar? 47 (1978) 

Ler e escrever são formas acessíveis da felicidade. 3 (1983) 

Escrever é sempre um prazer, mais além do valor do que se escreve. 3 (1983 ) 

Escrevo quando um tema exige que o escreva. Não procuro os temas. Os temas me procuram; tento intervir o menos possível no que escrevo, tento esquecer minhas opiniões quando escrevo. O escritor não é alguém que dá, mas alguém que recebe. 132 (1985) 

Publica-se um livro para se safar dele, e, depois, o fato de que esse livro tenha êxito ou não, encontre um leitor — isso é o difícil —, é alheio ao escritor. O escritor deve olhar para a frente. É doentio pensar no fracasso ou em êxito. Kipling disse que o êxito e o fracasso são dois impostores; contudo, se a gente sente necessidade de se expressar artisticamente, deve fazê-lo, senão é um impostor e se descobre imediatamente o simulacro. Sentar-se para escrever um soneto é um erro, tem-se que deixar que o soneto nos encontre, que os temas nos procurem. 156 (1985) 


Escritor 

O escritor deve ser submisso e não convém que tente compreender demais o que está fazendo, porque qualquer ato consciente pode deitar a perder a obra. 39 (1976) 

Há escritores para os quais seria melhor não escrever com um propósito determinado, e somente obedecer à imaginação. 39 (1976) 

Isto não é um ofício, não é um problema de grupo, absolutamente. É uma idéia falsa que só pode ser imaginada pelos que não são escritores. 39 (1976) 

A função essencial de um escritor é escrever. Deve exercer essa atividade com a maior seriedade possível. É claro que, como cidadão, tem outras obrigaações, mas deve se organizar a fim de que elas não interfiram em sua obra. 59 (1981 ) 

Os melhores escritores vivos já morreram. Penso em George Bernard Shaw, em André Gide, em Robert Frost. 59 (1981) 

Tenho convicção de que a maioria dos escritores é superior a mim. É a impressão que tenho, embora não de todos. Assim, se penso em Bioy Casares ou em Silvina Ocampo, em Mujica Lainez, em Girri, são evidentemente superiores a mim. Agora, naturalmente posso ser superior a um senhor que se chama Asís, por exemplo. Posso ser superior a Canal Feijóo ou a Battistessa. 68 (1982) 

Nós, os escritores, possuímos algo secreto, algo que se chama, na tradição homérica, musa; na tradição helênica, espírito ou infinito, e que, segundo a mitologia moderna, é o inconsciente, e o que, segundo o poeta irlandês William Berkeley, é a grande memória. A imaginação e os sonhos são uma arte combinada que joga as imagens da memória individual e coletiva. 102 (1984) 

Sem leitura não se pode criar, e sem emoção, tampouco. Os textos são, sobretudo, espírito, e a emoção é necessária porque não se pode viver sem ela. O importante é sonhar e ser sincero com seus sonhos. 101 (1984) 

A literatura é uma vocação. Há temas que nos chamam. Quando escrevo, não sei se vou publicar ou não. Muitas vezes envio os originais para uma revista ou um jornal, e eles o devolvem. Não existe qualquer segurança. Os pintores, que são organizados, podem ganhar muito, mas não um escritor. Contudo, talvez seja melhor assim, pois escrevemos o que corresponde a uma necessidade íntima, e não para vender. Quando se escreve não se pensa no leitor, porque pode não haver leitor algum. Como dizia Alfonso Reyes, publicamos apenas para não passar a vida inteira corrigindo originais. Publicamos para ficar livres deles. 115 (1984) 

Um escritor deve escrever para a alegria de seu leitor. Deve sentir alegria em escrever. Não sei se o que escrevo causa alegria a alguém, porém me alegro muito escrevendo. Talvez seja o bastante para me justificar. 144 (1985) 


Escultura 

As esculturas são corpos entre os corpos, vultos forâneos que a invenção do homem intercala entre os outros que povoam o espaço. 106 (1984) 


Referências
3 Montenegro, Nestor. Diálogos con Jorge Luis Borges, Ed. Nenont Ediciones, 89 páginas, Buenos Aires, 1983.
39 "Borges frente a Borges" conferência de J.L.B. sobre "El escritor y su tiempo", transcrita por Martín Müller, jornal La Opinión, 9/5/76.
43 "J.L.B. otra vez frente al Nobel", reportagem, revista Hombre del Mundo (Chile), Nº 5, novembro de 1977.
47 "Reportaje de Menotti a Borges", produção de Juan Carlos Mena, revista V.S.D., Nº 3, 1/9/78.
59 "Un escritor imagina fábulas pero ignora su moraleja", entrevista, revista Status, Nº 40, janeiro de 1981.
68 "Borges y el centenario de La Plata", El Platense, suplemento da revista Negócios da Câmara de Comércio e Indústria de La Plata, verão de 1982.
102 " Pide Borges por la democracia" jornal La Razón, 14/8/84.
106 "La escultura, según un Borges ciego, memorioso y sensual", J.L.B., jornal Clarín, 13/9/84.
115 "Entrevista a J.L.B.", entrevista de Renato Modernell, revista Status, Nº 1 (Novo Período), outubro de 1984.
132 "Hay un Borges que desaparece y otro Borges que nace" (Conversa-conferência no Centro Cultural San Martín), Rodolfo Braceli, jornal La Razón, 2/3/85.
144 "Mis libros", diálogo con Jorge Cruz, jornal La Nación, 28/4/85
156 "Diálogo con el público sobre la poesia" (Transcrição da gravação do diálogo realizado na Sociedade Distribuidora de Jornais), jornal La Nación, 25/8/85


in Dicionário de Borges; Stortini, Carlos R. – Bertrand Brasil – Rio de Janeiro, 1990
Ilustração: Life Writer; Christa Sommerer & Laurent Mignonneau, 2006