maio 01, 2007

POSSÍVEL


D. Möglich; E. Possible; F. Possible; I. Possibile.

Uma das categorias fundamentais da modalidade. Esta palavra entende-se quer no sentido objetivo (= independente daquele que fala, válido para todos), quer no sentido subjetivo.
...1º: Objetivamente: o que satisfaz as condições gerais impostas a uma dada ordem de realidade ou de normalidade.
A. Diz-se "absolutamente" ou "logicamente possível" aquilo que não implica contradição.
B. Diz-se "fisicamente possível": 1º, o que satisfaz as condições gerais da experiência: "Was mit den formalen Bedingungen der Erfahrung übereinkommt ist möglich." ("Aquilo que está de acordo com as condições formais da experiência é possível") KANT, Krit. der reinen Vernunft (Transc. Anal., Post. des emp. Denkens; A 218; B 265); 2º, o que não está em contradição com nenhum fato ou lei empiricamente estabelecida; 3º, o que é mais ou menos provável. "Na linguagem rigorosa... das matemáticas e da metafísica, uma coisa é ou não é possível. Mas na ordem dos fatos... é natural que se considere um fenômeno como dotado de uma capacidade tanto maior em produzir-se, ou como sendo tanto mais possível, de fato ou fisicamente, quanto mais se reproduza num grande número de provas. A probabilidade matemática torna-se então a medida da possibilidade física, e uma destas expressões pode substituir outra." COURNOT, Théorie dês chances et des probabilités, p. 81. Por conseqüência, se diz "fisicamente impossível" o que é infinitamente improvável (o cone em equilíbrio sobre a sua ponta).
C. Diz-se "moralmente possível": 1º, o que não é contrário a nenhuma norma moral; 2º, o que não é contrário a nenhuma lei psicológica ou sociológica bem estabelecida: "Uma irremediável decadência da espécie humana é possível." RENAN, Dialogues philosophiques, 11, p. 64.
D. Diz-se possível o que está em potência e não em ato. Este sentido só se encontra na exposição histórica das doutrinas filosóficas antigas, salvo quando coincide com o sentido A.
...2º: Subjetivamente:
E. Diz-se possível aquilo de que aquele que fala não sabe se é verdadeiro ou falso, quer se trate do passado, do futuro ou do intemporal. "É possível que chova esta noite." "É possível que Demócrito tenha vivido mais de cem anos." "É possível que tal problema não tenha solução." Qualquer hipótese, matemática, física ou psicológica, é o enunciado, neste sentido, de uma relação ou de uma lei possíveis.
F. No sentido relativo, sinônimo de provável, C, mas com um menor grau de assentimento. O que é "muito possível" pode ser apenas mediocremente provável. Em particular, diz-se "igualmente possíveis" do ponto de vista subjetivo, ou "igualmente prováveis", os fatos tais que aquele que fala não tem nenhuma razão para esperar que um se produza de preferência a outro: por exemplo, extrair uma bola branca ou uma bola preta de um saco que se sabe conter bolas cuja cor e número respectivos são desconhecidos.

CRÍTICA
A unidade desta noção, que parece tão heterogênea à primeira análise, consiste na disciplina que ela representa relativamente às nossas ações, e juízos que com ela se relacionam: é possível tudo o que não está antecipadamente condenado, tudo o que vale a pena ser examinado ou tentado, tudo o que deve entrar nas nossas previsões. De acordo com uma observação muito justa que data pelo menos de Bacon, é a universalização das relações concebidas que constitui o movimento espontâneo do espírito: "Gliscit intellectus humanus, evolat adgeneralia"; a ciência procede sobretudo através de raciocínios negativos "per exclusiones et rejectiones debitas". Do mesmo modo, a representação concreta objetiva-se espontaneamente; crê-se naturalmente naquilo que se representa com intensidade. São necessárias razões especiais de negação para o reduzir ao estado de simples imagem. A idéia de impossibilidade é, portanto, de alguma maneira, psicologicamente anterior à de possibilidade: ela é a constatação ou o anúncio de um fracasso e opõe-se diretamente à confiança primeira do espírito sem crítica. Depois, através de uma segunda reflexão, é estabelecida a regra de considerar como duvidosas a verdade das proposições ou a eficácia das maneiras de agir enquanto não forem sistematicamente postas à prova; a partir de então, tudo o que não for confirmado ou rejeitado decididamente forma o domínio da possibilidade, incluindo o da probabilidade. E porque o exame de que se trata pode ser válido para qualquer espírito, a noção de possibilidade circunscreve um duplo domínio, subjetivo e objetivo.
Rad. int.: Posibl.

Sobre Possível — O "sentido subjetivo" nesta palavra é apenas um emprego mais ou menos abusivo do "sentido objetivo". Se digo que é possível que chova esta tarde, é porque isso é, com efeito, fisicamente possível. No caso de uma expressão como esta: "É possível que tal problema não admita solução", sai-se evidentemente do sentido próprio, porque é necessário em si que o problema seja solucionável ou não, ainda que eu não possa, no estado atual dos meus conhecimentos, sabê-lo. Julgando pelo conjunto de dados de que disponho, devo ter como possível tudo aquilo de que não veja claramente a impossibilidade. (J. Lachelier)
O aspecto subjetivo da idéia de possibilidade não parece nem menos primitivo, nem menos essencial do que o aspecto objetivo. A dúvida, a idéia de talvez (forsan) é impossível de suprimir do pensamento, enquanto a idéia do possível objetivo, diferente do que acontece de fato, foi eliminada por certos filósofos, por exemplo Espinosa. Podemo-nos perguntar se o próprio Leibniz não a transformou completamente para lhe conservar o nome quando reduz a possibilidade à não-contradição: no sentido comum da palavra, era impossível que o que quer que seja no mundo fosse diferente do que é, uma vez que a própria escolha deste mundo, de fato, tem razões eternas, e não podia ser diferente do que foi. (A. L.)
Ch. Serrus, no seu Traité de logique, chama a atenção para a diferença entre os dois pares de oposição modal admitidos pelos escolásticos — possível, impossível; contingente, necessário — e os dois pares de oposição admitidos por Facciolati (gramátjco, lexicógrafo e lógico do século XVIII) — possível, contingente; impossível, necessário. A primeira lista tem um sentido ontológico, e é assim que Boécio compreende no contingente a liberdade humana e o acaso. A segunda tem um caráter sobretudo lógico: o possível é o que não está demonstrado, mas não é excluído; decorre, por conseqüência, da essência, e opõe-se por isso ao contingente, que diz respeito ao acidente. Por exemplo, é possível, sendo dada a definição do triângulo, que os seus ângulos sejam iguais a duas retas (demonstraremos mais tarde que é assim); é contingente que Pedro esteja doente (só poderemos saber por experiência se é verdadeiro ou falso). Traité de logique, cap. VIII, pp. 116-117.


in Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia; Lalande, André – Martins Fontes – São Paulo, 1996

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