março 21, 2007

A arte de trinchar



Quando se tem um mordomo, o problema de trinchar as peças, carnes ou peixes, está resolvido.
É o mordomo que executa como artista, sobre o aparador, esse trabalho que necessita perícia, prática e gosto.
Os bons mordomos devem não só saber trinchar segundo as regras, isto é, cortar uma galinha irrepreensivelmente, dividi-la segundo o número dos convidados, mas também saber dispor as comidas nos pratos que circulam à roda da mesa.
O número das casas importantes para possuírem um mordomo é relativamente restrito.
Um criado pode muito bem aprender a trinchar as carnes ou a dissecar um peixe.
As cozinheiras sabem geralmente trinchar e guarnecer os pratos.
A questão de trinchar torna-se bem difícil quando não há um criado ou uma cozinheira. Nestes casos, são os patrões que devem trinchar e em especial o dono da casa.
Há muitas casas em que ninguém sabe cortar e sem mais cerimônia recorrem então ao talento de um dos convivas. Ora se muitos donos de casa não sabem trinchar, a maior parte dos convivas receiam fazê-lo. Será melhor que o dono da casa trinche, pois reservar esse trabalho aos convidados é um pouco familiar, mas no entanto entre íntimos é permitido, o que se torna necessário é ter uma faca bem afiada, leve e flexível.

in Tratado de civilidade e de etiqueta; Gencé, Condessa de –Guimarães & Cia.Editores – Lisboa, 1919 – Ilustração: Braque, Georges – Still Life Pitchers – 1934 – 26 x 18 in.

A verdadeira igualdade



...A parte da natureza varia ao infinito. Não há, no universo, duas coisas iguais. Muitas se parecem umas às outras. Mas todas entre si diversificam. Os ramos de uma só árvore, as folhas da mesma planta, os traços da polpa de um dedo humano, as gotas do mesmo fluido, os argueiros do mesmo pó, as raias do espectro de um só raio solar ou estelar. Tudo assim, desde os astros, no céu, até os micróbios no sangue, desde as nebulosas no espaço, até aos aljôfares do rocio na relva dos prados.
...A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.
...Esta blasfêmia contra a razão e a fé, contra a civilização e a humanidade, é a filosofia da miséria, proclamada em nome dos direitos do trabalho; e, executada, não faria senão inaugurar, em vez da supremacia do trabalho, a organização da miséria.

(Oração aos Moços, nova ed. a cargo de Adriano da Gama Kury, C.R.B., Rio, 1956, págs. 30-31.)

in Rui Barbosa: Textos escolhidos; Melo, Gladstone Chaves – Agir – Rio de Janeiro, 1962

março 20, 2007

Espera...



Não me digas adeus, ó sombra amiga,
Abranda mais o ritmo dos teus passos,
Sente o perfume da paixão antiga,
Dos nossos bons e cândidos abraços!

Sou a dona dos místicos cansaços,
A fantástica e estranha rapariga
Que um dia ficou presa nos teus braços...
Não vás ainda embora, ó sombra amiga!

Teu amor fez de mim um lago triste:
Quantas ondas a rir que não lhe ouviste,
Quanta canção de ondinas lá no fundo!

Espera... espera... ó minha sombra amada...
Vê que pra além de mim já não há nada
E nunca mais me encontras neste mundo!...


in Sonetos; Espanca, Florbela – Publicações Europa-América – Sintra, sd

Cênicos



Escravo negro tenta assassinar a sua dona. O crime, ocorrido na parte externa de uma construção, não se consuma por ter a vítima invocado a proteção do Senhor de Matosinhos. À direita da composição é retratado o episódio; à esquerda, a gloriosa aparição do Senhor de Matosinhos.
Óleo sobre madeira, séc. XVIII. Local de deposição: Congonhas do Campo, MG.

in Ex-votos e orantes no Brasil; Silva, Maria Augusta Machado da – Museu Histórico Nacional – Rio de Janeiro, 1981

O Teatro João Caetano, de seu início à atualidade.





Fernando José de Almeida — popularmente conhecido por “Fernandinho” ex-cabeleireiro do Vice-Rei D. Fernando de Portugal, protegido de D. João VI, obteve de D. Beatriz Anna de Vasconcellos um terreno, no então Largo da Sé — hoje Praça Tiradentes, em 1812. Aí, de acordo com os desenhos do Marechal João Manoel da Silva, edificou um teatro — com pedras destinadas à Igreja da Sé. Em homenagem ao seu protetor deu a esse teatro o nome de “Real Teatro de São João”. Foi inaugurado a 12 de Outubro de 1813 — aniversário do Rei — representando-se ,"O Juramento dos Nunes" e "O Combate do Vimieiro", regendo a orquestra Marcos Portugal.




Essa a primeira fase do “Teatro João Caetano” e os anais registram interessantes acontecimentos no mesmo desenrolados: A 26 de fevereiro de 1821, o Príncipe D. Pedro leu de sua varanda O decreto em que seu pai assegurava ao povo brasileiro a sanção da Constituição promulgada em Lisboa; e, nessa noite, o Rei, aclamado pelo povo, assistiu a representação da ópera “Conerentola”; a 5 de junho do mesmo ano, D. Pedro, ainda nesse teatro, jurou as bases da Constituição portuguesa nas mãos do bispo conde capelão-mór; a 15 de setembrro desse ano. D. Pedro, de volta de sua viagem a São Paulo, onde havia dado o brado de independência às margens do Ipiranga, compareceu ao "Teatro São João", com a legenda “Independência ou Morte”, em fita contornando o seu braço esquerdo; em 1822, em regozijo pelo casamento de D. Pedro, houve espetáculo de gala, inaugurando-se o novo pano de boca, de autoria de Debret; a 25 de março de 1824 — dia em "que foi promulgada a nossa primeira Constituição — D. Pedro, já agora Imperador, assistiu à representação da peça “Vida de S. Hermenegildo” sendo recebido com vivas estrepitosos e sob os sons do Hino da Independência (música de D. Pedro e letra de Evaristo da Veiga). Nessa noite, o ator Antonio de Baia, saltando do balancim impeliu-o de encontro a um cenário pintado com aguarrás, produzindo o primeiro incêndio ao teatro. Fernandinho providenciou para sua reconstrução, mas, enquanto esta se não efetivava, preparou um salão da frente inatacada do teatro e aí deu espetáculos a 18 de dezembro de 1824, aniversário de D. Pedro, levando a peça "Engano Feliz" de Rossini.



A 22 de janeiro de 1826 foi inaugurado o novo Teatro João Caetano, com o nome de “Imperial Teatro S. Pedro de Alcântara”, com a peça “Tancredo”. Nessa ocasião, Fernando José de Almeida foi agraciado com a comenda da Ordem de Cristo.
...
Falecendo o proprietário do teatro, a 17 de junho de 1829, tomou conta do “S. Pedro de Alcântara” o Banco do Brasil, credor de Fernandinho, pois que este tomara dinheiro emprestado para a nova edificação.

...Seu filho, José Fernandes de Almeida, arrendou-o mas sem sucesso.
...Em 1831, por ocasião da abdicação, passou o teatro a se chamar: “Constitucional Fluminense”.


in Vigésimo aniversário da Casa dos Artistas; Ars Longa, Vita Brevis – Rio de Janeiro, 1938-08-24

Dornelles



in Vigésimo aniversário da Casa dos Artistas; Ars Longa, Vita Brevis – Rio de Janeiro, 1938-08-24

Chapéu de mescla



Era um chapéu de mescla
Em cima de um console.
Não sei por que me lembrou Dante.
Talvez porque a mescla
Que mesclava o cujo
Me lembrasse a massa estranha
Do Poeta
Meio Deus
Mais que o céu
Muito maior que o Inferno.
Pequeno apenas quando com Beatriz.
Pois que o Amor
Queiram ou não
Diminui a gente.
.
.
in O lamento de Píndaro; Pimentel, Cid – Hucitec – São Paulo, 1987 – Ilustração: Beatriz dá a Dante várias explicações acêrca do último céu; Doré, Gustave.

março 19, 2007

Escandalosamente bellas


Retrato de Dora Maar; Pablo Picasso

Once años antes de conocer a su futura esposa, Jacqueline Lamba, André Breton había escrito un poema con detalles que parecían una premonición de ese encuentro. No fue la única vez que le ocurrió algo semejante. El poeta surrealista se apoyaba en esas coincidencias para abonar sus teorías estéticas.

La escena tiene lugar el 29 de mayo de 1934, a las 19 horas, en el Café de la Place Blanche donde se reúne el grupo surrealista presidido por André Breton. El creador del movimiento está sentado de espaldas a la puerta cuando, de pronto, las miradas de los parroquianos (no las de sus apóstoles, inútil aclararlo, sino las de la "concurrencia vulgar"), adquieren ese "carácter hostil que, tanto en la vida como en el arte — escribirá más tarde Breton en L'amour fou —, siempre me ha indicado la presencia de lo bello". Se da vuelta a mirar y, en efecto, así es. Iluminada "como si se desplazara en pleno día a la luz de una lámpara", una mujer de "cabellos pálidos", "escandalosamente bella", acaba de entrar al sacrosanto café. Lleva en la mano un cuadernito, se instala ante una mesa y, sin mirarlo, se dedica a escribir. Breton tiene la "vaga intuición" de que la vida de esa mujer se unirá con la suya. También intuye que ella le está escribiendo una carta. A él.

Nada más cierto. Sin embargo, el mozo no tiene la delicadeza de acercarle el sobre. Esa misma noche, Breton se encuentra en la calle con la muchacha de escandalosa hermosura, ella se asombra de que el mozo no le haya dado la carta y se presenta: Jacqueline Lamba, pintora y bailarina de ballet acuático en una vieja piscina de la rue Rochechouart transformada en music-hall.

Breton se maravilla. El que la bella sea pintora lo fascina bastante menos que su condición de nadadora. Porque el arte femenino le inspira una genuina desconfianza; porque le encantan las criaturas fantásticas del music-hall (su ídolo es la cantante Musidora, "hada moderna adorablemente dotada para el mal, y pueril, ¡oh, su voz de niña!"); y porque su creencia en el "azar objetivo" lo lleva a valorar de manera exclusiva los encuentros signados por la predestinación. Dicho en otras palabras, nadie puede aspirar a sus favores si no se halla en perfecta adecuación con los grandes principios del surrealismo. En el caso de una mujer, ésta deberá encarnar el doble papel de vampiresa y de nena. Imposible presentarse ante él así nomás, porque sí, privados de atributos y señales surrealistamente correctos.

Jacqueline cae bien. Días atrás, en un bar, Breton ha conocido a una camarera a la que llaman "la Ondina". Más no necesita el poeta para que la aparición de una sirena rubia forme parte de los "hallazgos fortuitos y necesarios" que fundamentan su teoría.

Durante toda la noche Breton y la rubia caminan por París. Casi no se hablan. A Breton le impresiona el modo de caminar de esa chica tan joven (él le lleva catorce años), como si apenas apoyara los pies en tierra. Pasan por Les Halles, por la torre Saint-Jacques, por el mercado de flores, cruzan el Sena, se besan. Después él la acompaña al Médical Hotel, donde ella vive. Unico punto flojo en el conjunto, el nombre de este hotel no pareciera pegar con nada. Pero el enamorado no se inmuta. CuandCuando alguien desea, con tamaña intensidad, meter la realidad en el corset del sueño, tironea, empuja y, al final, lo consigue. De modo que esa noche, André y Jacqueline se van a dormir, cada uno por su lado, con la sonrisa en los labios. La sonrisa que debe ser, la del "amor admirable" preconizado por el jefe del surrealismo, y sobre el que otro poeta, Paul Eluard, tanto más práctico en amores, suele mascullar entre dientes: "el amor admirable mata".

Sólo tiempo después André Breton se da cuenta de que el paseo nocturno ya ha sido escrito, y nada menos que por él mismo. Un poema de 1923, perteneciente a su período de mayor exaltación — el del reciente descubrimiento de la escritura automática —, intitulado "Tournesol" y que nunca le ha gustado gran cosa, vuelve incansablemente a su memoria. Al buscarlo entre sus libros, la revelación lo fulmina.

Todo está allí. "La viajera que atravesó Les Halles a la caída del verano/ caminaba en puntas de pie/... En El Perro que fuma/ donde acaban de entrar el pro y el contra/ Sólo podían verla mal y de soslayo/...Las promesas de las noches por fin se realizaban/ Las palomas mensajeras los besos de auxilio/ se unían a los senos de la bella desconocida/... Una granja prosperaba en pleno París/... algunos como esta mujer parecen nadar", etcétera. Poco importa que el verano, a fines de mayo, en Europa no haya siquiera comenzado, ni que el Café de la Place Blanche no se llame Au Chien qui fume . Las cosas son así y no de otra manera: Jacqueline ha llegado hasta él prefigurada por la Ondina, y por ese poema, decretado profético, donde la viajera atraviesa Les Halles, es "mal vista" en un café, envía mensajes, tiene senos, pasa por la "granja" (el mercado de flores) y parece nadar, en evidente alusión a esa profesión de nadadora que a Breton lo encandila.

A partir de este momento Jacqueline deja de ser la joven inteligente y ambiciosa que en realidad es, alumna de la Ecole des arts décoratifs, interesada por lasposiciones políticas del surrealismo y que, de modo no accesorio, busca trabajo, para volverse la náyade soñada. "El veía en mí lo que deseaba ver, pero, de hecho, nunca me vio realmente", diría Jacqueline algunos años después, así como, poco antes, la precedente amiga de Breton, Suzanne Muzard, había declarado con tristeza: "Breton incensaba sus amamores: modelaba a la mujer amada para que, de acuerdo con sus aspiraciones, se convirtiera a sus ojos en un valor seguro".

Todo había comenzado, para Breton, en 1926. Caminaba por la calle cuando se topó de improviso con una chica muy rara que pronunciaba frases "oraculares". El lo narra en Nadia , donde también reproduce sus paseos callejeros, tal como en L amour fou lo hará con Jacqueline. Nadia se transforma en "genio libre", en "alma errante", en hada Melusina, en sirena, en mujer-niña, en la "mujer surrealista" por excelencia, y en la amante del poeta. Esto último no le impide a Breton huir despavorido cuando ella se vuelve loca de verdad. "No quiero hacerte perder un tiempo necesario para las cosas superiores — le escribe Nadia desde el Sainte-Anne, ese hospital psiquiátrico donde tantos surrealistas, sobre todo mujeres, se irán dando cita con el correr del tiempo —. Es sabio no demorarse en lo imposible". Aceptando magnánimo la ofrenda de la jovencita (hacerse a un lado para no molestar), Breton cuida su tiempo y omite visitarla. En cambio Paul Eluard, el que descree de lo admirable pero no del cariño, tiene la gentileza de llevarle flores.

Para Breton los hallazgos de personas no se diferenciaban de los hallazgos de cosas. Estas, decía, nos ponen en contacto con nuestras zonas desconocidas y, al igual que los sueños, con nuestros actos futuros. Junto al pintor De Chirico y al escultor Giacometti, Breton vagaba por las calles en un estado pasivo y receptivo, idéntico al que dejaba pasar el flujo de la escritura, o al menos él se lo creía, sin intervención de su voluntad. ¿Las palabras "golpean al vidrio de la ventana" sin ser llamadas? Los objetos también. Criaturas inanimadas pero premonitorias, a veces están allí para decirnos algo que nos está dirigido en forma personal.

Hermosa imagen, y cierta, ésta del lenguaje que nos hace toc-toc en el vidrio. ¿Qué escritor no ha gozado alguna vez de esos inesperados obsequios, una frase o un verso llovidos del cielo, o entrados por la ventana, y que, además de "fortuitos y necesarios", suelen ser lo mejor que ese escritor haya escrito jamás? Lástima que la verdad de la imagen resulte oscurecida por lo mismo que el surrealismo manifestaba desechar: cierta decisión deliberada de concretar el hallazgo; cierto voluntarismo que terminó por encerrar una percepción sutil y un descubrimiento revolucionario dentro de criterios bastante estrechos. Susan Sontag se ha mostrado muy crítica en relación con esos surrealistas errabundos a los que llama "paseantes de clase media", ávidos de estremecimientos pero también de cosas para coleccionar. Lo innegable es que la manía acumulativa típica del anticuario no les fue ajena. Frecuentar los mercados de pulgas, tanto como programar sesiones colectivas de escritura "dictada", son formas activas y resueltas de institucionalizar el azar.

Pero si las cosas esperan a que el coleccionista se desplace hacia ellas, algunas mujeres saben tomar por su cuenta las riendas del acaso. Mujeres de otra época, se entiende, inseguras de triunfar por sus propios medios, que se apoyaban en una complicidad femenina porque la masculina, por el momento, no se derramaba sobrsobre ellas a manos llenas.

Es lo que sucedió con Jacqueline Lamba. Un día, cansada de estar sola y harta de ser pobre, le preguntó en confianza a Dora Maar, su compañera de estudios en la escuela de artes decorativas: "¿Y esos surrealistas de los que tanto se habla, cómo se hace para verlos? ¡Me vendría de bien conocer a alguno!". "No va a ser nada difícil — le contestó Dora —. Breton está todas las tardes en el Café de la Place Blanche". A él también se lo notaba solo. Acababa de divorciarse de su primera mujer, Simone Kahn, y Suzanne Muzard se había casado con otro que no encendía tanto incienso sobre su altar. Así fue como entre las dos amigas planificaron la llegada de la bella desconocida al susodicho café, con sus cabellos decolorados, bastante pajizos, y su cuaderno a la vista. La confabulación, como hemos visto, fue coronada por el éxito. Un año después, en octubre de 1935, la propia Dora habría de montar una puesta en escena que volvería a dejar por los suelos las ocurrencias de lo fortuito. Y aun más surrealista, si cabe: ¿acaso no decía Breton que la belleza "será convulsiva o no será"?

Dora Maar, una morena tempestuosa de padre croata y madre francesa, pero criada en Buenos Aires, no era una humilde huerfanita como su compañera, sino la hija de un arquitecto enriquecido en la Argentina, y una fotógrafa surrealista de extraordinario talento. Estaba en la cúspide de su carrera, dentro de los límites que el sexismo, surrealista o no, lo permitía por entonces. Pero si bien ella no necesitaba a un amante poderoso por razones de supervivencia, lo precisaba por ambición. Y por admiración. En esta ocasión el papel de Celestina le tocó al amigable Eluard, quien le avisó sonriendo con esa tolerancia tan suya: "Esta tarde voy a estar con Picasso en Les Deux Magots".

La escena se la contó diez años después el propio Picasso a Françoise Gilot, la joven pintora por la que acababa de abandonar a Dora. El está con su corte de adulones en el célebre bar de Saint-Germain des Près, cuando entra una mujer escandalosamente bella, aunque de pelo azabache. Va vestida del color de su pelo. Tiene una expresión inmutable, un aire de tanguera que avanza por la pista con arrogante sumisión. Picasso pregunta quién es (ya ha visto su fotografía en el estudio del fotógrafo norteamericano Man Ray), Eluard se lo chismea al oído: "Ha sido la amante de Georges Bataille". El dato significa que la morocha se las trae (adorador del Marqués de Sade, el autor de la horripilante Histoire de l'oeil no tiene fama de ser ningún angelito). Cuando Picasso la taladra con esa mirada que hace temblar las piernas de las mujeres, Dora se la sostiene sin pestañear. Después se quita los guantes, también negros pero con aplicaciones de florcitas rosadas, se sienta, saca de la cartera un cuchillo afilado, planta sobre la mesa la mano izquierda y, a toda velocidad, traza el contorno de sus dedos a punta de puñal. Algún error comete, pese a su precisión, ya que la mano sangra. Picasso, embelesado, se acerca a pedirle el guante manchado de rojo. Hasta el final de su vida conservará ese objeto en la vitrina donde amontona sus tesoros.

André y Jacqueline se casaron, tuvieron una hija, Aube, visitaron a Frida Khalo y a Diego Ribera en la Casa Azul, donde conocieron a Trotzki que se espantó de la frivolidad del poeta francés (Breton interrumpía conversaciones serias para robarse los ex votos de las iglesitas indígenas) y, a su debido tiempo, se divorciaron. Dora y Pablo no se casaron ni tuvieron hijos pero estuvieron juntos durante toda una década; ella le inspiró el Guernica y una fabulosa colección de retratos que van desde la joven inocente hasta la prisionera, la loca, la calavera o el perro; y, cuando él la abandonó, se encerró en su casa durante cuarenta años sin ver a nadie. "Después de Picasso, sólo Dios", explicó simplemente.

Pero lo que me importa destacar en estas historias no es el final sino el instante del encuentro. Historias universales, en las que una mujer resuelve sacudir el destino como un peral. Cleopatra haciéndose envolver en un tapiz que se coloca a los pies de Julio César, para surgir ante él como un presente. Evita abriéndose camino a codazos para instalarse junto a Perón en el acto del Luna Park. O, para retomar otro cuento que relaté hace poco en estas mismas páginas, la espía Africa Las Heras seduciendo al escritor Felisberto Hernández por orden de los servicios secretos soviéticos.

Y sin embargo, en todos estos comienzos hay una parte azarosa, imposible de proyectar. Breton, Picasso, Perón, Julio César o Felisberto habrían podido no plegarse al designio femenino. Por pícara que sea, la tesis del complot no lo abarca todo. Si esas mujeres lograron su objetivo, fue porque otro titiritero tan malicioso como ellas, llámese química amorosa, sino, estrella o hasta voluntad divina, manejaba los hilos.

Lo cual nos lleva de regreso a las fulgurantes intuiciones de André Breton, opacadas por su autoritarismo, su pedantería y su inenarrable ingenuidad, pero de una profundidad tan admirable como el amor que él amaba. Jacqueline Lamba se complotó con Dora Maar para conquistar al jefe poderoso de un movimiento artístico, pero el jefe poderoso supo descubrirla en la realidad y, por qué no, identificarla en un poema y armonizar el augurio con la conjura.

No desvariaba en absoluto Breton al afirmarlo: disponerse al hallazgo hace que los regalos del azar, "manifestación de la necesidad interior que se abre camino en el inconsciente del hombre", se vuelvan perceptibles. Lo mejor de Breton está en haber propiciado, en un país racionalista como el suyo, ese estado de alerta y transparencia al que él llamaba de "distracción superior". Una forma fluida de la concentración, que permite oír los golpecitos en la ventana, dados por el poema, o por la cosa, o por unos nudillos humanos que han decidido despertarnos porque ya es hora.

Por Alicia Dujovne Ortiz, para La Nacion.

março 18, 2007

Grande Festival

.
Vamos todos meus irmãos
Trabalhar com atenção
Para o grande festival
O Centenário da Paixão
Novos rumos estão tomando
O Universo está enviando
Nova Era está chegando
Eu aqui estou comandando
Vamos todos trabalhar
Procurar ter atenção
Ao Toque de Alerta
Perfilar meu batalhão
Eu aqui estou trabalhando
Eu aqui não estou brincando
Eu venho da floresta
Meu chefe vem me guiando

(Do hinário Toque de Alerta, de Zizi Jaccoud)


in O terceiro testamento; Jaccoud, Sebastião – Página Um – Goiânia, sd

Dois pra lá



PETER BRUEGHEL (1525-1569) Noces paysannes (au son des cornemuses). Peinture, 1566 – Detroit, Mich., Institut des Arts (photo du Musée)

in Danseurs: A travers les temps; Hooreman, Paul – Fernand Nathan Éditeur – Paris, sd

Dois pra cá



PEINTURE FRANÇAISE (?): La volte (dansée au son des violes, peut-être à la cour d'Henri III, pour les noces du duc de Joyeuse, le 24 septembre 1581). Détail — Rennes, Musée des Beaux-Arts (photo Bulloz).

in Danseurs: A travers les temps; Hooreman, Paul – Fernand Nathan Éditeur – Paris, sd

março 17, 2007

Ervas




.

.

.
.
.
.

.

Erva-de-Santa-Maria
Chenopodium ambrosioides L.

Também conhecida como erva-formigueira, erva-vomiqueira — No norte, a erva chama-se mentruz ou mastruço. Planta muito comum entre nós. Tem folhas alternas, algo sinuosas, e fortemente dentadas. Inflorescência em cachos alongados nas extremidades. Flores miúdas e esverdeadas. Os frutos são aquênios envoltos no cálice. Sementes numerosas, pequeninas e pretas. De cheiro forte e desagradável.

Indicações:
Indicada como de ação vermífuga de grande eficácia. Ainda indicamos para o combate à dança-de-são-guido e usada empíricamente contra a tuberculose (uma colher de sopa do sumo em jejum). Não se aconselha o seu uso às mulheres grávidas, dado o seu efeito abortivo.

Parte usada:
Folhas, sumidades floridas, sementes, por infusão. Dose: 10 gramas em 1 litro de água, 3 xícaras por dia.
.




.
.
.
.
.
.
.

Malagueta
C. frutescens L.

Conhecida também por quinjá-apuá, pimenta-camarim-verdadeira. Arbusto bem esgalhado, de 2 metros de altura. Folhas alternas, ovais, agudas. Flores brancas, esverdeadas. Fruto em forma de fuso, de até 3 cm de comprimento, vermelho quando maduro e muito ardido. Sementes achatadas.

Indicações:
Indicada através do seu suco (fruto), misturado com farinha, como enérgico sinapismo (cataplasma de efeito revulsivo) em casos de meningites e congestões cerebrais.


in O poder das ervas na Umbanda; Ribeiro, José – Eco – Rio de Janeiro, sd

Cadeiras vazias, amplos espaços



"Nós, as meninas, crescemos participando das alegrias e das tristezas de papai e mamãe. Quando éramos pequenas, e vivíamos nos Estados Unidos, tiveram que lutar muito contra a hostilidade dirigida a nós. É claro que sempre pensávamos que papai e mamãe estavam certos. Sempre certos. Era sempre eles contra nós: quando se referia a nós, as meninas. Nossos pais lidavam com isso de uma forma muito tranqüila. Estavam acostumados, no que tocava a eles. Agora posso ver que, por serem eles mesmos os autores da maior parte das calamidades — essa era a nossa palavra para a situação — tinham que arcar com as conseqüências. Você não tem idéia de quão duro e largo queixo você precisa ter para sobreviver nos Estados Unidos. É o país mais bitolado que se pode imaginar. Principalmente no interior. São tão generosos, se você é adequado. Já vi inúmeras caricaturas acerca dos ingleses e sua respeitabilidade. Mas ninguém bate os americanos. Vivem em função de regras, e essas regras mudam de um lugar para outro. Se você masca chiclete e fuma, está nos Estados Unidos e é americano. Sim, papai e mamãe sofreram muito. Principalmente nos primeiros anos. Não tinham muito dinheiro e, quando tinham, gastavam logo. Conosco, ou com as pessoas que achavam que eram mais necessitadas do que nós. Nos Estados Unidos, existe uma coisa que é pecado. A pobreza. Se você é pobre, leva na cabeça. Desprezo, escárnio, hostilidade, ostracismo. Papai e mamãe sofreram por causa de suas crenças políticas, violentas e militantes. Os trotskistas podiam escapar impunes de assassinatos, se tinham algum dinheiro. Papai e mamãe não tinham. Portanto, todos os seus atos, seus movimentos, cada um de seus relacionamentos eram avaliados, julgados e condenados. Levaram numa boa. Nós não; as meninas, quero dizer. Veja, por exemplo, a senhora inglesa. Ah! Eu agora usando a palavra senhora. Se bem que nós, as meninas, a chamávamos de senhora. Eu devia ter uns cinco anos quando ela se juntou à comunidade de papai e mamãe. Estávamos no Texas naquela época. Ela veio da Inglaterra para ensinar as crianças rancheiras. Ela continua com a primogênita"

in Quando a primavera chegar: despertares em psicanálise clínica; Khan, M. Masud R. – Escuta – São Paulo, 1981

Roda, roda, roda

Um mundo que desperta



...Onde existe oposição, conflito, acomodação parcial ou compromissos formalizados, existe a vossa necessidade pessoal e egoísta de viverdes juntos. Ao passo que o homem que se destina aos tempos que estão próximos erige-se através de uma ordem que conhece as leis universais. Esta é a estrutura divina que romperá com ataduras e compromissos para projetar-se até a evolução de raças que, quase sem resultados, chegaram a compartir convosco a verdade da consciência.

...Haverá uma considerável diversidade, livre de separatividades, para assegurar a harmonia que ora desconheceis. Cada civilização criará o seu próprio corpo de conselheiros cósmicos, que se relacionarão com os conselhos planetários, solares e galáticos. Tudo isso conhecereis, após a grande purificação.

in Miz Tli Tlan; Trigueirinho Netto, José – Pensamento – São Paulo, 1989 – Imagem: Uma nave maior desenha nos céus uma chave secreta que pode ser decifrada desde que se conheça o idioma Irdin.

Em busca da vida eterna



...Amargamente Gilgamesh chorou o seu amigo Enkidu; vagueou pelo deserto como um caçador, percorreu as planícies; na sua amargura exclamou:
...«Como poderei ter descanso, como poderei estar em paz. O desespero está no meu coração. O que o meu irmão é agora, é o que eu serei quando morrer. E porque tenho medo da morte farei o que puder para encontrar Utnapishtim, a quem chamam o Longínquo, porque ele entrou na assembléia dos deuses.»
...E assim Gilgamesh percorreu o deserto, vagueou pelas pradarias, numa longa viagem, à procura de Utnapishtim, aquele que os deuses tomaram depois do Dilúvio e puseram a viver na terra de Dilmun, no jardim do sol; e só a ele, entre os homens, deram a vida eterna.

in Gilgamesh: Rei d Uruk (uma lenda bíblica) – Ars Poética – São Paulo, 1992

Língua geral dos indígenas do Brasil


NHÊ,

adverbio, acaso. A-ço-nhê, fui por acaso, sem necessidade e sem me mandarem. II. partícula que serve para tornar recíproca a significação do verbo, servindo tanto no singular como no plural. Neste caso equivale a ye. Ore oro ye juca, nos outros nos matamos a nós mesmos, ou, cada um de nós se mata a si próprio. III. Note-se, diz Figueira, que alguns verbos tem de sua natureza alguma destas duas silabas — Nho, yo, ex. Ayoçoc, dar de ponta, Anhoçuî, queimar. Pois estes verbos, fazendo-se recíprocos com as sílabas nhe, ye, mudarão somente nho ou yo em nhe e perderão o ç. Ex. Anho çui, eu queimo. A-nhe-ui, eu me queimo. Ayoçóc, eu pico. A-ye-çóc, eu me pico. IV. Nhe ou ye servem igualmente para tornar passivos os verbos ativos. Assim é que A-ye-juca não só exprime a ação do recíproco — eu me mato, como a do passivo — eu sou morto. Ai monhang, eu faço. A-nhe-monhang, eu me faço, ou sou feito. A observação que fica no § III tem igualmente aplicação neste caso, isto é, os verbos ativos que tem naturalmente as sílabas nho, yo, mudam-nas em nhe, ye, para se converterem em passivos. Ex. A-nho-tim, enterro. A-nhe-tim, enterro-me. E se tiverem ç depois das tais sílabas, perdem o tal ç, quando se fazem passivos. A-nho-çui, queimo; A-nhê-ui, sou queimado.


NHEÉN-NHEÉNG,

palrar, discursar, porfiar.


NHEÉNG,

falar, responder. Epotupab irunamo enheeng, falar aspero. — Moçaraya rupì nhotè enheeng, dizer leviandades. Mbae puxi recê enheeng, dizer leviandades em má parte. Megoê rupi enheeng, falar baixo.


NHEÉNGA,

fala, palavra, voz, linguagem, preceito.


in Dicionário da Língua Tupi; Dias, Gonçalves – Livraria São José – Rio de Janeiro, 1965

Como é que alguém vira Bruxa?

.
.
...A Bruxa é sempre a última filha de uma série de sete mulheres. Seu fadário (maldição) é de sete anos. Para escapar a ele deverá ser batizada pela irmã mais velha. Mais tarde será madrinha de crisma dessa irmã. Ela gosta de sal. Cada vez que o recebe está aliviando sua pena, porque o sal é sagrado.

...Uma informante estava em casa, com toda a família, à noite, quando começou a ouvir um assobio fininho e prolongado. O pai falou: — Fiquem quietos, porque é a Bruxa. E, para ser ouvido por ela, levantou a voz: — Amanhã bem cedo venha buscar sal. O assobio cessou. No dia seguinte, logo que se levantou e foi para o quintal picar lenha, apareceu uma velhinha que ele conhecia, porque morava no bairro. Olhou para ele, calada. Ele também nada perguntou. Entregou-lhe um punhado de sal. Ela agradeceu e partiu. Suas suspeitas, de que havia uma Bruxa nas vizinhanças, confirmaram-se. E ficou sabendo quem era ela.


...Bruxas rondam as casas onde há bebês. Se são recém-nascidos e, principalmente, se ainda não foram batizados, é preciso deixar uma luz acesa e não descuidar deles; ela costuma chupar-lhes o umbigo, matando-os por essa forma. Se são crianças maiores, carrega-as para outros lugares, longe de casa, entra sempre em uma venda onde há bebida alcoólica e embebeda-se. Depois volta correndo e esquece-as lá.


...Uma Bruxa metamorfoseada em pata apanhou uma menina e transformou-a também em pata. Foram para longe, a Bruxa preocupou-se em procurar bebida e lá esqueceu a menina. No dia seguinte, o dono da venda encontrou a menininha nua, perto das bebidas. Nesses casos é preciso sair procurando os pais das crianças, para devolvê-las.


...Havia duas moças, muito amigas. Uma delas era Bruxa. Fazia orações e gestos especiais e transformava-se. A outra resolveu imitá-la e conseguiu também se transformar, acompanhando-a para local distante, onde havia uma venda com bebidas. Lá beberam bastante. A certa altura, a Bruxa mais recente começou a arrepender-se do que fizera e então voltou à forma humana. A primeira passou pelo buraco da fechadura e foi-se embora. A outra ali ficou, nua. Apanhou um saco vazio e com ele se cobriu. Quando o dono da venda chegou, pela manhã, ficou muito espantado. — Como é que você conseguiu entrar aqui, com tudo trancado? A moça, chorando, explicou o que acontecera e contou-lhe do seu arrependimento. A esposa do vendeiro emprestou-lhe roupas e ela voltou para casa. Nunca mais quis acompanhar a amiga, a qual, envergonhada, mudou-se do lugar.

in Lobisomem: assombração e realidade; Lima, Maria do Rosario de Souza Tavares de – Escola de folclore – São Paulo, 1983 – Ilustração: Saul and the Witch of Endor; Cornelisz Van Oostsanen, Jacob – 1526 – Oil on panel, 88,3 x 123 cm – Rijksmuseum, Amsterdam