maio 24, 2019

A dona da noite

Depois de criado o mundo não havia noite para o índio Maué dormir.
Uánham, sabendo que a Surucucu era Dona da Noite resolveu ir buscá-la. Levou consigo um arco e flechas para com eles comprar a noite. Porém, a Sucururu recusou, pois não possuía mãos.
Uánham voltou com uma liga para as pernas. Surucucu mandou-lhe amarrá-la no seu rabo, porque não podia levantar-se e, mais uma vez não lhe entregou a noite. Uánham voltou com venenos. Surucucu, então necessitava de venenos, arrumou a primeira noite numa cesta e entregou-a a Uánham. Assim que saiu da casa da Surucucu, os seus companheiros correram ao seu encontro ansiosos pelo resultado do negócio. Uánham fora recomendado pela Surucucu que só abrisse a cesta em casa. No entanto, os seus companheiros tanto insistiram para ele abrir a cesta, que acabaram por conseguir.
Saiu a primeira noite. Os companheiros de Uánham, com medo, começaram a gritar e fugiram às cegas. Uánham gritava: "Tragam a Lua, pois havia ficado só na noite". Então, os parentes da Surucucu: jararaca, lacrau, centopéias, que já haviam dividido o veneno entre si e todas as outras cobras, foram experimentá-lo em Uánham, exceto a Cutimbóia, pois sendo muito brava não ganhou veneno, para que não mordesse todos os Maués. Uánham morreu com a picada da jararaca, mas depois ressuscitou quando um amigo (com quem tinha um acordo) banhou o seu cadáver com folhas mágicas. Levou mais veneno para Surucucu, em troca da Grande Noite, porque a noite havia sido muito curta. Surucucu, para formar a grande noite, misturou jenipapo com todas as imundícies que encontrou. E é por isso que, à noite, esta tribo sente tantas dores no corpo e ficam com a boca amarga e mal cheirosa.
Lendas à parte, a surucucu (Lachesis muta) é a maior serpente venenosa do hemisfério ocidental e uma das maiores do mundo, podendo atingir até 4,5m de comprimento e suas presas medem 3,5cm. Pode ser encontrada em toda a América do Sul (incluindo a ilha de Trinidad, na República de Trinidad e Tobago).

No Brasil, habita florestas densas, principalmente na Amazônia, mas há registros de sua presença em áreas isoladas de resquícios de Mata Atlântica dos estados do nordeste, do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.

A vocação para mito está até em seu nome científico, Lachesis muta: Lachesis é uma referência a Láquesis, uma das Moiras, as três irmãs da mitológia gregas que decidiam o destino dos seres humanos e deuses. Muta ("muda" em latim) faz referência à vibração da sua cauda que, similar à da cascavel, se diferencia por não ter ruído. Ainda é conhecida por outros nomes, a depender do local: shushúpe (Peru), pucarara (Bolivia), cuaima (Venezuela), verrugoso (Colômbia) e in makka sneki ou makkaslang (Suriname). Aqui, atende por surucucu pico-de-jaca, surucutinga, surucucutinga, surucucu-de-fogo e cobra-topete.

Sua cabeça é larga, se distinguindo do pescoço estreito. O focinho é arredondado. Seu corpo é marrom e marcado com formas losangos marrom-escuros, revestidos por faixas esverdeadas. Sua cauda não tem guizos, como a cascavel, mas quando esfregada contra a folhagem, um pequeno osso que possui no extremo da cauda produz um som. A surucucu dá sinal de que está incomodada: de comportamento agressivo, não aprecia invasores em seu território.

Um animal de hábitos noturnos, se alimenta de pequenos animais e roedores. L. muta é capaz de identificar os animais que caça pelo calor, seguindo o seu rastro térmico. Este acurado sensor de calor é a membrana que reveste internamente as fossetas loreais (orifícios entre as narinas e os olhos). A espécie se reproduz entre os meses de outubro e março. o período de incubação dos ovos é de 76 a 79 dias (em cativeiro).

A Lachesis muta é comum nas suas áreas de ocorrência. Em contrapartida, a Lachesis muta rhombeata, uma subespécie endêmica da Mata Atlântica, caracterizada pelo corpo amarelo com desenhos negros, está ameaçada de extinção. A queda populacional desta subespécie se deve à redução e fragmentação do seu habitat em razão do desflorestamento. Ela está classificada como Vulnerável na Lista Vermelha da International Union for Conservation of Nature and Natural Resources (IUCN)..

Por Rafael Ferreira
Foto: Stryphnodendron coriaceum


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