maio 23, 2019

O curador ferido

Em 1977, foi descoberto um pequeno planetoide entre as órbitas de Saturno e Urano. Para a astrologia, a descoberta de um corpo celeste sempre anuncia uma mudança de consciência na sociedade e reflete desenvolvimentos históricos cruciais. Por exemplo: a descoberta de Urano em 1781 está ligada a um período de rebeliões, revoluções e luta pela independência. Netuno foi localizado em 1846, coincidindo com o Romantismo. Plutão é descoberto no início do século e está sincronizado com o aparecimento do fascismo, do totalitarismo e também com o de uma nova ciência, a Psicologia.

É preciso olhar para a mitologia para estabelecer a conexão de Quíron com a evolução do coletivo e compreender seu significado arquetípico. O pai de Quíron foi Saturno. Sua mãe, Filira, era uma das filhas de Oceano. De acordo com a lenda, Réa, a esposa de Saturno, pegou o marido e Filira no flagra. Para escapar, Saturno transformou-se num garanhão e deu no pé. O produto dessa união foi Quíron, o primeiro Centauro, nascido metade homem, metade animal. Perturbada por ter dado à luz ao que ela considerava um monstro, Filira pediu aos deuses que a livrassem de qualquer maneira da responsabilidade de criá-lo. Como resposta, levaram Quíron e transformaram a mãe ingrata num limoeiro.

A primeira mágoa de Quíron é a rejeição da mãe, e onde quer que Quíron se encontre num mapa, esta é a área onde podemos ser mais sensíveis às rejeições. Representa a criança ferida, a “saída do Paraíso”, que todos vivemos quando somos retirados do útero para a dura realidade do mundo.

No corpo físico separado e distinto, perdemos o sentido de unidade com toda a vida. Quíron era parte divino e parte animal, nós também o somos. Seu posicionamento também mostra onde sentimos mais sutilmente o conflito entre os desejos do nosso físico e algo mais transcendente, puro e divino.

Educado por deuses, Quíron cresceu para ser sábio. Seu lado animal deu-lhe sabedoria terrena e proximidade com a natureza. Podemos dizer que era um xamã, um sábio curador, bem versado nas propriedades medicinais de várias ervas. Mas também estudou música, ética, caça e astrologia. Histórias sobre sua grande sabedoria se espalharam, deuses e nobres mortais levaram seus filhos para serem educados por ele. Tornou-se uma espécie de pai adotivo e mestre de Jasão, Hércules e Aquiles, entre outros. As matérias que mais ensinava eram o bem-estar e a cura, pois estava familiarizado em como criar e curar feridas.

Hércules feriu acidentalmente o joelho de Quíron com uma seta envenenada. O veneno era da tenebrosa Hidra e fez uma ferida incurável até mesmo para a medicina de Quíron. Fenômeno curioso: o grande médico sofrendo com uma ferida que não podia ser curada. Este é sua qualidade mais importante: a posição de Quíron no mapa nos mostra onde fomos feridos de algum modo e, através desta experiência obtemos sensibilidade e autoconhecimento para entender e ajudar melhor os outros. Quíron foi associado com o nascimento do interesse popular pela psicoterapia, ao processo de trazer feridas psicológicas à superfície para serem curadas. Na verdade, Quíron aparece num forte posicionamento nos mapas de muitos curadores e terapeutas. Os melhores terapeutas não são aqueles que conhecem bem suas próprias imperfeições?

Quíron preparava as pessoas para serem heróis. Seus pupilos estavam aptos a sobreviver no mundo, mas eram também nobres capazes de feitos e proezas a serviço de seus países ou de um todo maior. A sua localização no mapa não só é capaz de indicar onde podemos ensinar os outros, mas também onde nosso potencial heroico pode manifestar-se. A área onde podemos ir além do normal, sem perder o contato com a “vida real”. Podemos ser intuitivos, inventivos e também ter os pés bem postos no chão. Dale O’Brien diz que trânsitos críticos de Quíron indicam quando e como um indivíduo é desafiado a crescer sobre a adversidade ou mediocridade que cercam a sua vida e a perceber um destino maior envolvendo-o.

Como prêmio por todos os serviços prestados, Quíron recebeu o dom divino da imortalidade. Mas estava numa posição muito estranha, não podia curar sua ferida nem morrer. Qual a solução? Prometeu, que roubou o fogo dos deuses e foi banido para os mundos inferiores, seria libertado se alguém ficasse no seu lugar. Quíron, não querendo mais ser imortal, concordou em trocar de lugar com Prometeu. Eis a fusão de dois tipos de sabedoria: Quíron pegou a sabedoria terrena e a usou para propósitos mais elevados, enquanto Prometeu tirou o fogo dos deuses, símbolo da criatividade, e o trouxe para a Terra. Nosso desafio é integrar a visão espiritual do fogo criativo com a técnica e o senso prático.

A atitude de Quíron com relação à morte e seu entendimento acerca da saúde, da cura e da educação são os sinais dos nossos tempos. Quando a humanidade desperta para sua essência divina, para a busca do autoconhecimento e expansão da consciência a fim de curar suas dores de alma. Assim promovemos a cura individual e planetária.



Marcelo Dalla
Formado em Comunicação pela ECA – USP.
Estuda astrologia há 30 anos e atua profissionalmente como astrólogo no Brasil e em Portugal há 10 anos.
Especializado em Astrologia Cármica, Terapeuta Florais de Bach e Xamanismo. Artista gráfico e criador de mandalas.
Publicou em Portugal os livros MANDALAS MÁGICAS e MANDALAS SIGNOS DO ZODÍACO, ambos pela editora Verso de Kapa.
Mantém uma coluna diária de astrologia no portal ASTROCLICK e coluna semanal no site www.marcelodalla.com


Nenhum comentário: